Vidro Rasgado - Capítulo
4
Foto: @tenacidade_das_palavras |
Deitado na maca hospitalar, Zé
sentia dores de cabeça e as mesmas se intensificavam quando tentava descobrir
como tinha chegado naquela unidade sanitária. As lembranças vinham em forma de
alucinações deixando-o confuso cada vez mais. A única lembrança que aparecia de
forma nítida no seu pensamento, era daquela mulher que o interpelara no passeio
há minutos atrás.
- Onde ela está? - Perguntou eufórico ao enfermeiro
que o atendia.
O enfermeiro olhou-o atónito, pois não
entendera a indagação do Zé, pensou que o paciente estivesse a delirar.
- Onde ela está? - Repetiu a questão mas exaltando a
voz.
- Quem?
- A mulher do passeio.
- "Não há dúvidas, ele está delirando!" - Pensou o enfermeiro.
Enquanto isso, do lado de fora do
quarto de atendimento, a mulher ansiava por notícias daquele que a deixara
preocupada ao cair à sua frente como um ramo seco que se desprende da árvore.
Apreensiva, andava de um lado para outro, ansiosa por saber do estado daquele
homem.
O enfermeiro saiu do quarto e a indagação
foi recebida pelos seus ouvidos:
- Ele está bem?
- A senhora é...?
O silêncio seduziu o
discurso da mulher, pois não sabia como se apresentar. O enfermeiro levou a mão
ao queixo como se estivesse numa profunda meditação, descontraído soltou o verbo:
- Entendo! Tu és "ela" a mulher do passeio. "Esses homens
são criativos para baptizarem suas amadas". - Pensou e prosseguiu: - O teu amado está bem, apenas precisa relaxar
um pouco, anda muito estressado.
A vergonha e a timidez
vestiram o rosto da mulher, que vasculhava palavras para recusar o amor do Zé:
- Não tenho nenhum relacionamento com o paciente, apenas...
Pegando no ombro direito da mulher
como se quisesse aconselhar, os vocábulos ganharam existência na voz do
profissional de saúde:
- Te entendo, não é fácil assumir compromissos hoje em dia..
- Aí está ela! - Reclamou Zé abrindo a porta, ainda sob efeito dos
fármacos.
- Senhor não era para estar de repouso?
- Indagou o enfermeiro.
- Era, mas não olvidar-me-ia de vir agradecer quem me salvou a vida.
- Apenas estive no local certo às horas certas. Quem salva é Jesus e
não eu. Não tenho poderes para tal.
As palavras da mulher
encantaram o coração e a mente do Zé, observava atenciosamente a fisionomia
dela como se algo o dissesse que aquela era a última vez que a via. Sentiu um
profundo aperto no coração e vertigens embriagaram-lhe a consciência que acabou
se apoiando na porta para ganhar instabilidade.
- Eu disse para o senhor repousar. - Afirmou o enfermeiro.
- Estou bem, apenas estou a sentir o peso da idade me cansar o corpo...
As gargalhadas se fizeram ouvir
naquele corredor sanitário, eram do enfermeiro e da mulher que se divertiam com
os vocábulos do Zé.
- Do que se riam?
- Da sua pessoa. - Responderam em uníssono como se
tivessem combinado.
Zé também entrou na onda das
gargalhadas ao se aperceber que estava a dramatizar em demasia.
- Vejo que estás melhor, já posso seguir minha vida. - Afirmou a mulher.
O semblante do Zé começou a murchar e
a enfermidade da saudade invadiu seu coração pressagiando uma tempestade
amorosa e solitária.
- Pois está bem, apenas precisa controlar suas emoções e relaxar muito,
entregar-se ao espírito da inércia, se é que me entende? - Disse o enfermeiro.
- Te entendo perfeitamente. - Afirmou Zé.
O enfermeiro voltou as suas tarefas
deixando a mulher e o Zé a sós.
- Já vais? - Indagou na expectativa de ouvir uma
resposta negativa.
- A vida chama por mim lá fora.
- Quando é que voltarei a vê-la?
- Aqui. - A mulher tirou dois bilhetes e
entregou ao Zé e prosseguiu: - Leva quem
quiser!
Zé olhou detalhadamente para os
bilhetes que tinha em mãos, os mesmos estavam baptizados com o nome:
"Summer Fashion Week". Faltava duas semanas para o evento se
realizar. O evento ia decorrer numa sexta-feira às 19h:25min, no salão nobre do
Conselho Municipal daquela metrópole nominalizada Vila Morena.
- "Haverá gente graúda e..."
- Antes que Zé completasse seu pensamento, o dispositivo móvel da mulher
tocou o tirando do seu interlúdio mental, e ela prontamente atendeu.
- Alô! Já estou a caminho.
Despediu-se apressada
dando dois beijinhos nas bochechas do Zé sem o dar a chance de se apresentar e
desvendar o substantivo que vestia sua encantadora beleza. Zé ficou a suspirar
suavemente aos quatro ventos ansioso pela chegada daquela sexta-feira, seus
olhos brilhavam como o sol numa tarde do céu azulado e um sorriso bobo nascia
no canto da sua boca.
- "Estás apaixonado Zé!"
- A mente revelou seu estado de espírito.
- Eu?! Não posso me apaixonar...
- Afirmou mudando sua expressão facial para um cenário triste e solitário.
- "Porquê não?"
- As feridas que Edna me transmitiu ainda estão vivas no meu íntimo, as
sinto como se não quisessem sarar.
- "Esqueça este triste capítulo da sua vida homem! As feridas do
passado nunca vão sarar se nelas estivermos agarrados, e nos fecharmos para um
novo amor que pode ser um antídoto para curar as cicatrizes do passado".
- Tenho medo de me entregar e sofrer novamente...
- "O medo sempre esteve e sempre estará na vida do Homem. As
palavras de um pensador já diziam: "Ser corajoso não quer dizer que o medo
não exista no nosso íntimo, mas a vontade de vencer é mais forte que a vontade
de perder. Use o seu medo como uma ponte para alcançar seus objectivos".
- E se ela estiver compromissada?
- "Essa pergunta será respondida se o seu ensejo for amar novamente;
estar comprometida ou não, não o impede de ama-la. O amor é uma escolha que o nosso
coração aceita sem passar por exames de admissão".
- Estes conselhos devias ter me dado no passado, onde estiveste na altura
que eu as precisava?
- "Sempre estive
contigo mas o teu ego ofuscara minha presença".
Zé agradeceu os conselhos
da sua consciência, o brilho dos olhos voltou a resplandecer tornando mais belo
o castanho-escuro das suas lentes visuais.
Saiu do hospital com a
caixa dos seus pertences nas mãos, olhou para cima e o azul celeste sorriu para
ele, continuou sua longa caminhada pelos contornos da metrópole até desaguar
numa guest house.
-Continua-
Autor: Arnaldo Tembe