Vidro Rasgado - Capítulo 2

Vidro Rasgado - Capítulo 2

Vidro Rasgado - Capítulo 2
Vidro Rasgado
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Zé saiu da esquadra cabisbaixo segurando a caixa dos seus pertences no colo. Andava lentamente como se padecesse duma enfermidade, como se estivesse a carregar sobre as costas o fardo dos pecados do mundo. Sentia que estivesse a carregar um calvário invisível, se sentiu Jesus porém sem o substantivo Cristo. Deu uns seis passos depois de sair da instituição e sentiu um aperto no peito, faltava-lhe ar. Parou para recuperar a estabilidade, virou para trás, olhou o edifício e uma voz nasceu no seu íntimo, que pedia por liberdade:

- Vais ter saudades dessa pocilga! - A mente confessou.

Pouco se importou com a revelação da sua consciência, pois sabia que tarde ou cedo voltaria ao aconchego do edifício que tinha como sua segunda residência, voltaria como um herói que esperado sempre é pelas pessoas sofredoras que encontram na esperança as forças de continuar a viver avidamente.

Deu costas ao edifício e retornou a sua caminhada rumo ao estacionamento para se encontrar com aquele que o considerava seu amigo de longas jornadas, o Peugeot do modelo 1980. Entrou no automóvel, atirou a caixa para o assento esquerdo e mais uma vez olhou para o edifício através do retrovisor. Custava-lhe deixar o ambiente que tinha o acolhido e enraizados seus anseios profissionais.

Ignorou o sentimento nostálgico, virou a chave que já estava pronta para ordenar o automóvel a se movimentar. O motor tossiu timidamente revelando que sua saúde estava débil. O motor tossia com dificuldades, talvez aquele fora o sinal de que já era tempo do automóvel aposentar-se do asfalto e entregar-se a morte de forma natural. "Morrer como muitos dos meus companheiros morrem, enrolados numa lona no fundo da garagem ou num canto qualquer do quintal antes de virarem sucatas". Aquele pensamento atormentava a consciência do automóvel.

Zé rodou a chave vezes repetidas tentando ressuscitar o seu amigo que era possuído pela inércia, parecia que o Peageot já tinha chegado aos últimos cartuchos da sua existência.

- Hoje o dia não é para ti. - Pensou Zé muito indignado com a situação que atravessava. Ser afastado do que alegrava seu estado de espírito e o seu amigo perecer em sua mão em dizer adeus.

Fechou as janelas do seu companheiro e saiu com a caixa nas mãos com o semblante entristecido. Trancou as portas e começou a caminhar sem olhar para trás, pois sabia que olhar para trás seria aumentar a dor que já tinha se instalado no seu coração. Deixou o automóvel ali, no estacionamento como se fosse o túmulo do mesmo, não queria gastar o que não tinha para a realização de exéquias. O automóvel sentiu o abandono em sua alma e sentiu que já tinha chegado no inferno pela pior via, o abandono de quem nós amamos.

Zé caminhava pelos passeios da metrópole, do jeito que estava transtornado só dava caminhar para aliviar o estresse. Estava fisicamente no mundo dos vivos, porém sua mente mergulhava em infinitos devaneios pensando como será sua vida longe daquilo que mais amava fazer, investigações e solucionar crimes. 

Continuou navegando no ermo das suas imaginações e caminhando como um moribundo até ser interpelado por uma mulher de cabelos pretos e longos que perdiam-se nas suas costas, corpo esbelto de saliências que eram bem desenhados pela calça jeans que a vestia e pela blusa colante que salientava seus peitos durinhos como pêssegos antes de entrarem na fase do amadurecimento.

- Desculpa senhor?

Aquela voz ressuscitou os órgãos auditivos do Zé que até então se encontravam presos num mundo paralelo, o perfume com o aroma a jasmim que banhava aquele corpo feminino acordou múltiplas sensações no olfacto do polícia, apenas lhe faltava libertar os olhos da escuridão e decifrar o encanto que fora sentido pelos seus sentidos.

- Pois não?! - A voz saiu embargada e solitária no discurso do Zé.

- Estás bem senhor? - Inqueriu a voz meiga e suave daquela mulher.

A mente do Zé estava confusa, não sabia em que estado de saúde estava muito menos em que estado de espírito se encontrava, se estava triste ou alegre, as suas emoções estavam misturadas. Zé estava de costas para mulher, virou para decifrar a fisionomia daquela que se preocupava com ele. Os olhos encantaram-se, o coração começou a pulsar mais rápido, começou a transpirar intensamente, sentiu seus pés tremendo e em seguida caiu deixando aquela que se preocupara, desesperada. As luzes do Zé se apagaram, o entendimento se afastou da sua consciência e a inércia apoderou-se do seu corpo, Zé estava desmaiado.

- O que ela teria feito para o homem cair? Será que morreu? - Levantavam-se as vozes curiosas que não tardaram em infestar o ambiente.


Autor: Arnaldo Tembe

-Continua-




Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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