Morgado Mbalate |
1.
AFRICANIZANDO
Quando o meu sonho me ilumina eu escrevo África.
África me faz e me rodeia.
Eu amo essa gente cheia de África.
O chão da África tem cheiro de mim.
Na África, todos os caminhos nos levam às fontes da terra e às origens do mundo.
E o que me torna africano? É o amor pela terra e pela cultura.
A terra me ilumina. A cultura me encanta.
Minha alma é atravessada por imensos rios, como o rio Nilo, que nasce no meu corpo.
Em mim há quedas de águas, sobre mim, caminham cursos de rios.
A maioria dos rios da África nasce no planalto dos olhos.
Por isso, eu caminho de mãos dadas com flora e a fauna.
Sou savana africana de mim mesmo.
A poesia africana é para se vestir dela e correr poemas pelo mundo.
E eu escrevo para justificar a poesia africana.
Não acredito na riqueza material fácil para todos os africanos.
Mas acredito no ideal de riqueza espiritual através da promoção da cultura.
Eu hoje escrevo o coração da África.
Nunca me separo da África porque a trago dentro de mim.
África é dentro de mim.
@abstractartvia |
2.
O MENINO QUE NASCEU GRANDE
Uma ave
veste o meu ser.
Minha arte maior
é meu jeito de ser.
Meu jeito de ser
garça entre o pôr-do-sol e a lua.
Meu corpo
é a metade do sol.
Eu caminho com todos os tempos
e todas as eras.
Sou todas as pessoas do mundo
de todas as raças.
Meu poema é uma morada
que construo para Deus.
E o lugar onde construo minha felicidade.
Quero a palavra sagrada
grávida de Deus.
África é chão sagrado onde escrevo os meus sonhos.
@jdu2003 |
3.
MINHA TERRA, MINHA GENTE
Nasci no aconchego do azul
das águas do Índico.
Sou da espécie do azul
e do branco
das estrelas e do céu
do lugar onde nasci.
A pele da minha terra
tem o cheiro do mar.
A pele das minhas gentes,
o perfume de Deus.
Com letras de sangue
escrevo os sonhos
das gentes do meu país.
Minha escrita é grávida de sol.
Enche de beleza e poesia o coração
de Moçambique.
Quando escrevo,
traduzo os desígnios de Deus
guardados no ventre da minha terra.
4.
Particularidades do Meu Ser
Minha mãe é a lua.
Sou irmão de todas as estrelas.
Filho primogénito do sol.
Sobrinho do vento.
Enteado da terra.
Sei que pareço ser estranho, mas isso pouco importa, pois não?
Porque apesar de tudo.
Eu sou poeta de coração.
5.
@geofffansworth |
Não sou de cor, Sou Negra
Não sou de cor, sou negra cor de luto.
Não sou de cor, sou negra e contra o preconceito eu luto.
Não sou de cor, sou negra porque é que sou oprimida com o desnível social e racial?
Não sou de cor, sou negra com direitos humanos como no geral.
Não sou de cor, sou negra com coraҫão sem rancor.
Não sou de cor, sou negra com coraҫão que brota amor.
Todas as raças têm valor.
6.
Morada
Teve um dia que tinha um rio correndo na palma da minha mão.
Peguei nesse rio pensando que de um lápis se tratasse.
E tentei escrever um poema na pele de um beija-flor encostado ao chão.
Tentei também fotografar a voz de uma borboleta.
Entretanto, só consegui beijar o corpo de uma luz.
Fiquei feliz por ter tentado construir uma casa com poesia na imaginação.
Nesse dia o pôr-do-sol se fez dentro de mim.
A partir desse dia minha alma passou a ser a morada do ciclo do vento.
@thescream_art |
7.
Odisseia da Alma
A alma é pássaro.
Multicolor e multiforme.
Ora assume a forma da terra e a cor do mar.
Ora assume ao mesmo tempo a cor e a forma do vento.
Em verdade, em verdade, o corpo é ramo no qual a alma decola.
Toda alma é pássaro terno e eterno.
8.
Minha Terra, Meu Chão
Minha terra é borboleta furtiva fonte inesgotável de afecto e carinho.
Meu chão é pássaro vestido de amor que adeja alto desejoso em regressar ao ninho.
Tu és meu sonho suspenso ao redor do olho do sol.
Minha terra é gaivota fragmentada em fatias no leito do tempo.
Meu chão é sapo dourado de ternura com alma infinita de sonhos.
Tu és semente de alegria plantada no chão da poesia da minha alma.
Minha terra é garça esbelta e esguia perfumada de rio que plagia o azul do céu.
Meu chão é andorinha nascendo e crescendo no coração do vento.
@Jdu2003 |
9.
Amor Pássaro
Te amo com amor de passarinho.
Sujo de lírios e acácias.
Enamorado por rosas e violetas.
E enfeitado de girassóis.
Te amo com amor de passarinho.
Perfumado de arco-íris e magnólias
Que levanta voo do meu corpo.
E viaja no tempo.
10.
Marisa
Teus olhos são jóias raras da cor da chuva.
Teus cabelos são rios correndo no leito do vento.
Teu beijo bom é mel puro da colmeia que se estende ao alto mar.
Teus seios são pêssegos deliciosos tombados no chão da lua.
Tua alma é árvore plantada para além do chão do horizonte.
Minha sina está nos teus lábios suaves semelhantes aos anjos serenos dos céus.
Teu corpo é fruto amadurecido pela utopia divina.
No chão da tua boca correm todos os rios do mundo.
***
Morgado Henrique Mbalate (1993) nasceu e vive na Cidade da Matola, Província de Maputo, (Moçambique). É um Autor, Palestrante e Poeta moçambicano. Licenciou-se em Filosofia na Especialidade de Recursos Humanos e Ética, pela Universidade São Tomás de Moçambique (2014-2018), com especial destaque para o tema do seu trabalho de fim de curso: A Crise de Valores Morais na Contemporaneidade na Perspectiva de Friedrich Nietzsche: a Condição Moral do Homem que Matou Deus. Estudou Electrónica e Telecomunicações, na Escola Nacional de Aeronáutica (2012-2013, Moçambique). Recebeu menção honrosa no Premio Mondiale di Poesia Nosside (Itália, 2014) e no Prémio Fernanda de Castro (Categoria de Poesia) do IV Concurso Internacional de Poesia e Prosa (Brasil, 2017). Foi distinguido no Solar de Poetas pelo poema Morada (Brasil, 2014), e recebeu um certificado de mérito oferecido pelo grupo Editorial Múltiplas Histórias (Portugal, 2016). É autor do livro de poemas Odisseia da Alma (Editora Edições Esgotadas, Viseu, Portugal, 2016). Participou no CD de Literatura Negra O que nos a Bala (Socoraba: Brasil, 2018). Está presente em diversas antologias poéticas estrageiras. Colabora regularmente na revista literária Letrilha e no Por Dentro da África.