Infortúnio da Lucinha


Infortúnio da Lucinha
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erambulava de lés-a-lés vestida de andrajos a mando dos pais para suster a família. Quando o sol cruzava sorrateiramente a linha do horizonte, no poente, e se tornava soturna, Lucinha sumia de rapina dos olhos da cidade. Ninguém sabia contar direitinho a sua história. Nem o despertar das luzes da cidade a detinha. Seguia os destinos do vento com semblante de penúria.

     Tinha a costumeira de emergir pelas avenidas da cidade no intervalo das 09 horas e meia às 16 horas em ponto. De seguida sumia como de costume inexplicavelmente. Mas quando o dia desponta, subitamente, reaparecia circulando pelas mesmas avenidas com maior fluxo de gente endinheirada. Por quase todas avenidas conheciam-na à luz do dia; esbarrava quase todo o mundo com os seus pontapés de pedidos infinitos sem nenhuma distinção.

      – Titio, estou a pedir cinco meticais, estou com fome – suplicava com uma voz penosa e esfomeada a um senhor de pelo menos quarenta anos e poucos, cabeça rapada e barbas crescidas, óculos e chapéu de palha, caminhava pela avenida dos continuadores indo em direção à baixa da cidade.

     Com ares de arrogância, o senhor que parentava ser funcionário público, fingiu não tê-la enxergada nem ouvido a petição da Lucinha e continuou caminhando ereto sem se quer esguelha-la nem virar o pescoço até ser engolido pela vastidão do horizonte que se estendia pela frente.

     Lucinha prosseguiu com suas petições infinitas arrastando-se pelas avenidas debaixo do calor escaldante. Na avenida da marginal, avizinhou-se duma jovem que conferia suas gorjetas para pegar um minibus semicolectivo, na sua tónica costumeira suplicou: – Titia, estou a pedir cinco meticais, estou com fome! 



     Vociferou a jovem que parentava ter seus vinte anos e poucos, sem atinar nem consentir cuspiu-a uma granada de palavras, sem piedade. Esquecera-se de que o mundo são as pessoas.
     Cabisbaixa, Lucinha, calou-se com seus botões, e com vontade de chorar saiu apressadamente da jovem estugando os passos. Poucos metros depois a jovem lançou seu olhar à Lucinha consentida e murmurou para com seus botões – Deus me perdoe! 
Na avenida dos trabalhadores, o sol espiava as veredas da tarde, mas ardia calidamente que cozinhava suas costas. Reclinou-se na parede do hotel cinco estrelas, sob a penumbra da aba da varanda lambendo os beiços apos que trincara uma fatia de pão que comprara na baixa da cidade.

Na distância via uma mulher que parentava ser criança, mas quanto mais se aproximava crescia e ganhava estatura de uma mulher decente.

– Titia, estou a pedir cinco meticais, quero comprar bolinho, estou com fome – suplicou estendendo a mãozinha.
Consentida, a mulher, prendeu os passos, cravou um olhar sobre ela e vasculhou umas moedas no fundo da bolsa. Eram duas moedas de dois meticais e uma moedinha de um metical que achara no finito da bolsa.

– É o que tenho para oferecer – disse a mulher com ares de pena – filha, mulher como você não pode sair à rua pedir esmolas, não estais a decrescer, estas a ficar mulher, procura um trabalho para te dignificares… sê faxineira, fazer empreendedorismo…ou peça uma enxada, lute, batalhe … não ande por ai entesando sua mãozinha pela cidade… assim tu acabas metendo-te na prostituição – continuou advertindo à Lucinha. Por algum motivo, lhe veio a lembrança da mãe, Telmina, e pensou que, com uma mulher assim, atenciosa, a vida lhe seria muito agradável.

Perplexa com os dizeres da mulher, Lucinha ergueu-se e com olhos entorpecidos, mirando breu pela frente do desafio que ia encarrar caso rejeitasse as ordens da madrasta. Neste mundo contemporâneo, ninguém ajuda ninguém – cada um vira-se a sua maneira! Por vezes te esperam morrer para te comprar rosas, pagar melhor caixão. Que vale tudo isso?

Lucinha, órfã de mãe quando tinha oito anos de idade; tornara-se uma pedinte por quase todas avenidas aos dez anos de idade, a mando da madrasta e cumplicidade do seu próprio pai. Alguns vizinhos diziam que o sô Pietra, o pai a Lucinha, um holandês que adquiriu a nacionalidade Moçambicana fora engarrafado pela Jesuína, a madrasta.

No finito da tarde retornava a casa fechar as contas daquilo que conseguia durante o dia. Em conversa com a Lucinha, a madrasta prometera que quando completasse doze anos de idade a levaria à boate para ser trabalhadora de sexo e ganhar muito dinheiro. 

Autor: Alerto Bia



Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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