~ mazamera sefreu - [a segunda vez]

~ mazamera sefreu - [a segunda vez] ~


no firmamento contempla-se a lua cheia. a recepção terrena da irradiação lunar confunde a noite com o dia. a cidade ainda está insone. homens, mulheres e crianças pavimentam o bairro da manga. os copos cantam de um lado, no senta-baixo, no idioma dionisíaco, o ritmo de txakutxena e kabanga. e de outro lado, ouve-se a sonoridade ténue das batidas propostas pela txilar e 2m, que suam ao frio dos glaciares.

a memória de mazamera já havia confinado nos baús do esquecimento o que os mbavas lhe fizeram há mais de dois meses. por isso voltara a frequentar os bares. dissera a mãe que somente bebendo se ia curar do que os mbavas lhe tinham feito. era como se o álcool fosse a sua dietética forma existencial, uma terapia. porém, já estava comedido: bebia e conseguia ganhar a estabilidade como a de um 4x4 em terrenos pantanosos, não dava cambaleios ao caminhar nas horas crepusculares e nem sequer levava avultadas somas monetárias.

mazamera acreditava que teria, com esse novo modus procendi,vencido as adversidades criminais. mas só acreditava, pois os marotos sabiam-lhe a rotina, andavam a estudá-lo há já umas semanas e bolar um novo plano para saqueá-lo os meticais. jazia-lhes no subconsciente que mazamera era fonte inesgotável de dinheiro, era um nkava vangahete. eera ainda uma presa fácil, pois afora a boca longa, nada tinha em termos de braços que lhe conferisse resistência. 

o crepúsculo já ia quase em chamamento ao sol-pôr, mazamera viu a necessidade de fazer-se à cubata. daí entornara goela adentro as txilares bem geladas que havia solicitado. as horas já lhe faziam o juízo dessossegar. “manga é um bairro perigoso”, pensava ele. e porque sabia que todos dormiam àquela hora, então só podia apelar à companhia de allah quando caminhasse, e assim foi. 

mazamera saiu do bar, ia entre as artérias do bairro da manga fingindo uma robustez física de muhamad ali e pendurando nele seu íntimo cristal do medo que em um só grito seria capaz de se quebrar. ante o grito dos ventos que faziam dançar a copa das árvores, começaram a crocitar abutres de modo ininterrupto. quando ele passava pela mangueira mais frondosa, um morcego cagou-o a cabeça e a reacção de mazamera foi:
“fidamerda”

já começava a perceber com esses sinais que os passos adiante seriam terríveis. o mau agouro já se havia instalado, entretanto mazamera se negava a usar outro caminho para chegar à cubata. bem antes do que de repente, ele ouviu pelos quatro cantos vozes de cada lado e vez a ecoar:

“mazamera, mazamera, mazamera, mazameraaaa”

 o medo nele atingiu o ápice. pôs-se numa marcha mais rápida. fossem homens ou xipokos que o chamavam, já não queria saber. e enquanto corria, as vozes que nasciam dos quatro cantos seguiam-lhe e continuamente o chamavam:

“mazamera, mazamera, mazamera, mazameraaaa”.

correu quilómetro nenhum, o álcool punha-o numa velocidade da tartaruga. as vozes continuavam a seguir o seu trilho. e enquanto as fugia, mais se aproximavam dele. era uma autêntica demonstração da lei dos opostos que se atraíam. a disposição anti-atlética de mazamera acabou reprimida pelo cansaço. e ao parar, aquelas vozes aproximaram-se ainda mais. se antes não sabia de quem eram as vozes, agora estava certo de que eram dos mbavas, aqueles que doutra vez fizeram-no sofrer. cada vez se iam aproximando e o negro frouxo do crepúsculo que antes animava as vozes e matava a visibilidade da presença dos corpos, tornava possível aos olhos de mazamera rever os patifes ladrões.
ao se terem chegado mais perto de mazamera, dessa vez de forma vivaz sentenciaram:

“mazamera, nós quer mussuruku. se não nos dar vais levar purrada como daquele vez”.

“eu nom tem medo, yeu sou mazamera, nom aceitar mbavas me levar mussuruku”.

“você beberes txakutxena, mas nom aceitar nos dar mussuruku?”

“nom me pega, nom me pega, nom me pega. solta meu camisa…”.

havia lhe golpeado um dos ladrões. três deles foram dando-lhe sovas brutas no estômago e na face. magro, com postura esquelética, sequer conseguia responder à soma de forças daquele quarteto. passaram-se mais de dez minutos mazamera a ser feito um saco de pancadas. exigiram seus bolsos e descobriram que estavam cheios de nada. esta deve ter sido a gota de água, pelo que um dos meliantes sugeriu:

“vamos abrir bibla desse gajo, tem que saber tem que andar com mussuruku.”

“bem mesmu”, concordaram os demais.

o que os ladrões sugeriam, numa linguagem comum, era que penetrassem o ânus de mazamera. o jogo de linguagem aplicado não estava nos limites de sua percepção, por isso mazamera não compreendeu patavina do que disseram e sequer rebelou-se. não cogitava o que podia significar “abrir a bíblia”. maior espanto foi quando viu descerem-lhe as calças e tirarem-lhe a cueca. com a voz já bloqueada por conta das bofetadas, foi trabalhoso resistir ao estupro. um dos meliantes, o que dara a ideia, abriu o zip das calças e apelou à saída do seu mastro, jogado às adegas, confirmou-se que mais uma vez, sendo a segunda, mazamera sofreu.

e entre penetrações à mazamera, num jogo de troca insana de parceiros na sua cavidade anal, já se via no limiar o raiar do sol. nascia o novo dia e com ele o apelo ao socorro viria. sabe-se lá de qual fenda apareceu, mas uma senhora viu aquele insólito dos mbavas e pôs-se a gritar ainda que em pleno pânico pelo que via:
“barcabundaaaa”.

a senhora soltou numa só vez um grito gutural, mas o pânico que a tomava ampliou a voz e fê-la despertar toda vizinhança. todos despertaram em frenesi. os cães foram libertos para auxiliar na caça. e entre o apelo a materiais contundentes e tudo o quanto destile a fúria humana,

“wu… wu… wu…. wu…. wu…wu”

eram os cães que acompanhavam os
“gui-gui-gui-gui”

dos meliantes que fugiam atleticamente qual usain bolt na pista, e só se conseguia sentir o balançar do chão.

[esse foi o segundo sofrimento de mazamera]

daúde amade,
13/11/2019

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