GALÁXIA DOS LIVROS - Episódio 2 - Ernestino Maute
Ernestino Maute, nas suas próprias palavras, nasceu na primeira república, em plena aurora de um dia: em 85. Guarda no alcatrão da memória a sua infância passada à beira de uma linha férrea, em casa dos seus avós. Estudou Ensino de Português na Universidade Eduardo Mondlane, mas antes tinha feito com sucesso o terceiro ano do curso de Literatura Moçambicana, na mesma Universidade.
Em 2016 experimentou-se num caderno em forma
de antologia, intitulado “Desenha-me a tua liberdade”, para posteriormente
vencer o 2º Concurso Literário Alcance Editores que lhe permitiu editar e
publicar “ Cicatrizes e Uma Alma Reclusa”, em 2018. É docente de língua
portuguesa na Escola Secundária da Matola. É amante de livros e é com ele que, sobre eles, nesta ocasião, conversamos.
1.
Como a leitura (livro) chega ao teu coração?
A leitura chegou-me quando ingressei pela primeira
vez na escola, através de gravuras/banda desenhada.
2. Ainda te lembras do
primeiro livro (ou texto) que leste (qual)?
Manual de aluno, Língua Portuguesa, 1ª Classe. Um
livro repleto de textos imagéticos. Esse foi o meu ponto de partida para a
palavra escrita. E muito mais tarde, descubro as obras literárias, contudo não
me lembro da inicial, apenas retenho um episódio memorável: - na nossa casa
usávamos latrina; e como não nos era acessível adquirir o papel higiénico, a
minha mãe trazia de um apartamento, no Prédio
Intimane, no Alto Maé, onde era
empregada doméstica, uma pilha de jornais antigos. Certo dia, entrei na casa de
banho. Agachei-me na latrina. Pus-me a ler em voz audível um jornal. E ela, que
se encontrava a lavar a roupa próximo do local, vociferou em changana: mwananga utahlanya hikulerha axikoti (Meu filho, vais enlouquecer
por ler na casa de banho), disso me lembro!
3.
Qual livro é que mudou o teu horizonte (a tua vida)? Porquê?
Foi um texto que mudou a minha vida: Metamorfose, de Carlos Patraquim. É um poemanço eterno; de beleza e
contundência invulgares. Lê-lo é como fazer o sinal da cruz no meio de uma
hecatombe. A poesia mudou o meu horizonte. Foi através dela que percebi a
nobreza da literatura e da vida!
4.
Que livro está no teu travesseiro?
“a morte e a morte de quincas berro dágua”, do
fabuloso e atemporal escritor, Jorge Amado. É uma extraordinária Novela.
5.
Que livro não conseguiste terminar de ler? Porquê?
Cicatrizes
e Uma Alma Reclusa, meu primeiro livro,
o primogénito sonho, pois ainda precisava de contemplá-lo quando saiu-me das
mãos para o prelo. É bom que se entenda, não estou a reduzir o valor da obra,
pelo contrário, a mesma significa muito para mim.
6.
Sugira um livro para se ler antes de morrer (por que ler esse livro?)
É-me deveras difícil sugerir a leitura de apenas um
livro, sabe à injustiça, por isso gostava que as pessoas lessem todas as obras em
sua posse, mas é quase sagrado, como um crente perpassa os dedos sobre as
estações do terço, ler os seguintes: Orgia
dos Loucos, de Ungulani Ba Ka Kosa; Terra
Sonâmbula, de Mia Couto; Niketche,
de Paulina Chiziane; Rabhia, de Lucílio
Manjate; Mundo Grave, de Pedro
Pereira Lopes; O Regresso do Morto,
de Suleimane Cassamo; Até Amanhã Coração,
de Eduardo White; A Reinvenção do ser e a
dor da pedra, de Armando Artur; Para
Uma Cartografia da Noite, de Álvaro Taruma; A Descrição das Sombras, de Macvildo Bonde; O Campo de Areia, de Léo Cote; Os
Ângulos da Casa, da Hirondia Joshua; O
Lugar das ilhas, da Sónia Sultuane; Ferramentas
para desmontar a noite, de Japone Arijuana; A Pedagogia da Ausência, de Amosse Mucavele; Cada Um Em Mim, de Nelson Lineu; Cães à Estrada e Poetas à Morgue, da Deusa d’África; Os Poros da Concha, de Sangare Okapi; O Silêncio da Pele, de Otildo Guido, entre
outros. Mas para não escamotear o interesse supremo da pergunta em causa, sugiro
Cronicontos da Cabeça do Velho, de
Adelino Albano Luís. É uma estreia estrondosa!
Guião
de entrevista: Alerto Bia
Redacção: F. A. Chaúque
Revisão: Daúde Amade
Leia o Primeiro Episódio da GALÁXIA DOS LIVROS AQUI
Leia outra entrevista ao Ernestino Maute AQUI