Luís: treze anos estampados no corpo, muita macanganhiça na cabeça e, também, muita esperança no coração. Afinal, que outra arma os pobres podem ter contra a miséria senão a esperança?
— É desta vez, mamã! Eu vou ganhar o meu presente com o pai Natal… é desta vez! — Repetia o miúdo, entusiasmado, no dia 24 de Dezembro.
Entretanto a mãe não compartilhava do entusiasmo do seu filho, pois sabia que o pai Natal não pisava nestas terras. Aliás, pode até pisar, mas o governo desvia os presentes das crianças.
— Satanhocos!!!
O miúdo não se deixou abalar. Preferiu reforçar o seu ânimo com um passeio pela vila, que estava natalinamente colorida. As lojas exibiam suas árvores de natal e os brinquedos mais bonitos que há no mundo. Luís foi directo para a loja dos chineses, talvez pela milésima vez naquele ano, e pela milésima vez não era para comprar alguma coisa, mas sim, para ver seu presente de natal. E lá estava ele, bem no fundo da loja, intocado, reservado a si: a bicicleta. Exactamente a que ele escreveu, com sua melhor caligrafia, ao pai Natal.
Saiu da loja dos chineses aos pulos e dirigiu-se à paróquia, procurando argumentos para contrariar o pessimismo da sua mãe. Pediu ao padre Antunes que lhe falasse do natal. O sacerdote discursou por quase uma hora: falou de Jesus, de Maria e José, de Belém, do rei Herodes e nada do pai Natal e dos presentes. O miúdo pensou em perguntá-lo sobre o pai Natal, mas temendo mais outra hora de discurso, despediu-se amavelmente e fugiu daí. Foi parar na loja de produtos alimentares do senhor Ajgar Hossain, cidadão Bangladês, sujeito conversador e conhecido por todos como "monhé". Ele, o monhé, deu outras informações:
— Isto nô existir… pissoas inventar pra ganhar dinhero de outros pissoas. — E pôs-se a rir.
O miúdo olhou para ele, duvidento. Pois como não existir se até já vira fotos do pai Natal? Aliás, o miúdo sabia descrevê-lo na perfeição.
— Velho; usa óculos; tem uma enorme barba branca; uma barrigona e… — A descrição fora interrompida pelas efusivas gargalhadas do monhé. Estava tão alegre que até falou numa língua que o miúdo desconhece:
— It’s marketing… business
— Não estás a entender — disse o miúdo com seriedade — o pai Natal existe, ele deve existir.
E virou-se, deixando-lhe ainda aos risos. Já distante, ouviu do monhé:
— Dizer seu mãe vir pagar mô dívida.
Mas o miúdo já não tinha peito para isso, destroçado que estava das suas fantasias. Afinal foi um ano inteiro sem trapaça, na exclusiva intensão de ganhar seu presente. As pessoas até elogiavam-no pela repentina mudança:
— Continue assim — diziam, — amanhã vais ser alguém.
Não era o ser alguém que o interessava, era apenas agraciar a simpatia do pai Natal para no dia 25 de Dezembro ter a sua recompensa: a bicicleta da loja dos chineses.
Mas isso não significa que durante o ano não cometera algum pecado, isso é impossível. Cometera, sim, mas pecados de pouca monta, mindinhos, desculpáveis. É o exemplo daquela vez que acertou em cheio a nuca da vovó Maria com uma pedra saindo da sua "fisga". Não foi de propósito, caçava passarinho. Fugiu, é claro. Mas depois pediu desculpas: não a ela, mas a Deus. Houve também aquela vez que, do alto da mangueira, espiou a jovem Suze tomando banho. Poderia ter ficado aí mais tempo contemplando aquelas curvas e recurvas expostas, mas lembrou-se do presente que poderia estar a perder e, rapidamente, desceu da árvore.
— Terá sido de graça? — Perguntava-se, tristonho.
Voltando para a sua casa, avistou seu professor da sexta classe que, como a maioria dos pais de casa em Dezembro, estava em cima das chapas com martelo e prego tentando corrigir os pingos que inundavam o interior das casas. O miúdo teve que gritar, convocando atenção do professor, pois as chapas não são como ovelhas que são torturadas e mantém silêncio.
— Sô Prifissoooooor!!!... O pai Natal vai vir esse ano?
O "Prifissor", sem largar o martelo, argumentou que o pai Natal é o décimo terceiro salário.
— E este ano não haverá. — Declarou, tão triste quanto o miúdo.
O miúdo continuou andando, cabisbaixinho. Mas por que todo mundo fala mal do pai Natal? Perguntou-se.
— Amanhã, passeando com a minha bicicleta, provarei a todos que estavam errados.— Disse para si mesmo.
Na verdade já imaginava as pessoas dizendo:
— É o pai Natal que lho ofereceu.
E ele seria exemplo para as outras crianças.
— Comportem-se bem como o Luís, para ganharem presentes do pai Natal.
E foi com estas fantasias que, já de noite, foi para cama. Sem pensar nem na Dio ou na Vanessa. Até porque o miúdo achava que tudo seria mais fácil se ele tivesse uma bicicleta, distribuindo boleias por aí.
Na manhã do dia seguinte, dia 25 de Dezembro, bem no centro da sala, estava a bicicleta. Exactamente aquela da loja dos chineses. O miúdo estava deslumbrado, e o mesmo deslumbramento partilhava a mãe.
— Luís! — Chamou a mãe.
Mas ele estava tão encantado que permaneceu olhando para o mega presente que ganhou do pai Natal.
— Luís, acorda! — Era sua mãe o sacudindo.
Quando despertou, correu para a sala e encontrou apenas a realidade. Ela mesma, tão cruel quanto só a realidade pode ser.
— Fidamãe do pai Natal.
FIM
Por Adelino Albano Luís
22.12.2022