Morgado Mbalate |
‘’Escrevo para incentivar o povo moçambicano e africano a sonhar e pela escrita entregar abraços ao mundo inteiro. Da varanda do meu poema abraço a humanidade inteira.’’ É com estas palavras que o nosso entrevistado se apresenta. Morgado Henrique Mbalate (1993) nasceu e vive na Cidade da Matola, Província de Maputo; autor, empreendedor, palestrante e poeta moçambicano. Licenciou-se em Filosofia na Especialidade de Recursos Humanos e Ética, pela Universidade São Tomás de Moçambique (2014-2018). Ademais, é autor do livro de poemas Odisseia da Alma (Editora Edições Esgotadas, Viseu, Portugal, 2016). É com ele que desta vez conversamos neste tempo em que o isolamento social é a palavra de ordem. [Conversa com Hirondina Joshua AQUI]
1. Quanto a ti, enquanto poeta ou pensador e ser de relações consigo, o mundo e o outro, o que implica este isolamento social?
Para mim este isolamento social implica uma oportunidade para fazer uma pausa e repensar a vida, o mundo, as relações sociais e humanas, despertar para as causas sociais e humanas, para os sonhos dos povos africanos e do mundo inteiro e fazer uma odisseia dentro da minha alma e da alma do mundo para resgatar a essência e o sentido da vida, o nosso bem mais valioso. É tempo de nos reinventarmos como Homens renovados, mais humanos capazes de honrar a morte de milhares de pessoas, em Moçambique, na África e no mundo. Nestes dias de distanciamento social difícil é abraçar e beijar os que amamos, assim sendo eu tenho escrito poemas para que em forma de poesia e palavras de afecto, carinho, conforto, entregue abraços às pessoas que amo e ao mundo inteiro. Eu fico em casa e espero que você fique também, por nós e pelos nossos.
2. Agora, será que a vida existe em plena lentidão dos dias? Ou ainda sente que o mundo marcha como sempre marchou?
É bem evidente que desde os pretéritos dias da chegada do novo coronavírus ao mundo, o modo de funcionamento da humanidade, da vida e do mundo, tem sofrido várias transformações. Estamos diante de um inimigo invisível que tem condicionado a nossa forma de se relacionar, trabalhar, divertir e nos coloca numa posição em que temos de encontrar novas formas de ser e existir. Mas no meio disso tudo, penso que devemos lutar pela luz dos nossos sonhos e por melhores dias para o nosso mundo. A melhor forma de curarmos o mundo desta nova doença, é cumprir com as recomendações e as medidas de prevenção dadas pelo MISAU E pela OMS.
3. Onde tem buscado as forças para poder viver mais um dia desses dias que parecem uma extensão infinda do apocalipse? Que papel tem a arte para sua vida nesse cenário?
Nietzsche disse que "A vida sem a música seria um erro", pois para mim, a vida sem a arte é um erro. A arte é a minha companheira nesta viagem pela estrada da vida, Ela é uma forma de viver o mundo, senti-lo, e transformá-lo. Ela e a minha fé no criador da natureza, de nós, e do mundo me sustentam. Um dos meus passatempos predilectos é a condução, mas agora conduzo muito pouco, trabalhando, estudando a partir de casa, viajo sempre de poesia e prosa, na arte e na investigação, a minha arte e produção, meu olhar minucioso para o mundo, não me permitem nunca me encontrar no desconforto, tédio e rotina do ócio, até porque, neste dias, encontro mais tempo para criar, recriar, produzir, não para lamentar o isolamento.
4. Acha que esta pandemia tem algo a ver com punição?
A pandemia ser uma punição? Pode ser, mas eu vejo a pandemia como sendo fruto talvez de algumas decisões, escolhas e comportamentos menos acertados da Humanidade. Para mim ela é fruto da ganância, hipocrisia, e não passa de uma estratégia geopolítica do Homem, mas tudo isso são teorias e ideias. Não creio muito que seja vingança de um Deus justo, penso que Deus promove ajustes, e é do caos que nasce a ordem. Tenho notado que a pandemia tem promovido, de algum modo, em alguns lugares do mundo, do meu Moçambique, da África, o olhar ao lado, ao próximo, a solidariedade, e a prudência. É curioso, que a pandemia tem promovido um olhar mais positivo para novas tecnologias que nos tem ajuda no trabalho, estudo e descobertas neste tempo. Espero que estejamos a entrar numa nova era de valores, certezas e de desenvolvimento com melhor controlo das questões físicas e sociais.
5. O que mais tem pensado nesses dias de isolamento social?
Nesses dias de isolamento social tenho pensado mais em me proteger, proteger os meus, também em me adaptar à nova realidade da vida e do mundo, e aprender as novas formas de solidariedade, empatia, humanidade, amor, estar bem comigo mesmo e com Deus. A investigação, as novas formas de produzir, analisar o mundo, buscar soluções é o que tem vindo com maior frequência à minha mente.
6. Quando a corda enfraquecer, quando tudo passar e a aurora trouxer novos dias, calmos e coloridos, o que pensa fazer depois?
Quando chegarem dias melhores, penso em me vestir de poesia africana, e correr poemas pelo mundo, penso em encher de beleza e poesia o coração de Moçambique e da África, amar minha família e o meu povo, a vida, a natureza, o universo e escrever para voar.
7. Do jeito como estava o mundo antes da Pandemia do covid-19, acredita que ele possa vir a mudar?
Eu sou como Guimarães Rosa, acredito na ressurreição do Homem, na justiça do criador, num Homem mais humanista e responsável, aguardo uma nova ordem para mim e para todas as coisas.
8. Qual a lição desse isolamento social para si?
O ser humano deve ser mais solidário e humano, pois essas são as melhores formas de existir e se relacionar. A solidariedade é remédio para qualquer doença, o isolamento pode ser físico, mas as boas relações humanas e verdadeiras são mais fortes que qualquer isolamento e distanciamento.
9. Nietzsche assumia que a arte existe para que a verdade não nos mate, sob esta ideia, tem visto a arte assim? O que tem escrito e que tem amenizado as tuas dores no mundo, principalmente nesses dias?
Sou muito suspeito para falar de Nietzsche, escrevi minha monografia na perspectiva de um pensamento Nietzscheano. A arte é um remédio para os males do mundo. Mas a arte é subjectiva, depende de como cada um a concebe. Eu sou filho de Nietzsche e Da varanda do meu poema abraço a humanidade inteira, escrevo para incentivar o povo Moçambicano e africano a sonhar e pela escrita entregar abraços para o mundo inteiro.
Para amenizar as dores do mundo crio conteúdos que não são corona-centrados, escrevo versos que são parte integrante da terra, do mar, do céu, o sujeito poético caminha, de mãos dadas com a Natureza, com a minha gente, canta o sol, a lua, o arco-íris, Trago uma poesia dos sentidos e das sensações, sempre em agradecimento e consonância com o plano do Criador. Deus está presente em cada instante, e algo engrandecido surge, objecto de um amor poético universal e transcendente.
10. Se está pandemia significar a extinção da Humanidade, diria que valeu a pena ter vivido?
Que esta pandemia não seja a extinção da Humanidade. Sim, valeu a pena ter vivido, orgulho-me da minha história de vida e minha produção literária é um legado de amor a minha pátria, Moçambique, e a minha Mãe terra, África.
Conversa com Alerto Bia AQUI