Covid-19 - Conversa para enganar o tempo - com Alerto Bia [3]

Covid-19 - Conversa para enganar o tempo - com Alerto Bia [3]

Há meses, o mundo corria veloz, como se o seu motor jamais pudesse parar. Os passatempos eram desnecessários que nem interessava os procurar pois já abundavam. Porém, repentinamente, tudo teve de parrar devido ao coronavírus. Moçambique está em estado de emergência, todo mundo em pânico. Isolamento social em evidência; as ruas quase desertas.
Precisamos estar sempre preparados para morrer”, diz Alerto Bia em relação ao estado caótico em que a humanidade se encontra. Na verdade, há quem possa sentir-se livre para melhor criar nesta condição de isolamento, mas também há quem possa sentir-se preso. Tudo está em plano aberto, uma questão de escolha.
Para uma breve análise em torno disto tudo, temos aqui a secção “Covid-19 - Conversa para enganar o tempo”. Já conversamos com Britos Baptista (AQUI) e Hirondina Joshua (AQUI) e abaixo temos a conversa com o poeta/escritor Alerto Bia.
Boa leitura.

1. Quanto a ti, enquanto poeta ou pensador e ser de relações consigo, o mundo e o outro, o que implica este isolamento social?
Único instante em que se cedeu, à luz de decreto, o espaço de criação, de reflexão, de desaceleração que apenas um vírus foi capaz de nos proporcionar, então.

2. Agora, será que a vida existe em plena lentidão dos dias? Ou ainda sente que o mundo marcha como sempre marchou?
Sabes, sempre penso, o mundo é estático; o homem, único actor protagonista nesta cena toda, e Deus o cineasta. Er… a vida é um lapso! e a morte está iminente, ou melhor, está atrás da porta “encostada”, e senciente da saída de uma dimensão para a outra, o Homem acabou com o espectáculo.  

3. Onde tem buscado as forças para poder viver mais um dia desses dias que parecem uma extensão infinda do apocalipse?
Cavacamos nossos próprios túmulos desde o pouso do sopro em nós. Nada de quimeras! Nunca recorri a nada para suportar estes sóis que se levantam e se deitam incansavelmente, afinal nascemos da morte e retornamos; penso que a morte é o estado normal, precisamos estar sempre preparados para morrer, de modo a não ficar bastante apreensivo a outras formas de retorno como a de COVID-19. Que papel tem a arte para minha vida nesse cenário? A arte em mim é um trajecto, não somente neste cenário, mas desde os primórdios à eternidade!

4. Acha que esta pandemia tem algo a ver com punição?
Não, punição de quem? Já disse o homem é actor nisto tudo, Deus colocou o homem em cena; se for punição ele mesmo pune-se a si mesmo. Mas creio na ideia de existir um remote controlo accionado para purificar o universo.

5. O que mais tem pensado nesses dias de isolamento social? Ou o que com maior frequência tem vindo à sua mente?
Talvez por que eu tenha crescido sempre absorto e enclausurado em mim, não vejo nenhuma anormalidade nisto tudo, não penso em nada que me possa distrair, não sinto saudades de nada. À mente vem-me a ideia de ler um livro, ouvir Raymond, Elvira Viegas, Elsa Mangue, Yolanda Kakana, Fernando Chivure, Joaquim Macuacua, Eugénio Mucavele, Alberto Machavele, Fany Npfumo, Antonio Marcos, Resiana Jaime, Rosália Boa, Dilon Djindji… etc uma boa música, marrabentada; um Jeremias Nguenha.

6. Quando a corda enfraquecer, quando tudo passar e a aurora trouxer novos dias, calmos e coloridos, o que pensa fazer depois?
Se dói a prisão, sabe quem nalgum dia esteve solto; a mim, sinto o pesadelo de não sair à biblioteca, mandar um amigo à livraria, a um bar. E quando esta anormalidade aos outros finalmente passar, penso a prior em ligar aos amigos dizer-lhes que voltemos à ribalta, a vida continua.

7. Do jeito como estava o mundo antes da Pandemia do COVID-19, acredita que ele possa vir a mudar? Os humanos ficarem mais humanos? Darem mais amor ao próximo, acolher? Ter a ética da responsabilidade como fim último?
O mundo é estático. O homem sempre foi humano, apensar de se portar desumanamente. Depois de tudo haverá uma reconstrução, uma nova utopia, vamos enxergar a tudo com novos olhos, enfim, o palco da vida irá dizer as manobras possíveis.

8. Que ensinamento se pode tirar deste isolamento social?
Amadurecer o pensamento antes de agir. Dele pode se tirar o trivial ensinamento “o futuro depende das acções que tomamos, hoje”.

9. Nietzsche assumia que a arte existe para que a verdade não nos mate, sob esta ideia, tem visto a arte assim? O que tem escrito e que tem amenizado as tuas dores no mundo, principalmente nesses dias?
A arte é a essência do universo. Escrevo sobre tudo que me assalta a vista nas horas frescas. A solidão é o remédio que mais preciso.

10. Se esta pandemia significar a extinção da Humanidade, diria que valeu a pena ter vivido?
Sim, vivemos o suficiente pra sentir o quão bom é a vida.

Entrevistado por Fernando Absalão Chaúque

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