Covid-19 - Conversa para enganar o tempo, com Hirondina Joshua [2]



Na senda de entrevistas relacionadas com o momento em que vivemos, tendo iniciado esta série com a entrevista ao poeta Britos Baptista (leia aqui), hoje levamos à proa desta embarcação a poeta Hirondina Joshua, nascida em Maputo (1987), é uma das vozes de destaque na nova geração de escritores moçambicanos, com uma intrépida poética intimista. Ela é autora do livro de poesias Os ângulos da casa (2016), lançado sob a chancela da Fundação Fernando Leite Couto. Os textos de Hirondina pululam pelos quatro cantos do universo ao sabor do vento através de jornais e revistas como Caliban, Acrrobata, Literatas, Raizes e Palavra Comum.

Caro leitor, queira acompanhar-nos nesta conversa.

Daúde Amade: Não há filosofia ou ciência que se prese à metafísica para determinar em que processo a arte nasce. Dizia Ortega y Gasset que somos frutos das nossas circunstâncias, isto implica reconhecer que não somos dados a essência de forma a priori, mas ela é uma utopia infinda, um encorajar-se a estar a caminho. Com isto busco traduzir a ideia de que há quem possa sentir-se livre para melhor criar nesta condição de isolamento social, mas também há quem possa sentir-se preso. Tudo está em plano aberto, uma questão de escolha. Quanto a ti, enquanto poeta e ser de relações consigo, o mundo e o outro, o que implica este isolamento social?
Hirondina Joshua: Força-nos a pensar mais do que a sentir. Pensar é fluvial. Vivo um paradoxo eterno, como poeta valorizo a metafísica e como Homem desprezo-a.

O mundo há meses corria como se o seu motor jamais pudesse e nada o podia parar. Os passa-tempos eram desnecessários que nem interessava procurar pois já existiam. Agora, será que a vida existe em plena lentidão dos dias? Ou ainda sente que o mundo marcha como sempre marchou?
Como sempre marchou. A voltar e mostrar e voltar. E o Homem no centro. Pasmo, para não dizer parvo.

O mundo dorme sobre um tecto frágil, e a vida tem estado em iminente perigo por conta da crise sanitária. Onde tem buscado as forças para poder viver mais um dia desses dias que parecem uma extensão infinda do apocalipse? Que papel tem a arte para sua vida nesse cenário?
Sempre vi a arte como uma manifestação do meu sujeito espiritual mas num nível perto da carne. Transmuta-se objecto de terapia e de prazer. Onde não me basto: creio em Deus, Criador de todas as coisas, acima de tudo.

O mundo parece estar a pagar alguma dívida. Como se estivesse submetido ao processo dos efeitos após um minarete de causas. Acha que esta pandemia tem algo a ver com punição?
NÃO. Acho que não estamos a ser punidos, estamos a nos a punir. Quando a tua estupidez cai sobre ti: é esse o filme.

O que mais tem pensado nesses dias de isolamento social? O que com maior frequência tem vindo à sua mente?
É desafiador, mas viver vale a pena. Como um pacote: tens a parte má e a boa.

Dói a prisão de quem um dia já teve a liberdade de voar e por ora tem o pé preso a um fio. Quando a corda enfraquecer, quando tudo passar e a aurora trouxer novos dias, calmos e coloridos, o que pensa fazer depois?
Diminuir a minha frequência nas redes sociais, sinto que me gasta energia. Estou num vício descabido. - Preciso viver!

Do jeito como estava o mundo antes da Pandemia do COVID-19, acredita que ele possa vir a mudar? Os humanos ficarem mais humanos? Darem mais amor ao próximo, acolher? Ter a ética da responsabilidade como fim último?
Um humano ficar mais humano, o que isso quer dizer? Ele abandonar-se? Ou verificar que não pode abandonar-se?

Encontrar-se, ilustre. Mas avancemos. (risos) 
Qual a lição desse isolamento social para si? Que ensinamentos se pode tirar dele?
Ensinamento: que ando com pressa, estou alta, não tenho tempo para mim. E o mundo não tem tempo para mim. - É justo.  Há um espelho que se faz e eu não vejo, não posso nem sequer partir.

Nietzsche assumia que a arte existe para que a verdade não nos mate, sob esta ideia, tem visto a arte assim? O que tem escrito e que tem amenizado as tuas dores no mundo, principalmente nesses dias?
Bem, há  verdades dentro e fora dos vulcões que somos. Demasiadas verdades. Essa afirmação é uma delas. A arte explora o lado mais injustificável do Homem. A justificação, tendo lugar num sítio em que não podemos atingir. Escrever é uma experiência - um objecto de experimentação; tenho continuado com os projectos já iniciados.

Se esta pandemia significar a extinção da Humanidade, diria que valeu a pena ter vivido?
É desafiador, mas viver vale a pena. Como um pacote: tens a parte má e a boa.  Interessante a vida por causa disso: desse desassossego e esse descanso. O eterno mistério.

Enviar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem