Vidro Rasgado - Capítulo 16


Vidro Rasgado - Capítulo 16. tenacidade das palavras
Vidro Rasgado
Leia o Capitulo 15 AQUI 

O escuro namorava o interior de um compartimento, tornando impossível o reconhecimento da mobília sem ajuda da luz artificial emitida pela lanterna. Jorpa vasculhava desesperadamente as gavetas da secretária do Delegado Nevinga procurando a peça derradeira que o levaria a descobrir a verdade sobre a investigação. Vasculhou as gavetas durante quatro minutos e treze segundos, e nada encontrou. Erectou seu corpo e passeou os olhos em redor do escuro que era emanado pelo gabinete.


- Merda, maldita escuridão! - Suspirou nervosamente.
Mergulhou a mão direita no ermo do bolso detrás das calças pretas e tirou um nada.
- O espelho! - Afirmou espantado. - Só pode ser.
Deu três passos e sentiu algo lhe gelar a nuca e uns dizeres despertaram atenção dos seus ouvidos.

- Não te mexas, qualquer movimento estouro seus miolos.


O coração do Jorpa sentiu um frio repentino lhe abraçar o âmago, começou a transpirar como a língua quando anseia saborear a carne que acaba de sair da brasa.
- Creio que seria tolice da tua parte assassinar um colega no teu território, levantaria um alvoroço que complicaria tua vida.
- Infelizmente não estás numa posição privilegiada... Alegaria invasão e diria que meu indicador não reconheceu tua identidade pensou que um intruso tinha vandalizado meu gabinete.
- Bom argumento, mas ambos sabemos que o Ministério Público não ficaria convencido, investigaria o ocorrido e descobriria que o senhor sabotou e está envolvido na "Operação P".
- Vejo que és um bom jogador... O que procuras no meu gabinete?
- O mesmo que tem tirado o sono do senhor.
- Interessa-me.
Nevinga afirmou com voz de entusiasmo afastando da nuca do Jorpa o gélido cano do Smith&Wesson44, caminhou para o conforto da sua cadeira giratória e questionou:
 - O que me dizes de fazermos um acordo?
Apesar de estar no escuro, Jorpa percebeu que um sorriso largo estava estampado no rosto do Nevinga.
- Algo me diz que não se deve confiar acordos aos homens sorridentes no momento da negociação.
As gargalhadas ecoaram na sala como se um estivesse a fazer-lhes companhia.
- Me divertes. - Afirmou sarcasticamente e prosseguiu. - Não te esqueças que não estás em posição de recusar as minhas propostas.
- E o senhor não se esqueça que essa arma a mim apontada não te fornece segurança nenhuma.

- É uma ameaça? - Indagou exaltando a voz.
- Longe de mim! - Jorpa levantou os ombros. - Apenas estou a lembrá-lo que: "quem avisa, inimigo não é".
- Me parece que tenho bons jogadores e não sabia. - Murmurou no tom de voz de desilusão.
- Tivemos bons professores, o senhor que o diga, não é?

Nevinga não respondeu, apenas se limitou a contemplar o escuro, direcionou a mão esquerda ao interruptor para verificar se a energia eléctrica tinha sido restabelecida, mas a lâmpada continuava morta negando de dar vida a luz eléctrica.

Silenciosamente a porta do gabinete do delegado foi aberta e ele não se apercebeu do tal movimento, pois estava nos seus devaneios discursivos. Jorpa percebou o movimento, levou a mão direita a cintura tentando localizar o seu objecto de segurança pessoal, a mão apenas achou o vazio e Jorpa cogitou:
- Merda, esqueci na mesa.
Tentou avisar o delegado que um terceiro ente estava a controla-los, mas Nevinga entretido estava nos seus discursos gongóricos.

- Cuidadooo!!!
Jorpa gritou e um tiro certeiro alojou-se na cabeça do delegado Nevinga. O atirador fechou a porta e pôs-se em fuga. Jorpa foi atrás do atirador mas a falta da iluminação na esquadra dificultou a perseguição, e o polícia ouviu os passos do homicida diluindo-se no fim do corredor que dava acesso a saída do edifício. Jorpa voltou ao encontro do delegado e encontrou o seu corpo respirando a inexistência.

- Mer... - Exaltou a voz e o segurou para não chamar atenção dos colegas.
Afastou-se do cadáver do Nevinga e caminhou até o espelho que estava pendurado na parede oposta a da porta, tirou a lanterna do bolso, ligou-a e focou o espelho que acabou criando alguns feixes de luz. Olhou atentamente no espelho e viu sua imagem refletida.

- Mas qual era do Zé? - Perguntou a ninguém.
Parou longos segundos contemplando o seu gémeo perfeito, e viu algo lampejar no interior do reflexo do ego. Apalpou a superfície do espelho procurando algo inexplicável, talvez uma chave ou uma entrada secreta para o interior do reflexo do ego, mas nada encontrou.

Do bolso esquerdo do sobretudo que sobrepunha-se no seu corpo, tirou uma luva branca e vestiu a mão direita que estava nua, foi ao encontro do cadáver do Nevinga e tirou a arma que estava na sua mão direita e voltou ao encontro do espelho, encarou-o e deu três passos para trás, mirou no canto superior direito e ordenou o dedo indicador a puxar o gatilho, a bala saiu alegremente ao encontro do gémeo perfeito do Jorpa que se fragmentou em inúmeros estilhaços e o vidro rasgou-se revelando a última peça do puzzle, e a famosa expressão que acompanha o polícia nos seus descobrimentos ganhou vida:

- Eureka! Jorpa pegou na peça e despoluiu o ambiente desaparecendo do escuro do gabinete do delegado Nevinga e a corrente eléctrica foi restabelecida no edifício policial.

••••
Manhã seguinte
O dia respirava o escaldante sol do verão, a brisa matinal espreitava timidamente a vida dos moradores da Vila Morena, pois o calor não tinha dado tréguas, e os ardinas aumentavam mais, o calor gritava dum lado para o outro:
- Notícias frescas:"Homicídio ou Suicídio? Delegado é encontrado sem vida no seu gabinete", "Nevinga se suicida por temer pagar seus pecados atrás das grades"..., comprem o jornal e estejam a par de tudo.

Uma mulher de óculos escuros e um chapéu castanho de abas largas que circulava nas proximidades, tirou 27mts da bolsa e comprou o jornal, leu as manchetes e começou a folhear o jornal enquanto caminhava em direção do seu automóvel.
"O delegado Nevinga ou simplesmente Speachman como era conhecido, foi encontrado sem vida no seu gabinete. Até então não se conhecem as circunstâncias que ditaram a sua morte, uns alegam tratar-se de ajuste de contas e outros afirmam que a pressão do trabalho levou-o a tirar sua própria vida..."

A mulher folheou as páginas subsequentes até seus olhos desaguarem na página nove.        "... Delegado estava envolvido num sistema de crime organizado juntamente com os seguintes nomes dos quadros do nosso aparelho do Estado... E descobriu-se que o mesmo delegado teria boicotado uma investigação baptizado "OPERAÇÃO P", que era uma investigação importantíssima para PGR..."A matéria do jornal era assinada pelas iniciais "JP".

A mulher entrou no seu Peugeot 1970 de cor preta e deixou o jornal no ventre de uma lata de lixo, ligou o motor do carro que acabou despertando o seu parceiro que estava a repousar nos braços aconchegantes do senhor sono.
- Já voltaste?!
Angelina respondeu com um sorriso fascinante, e meio sonolento Quím reactivou a lareira que faz o coração arder de prazer, aproximou-se da sua amada e seus lábios reconheceram a geografia dos lábios da Angelina que estavam vestidas a cor-de-rosa, e seus membros articuladores dos vocábulos amaram-se apaixonadamente.

O Peugeot começou a marchar sentido o vento da estrada refrescar o seu rejuvenescido motor e o horizonte paulatinamente ia consumindo sua estrutura física tornando-o num fantasma que desvanece no brilho diurno. E a tatuagem gravada no para-choque eternizava os dizeres do Zé: "a justiça nunca triunfará onde a política reina".


Arnaldo Tembe

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