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Vidro Rasgado |
O escuro namorava o interior de um
compartimento, tornando impossível o reconhecimento da mobília sem ajuda da luz
artificial emitida pela lanterna. Jorpa vasculhava desesperadamente as gavetas
da secretária do Delegado Nevinga procurando a peça derradeira que o levaria a
descobrir a verdade sobre a investigação. Vasculhou as gavetas durante quatro
minutos e treze segundos, e nada encontrou. Erectou seu corpo e passeou os
olhos em redor do escuro que era emanado pelo gabinete.
- Merda, maldita
escuridão! - Suspirou
nervosamente.
Mergulhou a mão direita no ermo do bolso detrás
das calças pretas e tirou um nada.
- O
espelho! - Afirmou espantado. - Só pode ser.
Deu três passos e sentiu algo lhe gelar a nuca
e uns dizeres despertaram atenção dos seus ouvidos.
- Não te mexas, qualquer
movimento estouro seus miolos.
O coração do Jorpa sentiu um frio repentino lhe abraçar o âmago,
começou a transpirar como a língua quando anseia saborear a carne que acaba de
sair da brasa.
- Creio que seria
tolice da tua parte assassinar um colega no teu território, levantaria um
alvoroço que complicaria tua vida.
- Infelizmente não
estás numa posição privilegiada... Alegaria invasão e diria que meu indicador
não reconheceu tua identidade pensou que um intruso tinha vandalizado meu
gabinete.
- Bom argumento, mas
ambos sabemos que o Ministério Público não ficaria convencido, investigaria o
ocorrido e descobriria que o senhor sabotou e está envolvido na "Operação
P".
- Vejo
que és um bom jogador... O que procuras no meu gabinete?
- O mesmo que tem
tirado o sono do senhor.
- Interessa-me.
Nevinga afirmou com voz de entusiasmo
afastando da nuca do Jorpa o gélido cano do Smith&Wesson44,
caminhou para o conforto da sua cadeira giratória e questionou:
- O que me dizes de fazermos um acordo?
Apesar de estar no escuro, Jorpa percebeu que
um sorriso largo estava estampado no rosto do Nevinga.
- Algo me diz que não se deve confiar acordos aos homens sorridentes no momento da negociação.
As gargalhadas ecoaram na sala como se um
estivesse a fazer-lhes companhia.
- Me divertes. - Afirmou sarcasticamente e prosseguiu. - Não te esqueças que não estás em posição
de recusar as minhas propostas.
- E o senhor não se esqueça que essa arma a mim apontada não te fornece segurança nenhuma.
- É uma ameaça? - Indagou exaltando a voz.
- Longe de mim! - Jorpa levantou os ombros. -
Apenas estou a lembrá-lo que: "quem
avisa, inimigo não é".
- Me parece que tenho
bons jogadores e não sabia. - Murmurou no tom de voz
de desilusão.
- Tivemos bons
professores, o senhor que o diga, não é?
Nevinga não respondeu, apenas se limitou a
contemplar o escuro, direcionou a mão esquerda ao interruptor para verificar se
a energia eléctrica tinha sido restabelecida, mas a lâmpada continuava morta
negando de dar vida a luz eléctrica.
Silenciosamente a porta do gabinete do delegado foi aberta e ele
não se apercebeu do tal movimento, pois estava nos seus devaneios discursivos.
Jorpa percebou o movimento, levou a mão direita a cintura tentando localizar o
seu objecto de segurança pessoal, a mão apenas achou o vazio e Jorpa cogitou:
- Merda,
esqueci na mesa.
Tentou avisar o delegado que um terceiro ente estava a
controla-los, mas Nevinga entretido estava nos seus discursos gongóricos.
- Cuidadooo!!!
Jorpa gritou e um tiro certeiro alojou-se na cabeça do delegado Nevinga. O atirador fechou a porta e pôs-se em fuga. Jorpa
foi atrás do atirador mas a falta da iluminação na esquadra dificultou a perseguição,
e o polícia ouviu os passos do homicida diluindo-se no fim do corredor que dava
acesso a saída do edifício. Jorpa voltou ao encontro do delegado e encontrou o
seu corpo respirando a inexistência.
- Mer... - Exaltou a voz e o
segurou para não chamar atenção dos colegas.
Afastou-se do cadáver do Nevinga e caminhou
até o espelho que estava pendurado na parede oposta a da porta, tirou a
lanterna do bolso, ligou-a e focou o espelho que acabou criando alguns feixes
de luz. Olhou atentamente no espelho e viu sua imagem refletida.
- Mas qual era do Zé? - Perguntou a ninguém.
Parou longos segundos contemplando o seu gémeo
perfeito, e viu algo lampejar no interior do reflexo do ego. Apalpou a
superfície do espelho procurando algo inexplicável, talvez uma chave ou uma
entrada secreta para o interior do reflexo do ego, mas nada encontrou.
Do bolso esquerdo do sobretudo que
sobrepunha-se no seu corpo, tirou uma luva branca e vestiu a mão direita que
estava nua, foi ao encontro do cadáver do Nevinga e tirou a arma que estava na
sua mão direita e voltou ao encontro do espelho, encarou-o e deu três passos
para trás, mirou no canto superior direito e ordenou o dedo indicador a puxar o
gatilho, a bala saiu alegremente ao encontro do gémeo perfeito do Jorpa que se
fragmentou em inúmeros estilhaços e o vidro rasgou-se revelando a última peça
do puzzle, e a famosa expressão que
acompanha o polícia nos seus descobrimentos ganhou vida:
- Eureka!
Jorpa pegou na peça e despoluiu o ambiente desaparecendo do escuro do
gabinete do delegado Nevinga e a corrente eléctrica foi restabelecida no
edifício policial.
••••
Manhã seguinte
O dia respirava o escaldante sol do verão, a
brisa matinal espreitava timidamente a vida dos moradores da Vila Morena, pois
o calor não tinha dado tréguas, e os
ardinas aumentavam mais, o
calor gritava dum lado para o outro:
- Notícias frescas:"Homicídio ou Suicídio? Delegado é
encontrado sem vida no seu gabinete", "Nevinga se suicida por temer
pagar seus pecados atrás das grades"..., comprem o jornal e estejam a par de tudo.
Uma mulher de óculos escuros e um chapéu
castanho de abas largas que circulava nas proximidades, tirou 27mts da bolsa e
comprou o jornal, leu as manchetes e começou a folhear o jornal enquanto
caminhava em direção do seu automóvel.
"O delegado
Nevinga ou simplesmente Speachman como era conhecido, foi encontrado sem vida
no seu gabinete. Até então não se conhecem as circunstâncias que ditaram a sua
morte, uns alegam tratar-se de ajuste de contas e outros afirmam que a pressão
do trabalho levou-o a tirar sua própria vida..."
A mulher folheou as páginas subsequentes até
seus olhos desaguarem na página nove. "... Delegado estava envolvido num
sistema de crime organizado juntamente com os seguintes nomes dos quadros do
nosso aparelho do Estado... E descobriu-se que o mesmo delegado teria boicotado
uma investigação baptizado "OPERAÇÃO
P", que era uma investigação importantíssima para PGR..."A
matéria do jornal era assinada pelas iniciais "JP".
A mulher entrou no seu Peugeot 1970 de cor
preta e deixou o jornal no ventre de uma lata de lixo, ligou o motor do carro
que acabou despertando o seu parceiro que estava a repousar nos braços
aconchegantes do senhor sono.
- Já voltaste?!
Angelina respondeu com um sorriso fascinante,
e meio sonolento Quím reactivou a lareira que faz o coração arder de prazer,
aproximou-se da sua amada e seus lábios reconheceram a geografia dos lábios da
Angelina que estavam vestidas a cor-de-rosa, e seus membros articuladores dos
vocábulos amaram-se apaixonadamente.
O Peugeot começou a marchar sentido o vento da
estrada refrescar o seu rejuvenescido motor e o horizonte paulatinamente ia
consumindo sua estrutura física tornando-o num fantasma que desvanece no brilho
diurno. E a tatuagem gravada no para-choque eternizava os dizeres do Zé: "a
justiça nunca triunfará onde a política reina".
Arnaldo Tembe