O Quimberlito e a Laurentina - Capítulo V


QUIMBERLITO E A LAURENTINA- Capítulo V
O Quimberlito e a Laurentina

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No dia seguinte, Quimberlito, fixou seu olhar no horizonte e mirou breu na sequência dos dias. Há pelo menos uma semana que não lhe secam as lágrimas. Agora, mais sequência de feios soluços prosseguem, ele foi despedido no serviço por desonrar a conduta do trabalho. Inoportuna ausência prolongada e embriaguez excessiva.

Porém, antes de ser expulso pelo burguês, ele era um shopkeeper numa pequena mercearia.
Um flanco de desespero cortou-lhe a espinha dorsal sorrateiramente. Inconformado, tentou palavrear algumas desculpas, sem sucesso. Foi piorar, só?

– Ó Litos, sua vaga foi ocupada pela Celeste. - Quimberlito não tinha mais a dizer. Os pronunciamentos do burguês o sacudiram por dentro provocando um apagão dos minúsculos astros que iluminam os caminhos por onde vaga o espirito da alma. Outra solução, não há?

Com o gesto do navio desatracando, Quimberlito ensaia sua ausência dos olhos do burguês que se quer o manda voltar, pelo menos catar lixo, ou talvez esvaziar o carrego do caminhão. Lá fora, sua própria sombra o segue como se lhe pudesse olvidar os pensamentos. Saiu se distanciando. Logo depois ganhou velocidade até se perder  à vista, depois que dobrou a esquina em direcção ao jardim.

O jardim estava cheio de vida. Roseiras de várias cores. Pólen. Borboletas. Algumas abelhas. Ir embora não era fácil. Quimberlito derramou sua tristeza no primeiro banco com que se deparou pela frente como se expecto ao transplante da liberdade que manava nos insectos visíveis no jardim.

Mais tempo se passa. Ele continua sentado como um barco naufragado em alto-mar ou como se esperasse o próprio tempo. A bem dizer, todos sabem por aqui, tempo não se espera. Esperar é atrasar. Tal como acontece com o dinheiro. Não há como gastar para repor depois. Cada repor é outro dinheiro.

O gosto do ar puro invade seus sentidos. Ele respira fundo, enriquecendo os pulmões com os cheiros das flores. Como se diz por qui: – a esperança é a última a morrer! Mas isso não faz menor sentido ao Quimberlito. Quem morre primeiro, esperança ou o esperançoso?

Destroçado pela dor, gritou em viva voz: – Pai do céu, guia-me!

Clamou soerguendo as mãos para os céus como se deus lhe quisesse segurar pela mão. Foi em vão. Voltou a bater as mãos nos pés provocando um estalido como se batendo palmas ou sacudindo poeiras da dor. Suas esperanças se enxugavam. A linha da tristeza lhe era saliente, corpo todo. Estava exilio de tudo, família e emprego, ora.

– A vida esta a andar – se diz por aqui, até da boca das crianças, mas a dele perdera os pés. Eram águas paradas. Turvas. O despedimento no serviço confrangia o seu coração, que, no entanto, já estava tão cheio de dor. Ainda sentado no assento do jardim, olhos no chão, pés cruzados nos tornozelos, simulou uma loucura entreolhando, ora para esquerda, ora para a direita. Num desses olhar-olhar se deparou com uns cem meticais, provavelmente, perdido por uma transeunte que também passara por aí muito antes dele aí estar.

Quimberlito herdara as propriedades do pai ainda adolescente, quem sabe uns poucos anos acima de quinze. Simoni e Gracinda – seus pais – morreram havia dez anos num acidente sem alguma vida em sobra, provavelmente, perpetrado pelo acesso de velocidade e desobediência aos sinais de trânsito.

- Que eu faço contigo! – indagou-se segurando a nota pelas mãos – não chegas para nada com o custo de vida que está cada vez mais crescente; a distância aguçou a inflação que tomou o mercado nacional – continuou Quimberlito indagando-se novamente – que faço contigo- hein!

Saiu de imediato como se temesse que o dono do dinheiro voltasse em buscas e desconfiança a toda gente que se encontrasse com ele. Deixou-se mergulhar na distância e foi sumindo à vista com turbilhão de ondas altas de pensamentos alagando seus pensamentos, enquanto descia a caminho do seu tugúrio para melhor raciocinar o que fazer com os meticais.

Diante da intensa caminhada, encontrou-se com um aglomerado de crianças poeirentas e rostos pálidos. Tagarelavam animadamente. Riam. Pulavam. Corriam, ora para cá ora para lá. Mal que Quimberlito se avizinhou deles, fez-se silêncio. Ninguém ria. Ninguém pulava. Ninguém falava. Todos tinham olhos esbugalhados fixos nele como que não cabendo mais nas suas órbitas. Com pavor? Sentiam que as pernas lhes tremiam. As mãos idem. Um salpicar de arrepios lhes atravessava a espinha dorsal. Contudo, dava-lhes um ar de penúria ver um homem em êxtase.

O vento sacudia, mas não com muita pressão; quase que não conseguia fazer gemer as folhas.
Aos poucos ia se distanciando. Quando se desapareceu no horizonte, em simultâneo, a criançada desatou-se a rir, como se a vida fosse assim um basta respirar ou diversão.

Acorrer-se ao bar para afogar as mágoas tem sido ""PLANO A'' para todo homem, se embriagar para esquecer!

O som que rebentava algures na distância começou a soar perto, enchendo todo o ambiente em redor. Denunciava uma rodada entre svidakwa, gente que bebe a tempo inteiro. Contudo, vivem unidos como ntapa ni xicandarinha, tampa e chaleira. Era no bar DZIVALA XIVAVO, esqueça a dor, que fiapos de músicas e vozes ganhavam alturas do vento e se espalhavam pelo bairro todo. Quimberlito, se extraviou do caminho de casa, dirigindo-se ao bar, apalpando os cem meticais no íntimo escuro do bolso das calças, com um sorriso no rosto que as covinhas afundaram bem no fundo das bochechas.

– Uma laurentina grande gelada – pediu Quimberlito ao garçon sem desperdiçar o tempo aguardando pela abre-garrafa que estivera noutra mesa distante, Quimberlito despontou a garrafa pela boca. Ele deu um…dois…três tragos longos. Porém, não lhe era fácil se esquecer dos pormenores.

– Dá cá mais uma – ordenou que lhe trouxesse mais uma laurentina.  

A avalanche da perda do emprego tornou rija a dor que lhe confrangia o coração. Seu sofrer tornou-se uma viagem. Foi sofrer dobro. Ir e voltar. Demasiado sofrer para uma gente. Porém, tudo que queria era queimar livro da vida dele. Sentir a humidade da morte nas cinzas. Os dias se tornavam custosos. Se sentia como se vivesse o mesmo dia. Os dias se pareciam iguais a todos outros idos desde que a solidão lhe invadira a vida, até ao desemprego. Quimberlito, começou a viver desleixo. Ganhando velhices. Perambulava vestido de andrajos pelo calvário do trânsito, um autêntico formigueiro, perdendo horas e horas a ver crescer as manhãs de lês a lês.  nos trabalhos de carregadores da cidade. Foi assim que iniciou a carreira de peregrino.

Não aguentava mais, Quimberlito. A bem dizer, a vida não se sentia confortável nele. Se parecia uma árvore com ramos despidos de folhagem. Seu tronco pálido e repleto de calos oferecia disposições artísticas. Carência de cuidados que somente repousam nas mãos brilhantes da mulher. Parou de se barbear, deixando que a barba crescesse à vontade ao tamanho dos cabelos. Quimberlito acomodava-se numa existência deplorável. Os ossos debaixo da pele teimavam em espreitar; as mãos muito magras percorridas pelas veias grossas; unhas negras como se se tratasse de um mecânico. Para além da humilde casa de madeira e zinco que herdara dos pais, Quimberlito, só possuía a sua pessoa, nem um parente, nem uma amante, nem um amigo, nem um cão!



Alerto Bia
Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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