O Quimberlito e a Laurentina - Cena IV

O Quimberlito e a Laurentina - Cena IV

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A Ausência de mulher em casa é uma ausência que jamais se deve proceder. É como uma noite sem estrelas, não é mais noite é escuridão; noite significa desfoque da luz e não ausência. Ausência é nada. Portanto, na manhã seguinte, Quimberlito decidiu fazer as buscas da Soninha, foi ter com os pais dela, saber se porventura ela fora para lá. Caso a encontrasse, porém, aproveitaria se remir dos seus praguejares, e trazê-la ao seu aconchego. 

Quando lá chegou, a xicandarinha vestida de luto, fervilhava assentada no tripé de pedras com manchas acinzentadas na face onde o vermelho das chamas existia para não faltar um chá quente. Se assentou assim em silêncio na anca da mafurreira – naquela raiz que se exumava da terra. Carregava o silêncio nos passos e na voz – ele era silêncio para bem dizer.


Não se deu apanágio de ir casa adentro conversar; desfizeram o embrião da conversa ali mesmo debaixo da sombra da mafurreira, enquanto a Soninha levantava algumas nuvenzinhas de poeira pela vassoura organizando a sala para acomodar a conversa.

- Já arrumei a sala. – gritou Soninha que sua voz saiu de dentro até debaixo da sombra fantasmagórica da mafurreira onde conversavam não sabe de quê!

Na sala, sentada ao lado da mãe, pernas rigidamente esticadas, braço direito reclinado, Soninha olhava de furtar no Quimberlito enquanto ele tecia retrospetivas do sucedido, se bem que se lembra (muitos bêbados têm essa mania de fingir esquecer suas acções após ingerir álcool excessivamente).
Antes, porém, à medida que Quimberlito pensava em como começar a conversa, manteve-se cabisbaixo, e olhava para o chão com uma expressão vazia. Não encontrava um pensamento, não lhe corria uma palavra sequer. De rapina disse: - peço perdão – para não ficar diante de um silêncio tão embaraçoso. – Vim atrás da Soninha.

Continuou falando de cada coisa que lhe corria em mente. Sem deixá-lo que termine, Soninha replicou com uma voz de certeza infalível: – não, não vou com ele… continuou levando ao rosto a ponta de capulanas pela mão como se quisesse limpar as lágrimas – até que abandone a sua vida!

Na sala ficou um silêncio prolongado. Dona Teresa olhava-os com os olhos apertados e exalava ar de reprovação em repreensão. O pai, Sr. Afonso, balançava a cabeça e resmungava pela perversidade do sucedido.

Quimberlito quis dizer algo, mas os lábios pesavam-no. Falar era trabalho árduo. Não conseguia abrir a boca, seus lábios tremeluziam como uma oscilação eléctrica. Esguelhou seu olhar à Soninha, mostrando arrependimento, e se encheu de vergonha. Seguidamente, meneou a cabeça novamente como se algo lhe quisesse explodir.

– Vida de beber só nada – sentenciou Soninha.
– Não irei mais beber – se apressou Quimberlito a vaticinar perante o mundo todo reunido. 
– Não vou ele… – disse Soninha com uma voz de certeza infalível.

Diante dos pronunciamentos da Soninha, Quimberlito calha com estupefação. Meneia a cabeça como se sofresse de solavancos. Deu um suspiro que ia com o vento, quem sabe para onde?
Quando a conversa terminou, a escuridão havia começado a dominar; era por uma noite sem lua e raros xiphefus brilhavam nas desvizinhadas casas. Quimberlito tinha que ir embora, bem sabe que não se dorme em casa dos sogros depois que se conversa problemas.

De regresso ao seu tugúrio, a voz da mulher, Soninha, atormentava-o, parecia um soluço “– não, não vou com ele… até que abandone a bebida!”

Uma angústia sem fim infecta-lhe a alma – não chora – homem não chora – não há espaço para lágrimas de homem! Sente que o insecto da vida o abandona. De repente para. Ficou olhando o céu como se nele tivesse pendurado os olhos. Desesperado, começou a contar estrelas – se movem – pensou. Fez um silêncio longo. Nenhum guizo dos grilos ousa perturbar. Num repente, bate agressivamente no peito, com a mão direita, como se quisesse arrancar seu coração ainda pulsando sangue. Começa a arfar. Suspira e sai estugando os passos. O suor ungia-lhe. Porém, passava a mão de quando em vez sobre o rosto tentando conter o suor, enquanto deixava a escuridão o consumir.


Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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