O Quimberlito e a Laurentina - CENA III

O Quimberlito e a Laurentina - CENA III

O Quimberlito e a Laurentina - CENA III

Cena 2 AQUI


Ainda na margem de alucinações da cevada permaneceu uns minutos na cama sem saber se acordava ou continuava dormindo. Sentia-se ofegante e fatigado como se tivesse subido muitos degraus de escada, não sei donde.

Diabo! – disse seguidamente, enrolando-se ora para direita ora para esquerda na cama, com a sua voz grossa e desafinada. Nesses instantes, os pêndulos do relógio sob a mesinha nas suas cabeceiras atrofiavam-se ao meio dia – quando através da greta de um prego oxidado a luz infiltrou violentamente para seu aposento e incidiu diretamente na sua retina. Gritou bem alto o nome que não alcançava a ninguém.

– Soninhaaa, Soninhaaaaa…!

Porém, sua voz reverberou pelo pátio afora, mas ninguém respondeu senão o susto que rasgou um corvo que debicava nas minúsculas migalhas de nada jogadas no chão, e saiu crocitando, quem sabe suplicando pelo auxílio.

– Que está acontecendo? — se perguntava Quimberlito – por onde anda batendo as pernas há essas horas – murmurou alguma coisa rara, à medida que o coração lhe apertava, aliás, parecia embasbacado com a quietude da casa – parecia um cemitério. Sem saber como, pegou uma cadeira e sentou-se. Lembrando-se, porém, de que tomara assento inconscientemente, esforçou-se e  levantou-se imediatamente avançando a um passo cadenciado como um camaleão, os pés leves e enchinelados pondo distância entre eles; saiu pra espiar o pátio, mas antes deteve os passos, olhou devagar toda a sala como se a tentasse medir, deu-se com o retrato da família pendurada na parede, esboçou um sorriso; a seguir puxou noutra cadeira e sentou-se como se com pernas não se pudesse mais.

    – Parece ter enxaquecas – disse de si para si espremendo a cabeça de olhos cerrados.

Começou a lhe fermentar os pensamentos – chamava lembranças, mas não lhe compareciam. Não fazia ideia de qual era o paradeiro da Soninha. Não se varrera o pátio. As únicas pegadas visíveis são de ontem. Só tinha ausência em casa. Mas contudo, mesmo debaixo de tontura, Quimberlito, sai à margem da rua, no silêncio dos pés nus pisando o areal da rua; uma mistura vozes de crianças; cambaleia tonteaneamente com as forças do cansaço, e dobra um par de esquinas e entra num bar, quem sabe tomar umas taças fazendo tempo para Soninha voltar das suas ausências.

      Depois de há muito se inebriando da poesia da cevada que tanto não sentiu nem tempo passar, nem as ausências; voltou a casa na penumbra vespertina. Quando se deu conta ainda da ausência da Soninha, sua alma estremeceu – sentiu esse arrepio como descarga elétrica da alma – suas esperanças ficaram magras, a preocupação floriu.

– Onde será que estás Soninha… – quase não disse com total precisão na fala, pois uma desagradável sensação o invadia que tal se estampou em seu rosto como uma tatuagem.

– Coisa existe – disse com sentir de angústia pondo a poeira da sua preocupação dormir. Se deixado assim na cama permaneceu estirado atacado por muitos sentimentos e preocupações enquanto os olhos apanhavam boleia para a cegueira e a mente para a inconsciência.


AUTOR: Alerto Bia
Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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