Vidro Rasgado - Capítulo 13



Vidro Rasgado - Capítulo 13
Vidro Rasgado
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- Já os capturaram? - Indagou muito furioso o interlocutor da Angelina.

- Estamos no encalço...

- Não perguntei se estão no encalço deles ou não, a minha pergunta foi obj...

Angelina interrompeu o discurso do seu interlocutor desligando a chamada e primou numa tecla vermelha chamando o silêncio para amordaçar o aparelho telefónico.

- Merda! O gajo pensa que é meu dono? - Perguntou ao vento.

Doutro lado, delegado Nevinga lançava palavras injuriosas contra Angelina, pena das paredes do gabinete que eram obrigadas a ouvir tais palavras.

- Quem ela pensa que é para me interromper? - Perguntou ao sozinho que lhe fazia companhia. - A rapariga é uma insolvente. - Murmurou pegando o cigarro que estava no cinzeiro da sua secretária. Acendeu-o, deu três chupadas e voltou a murmurar: - Insolvente! - Enquanto o fumo do cigarro perdia-se nos contornos dos seus pulmões.

•••

Angelina ordenou os dois homens para descerem do automóvel, olhou para o horizonte e constatou que a noite convertia-se em madrugada.

- Temos que encontrá-los antes de amanhecer. - Afirmou Angelina.

- Não será necessário... - Rematou um dos homens digitando alguns números no seu telemóvel.

- Vamos localizá-los via satélite? - Ironizou.

O homem ignorou a questão da Angelina direccionando o seu celular para orelha direita esperando o receptor atender a chamada.

O telemóvel do Fanuel tocou, tirou o mesmo do bolso das suas calças, olhou para o ecrã e ignorou a chamada devolvendo o dispositivo ao bolso.

- Não vais atender? - Zé perguntou muito desconfiado.

- Não há necessidade, a chamada está em private number.

- Ok! - Zé exclamou se aconchegando no assento do automóvel como se estivesse a espera do sono.

O telemóvel do Fanuel voltou a tocar, e desde vez Fanuel desceu do carro e atendeu.

- Aguenta uns vinte minutos que os tipos estarão embalados no sono. - Afirmou em voz quase inaudível.

- A elite já está impaciente, temos que acelerar o processo. Dê-me a vossa localização.

- Conheces o contorno da...

A porta do lado esquerdo do passageiro de trás foi aberta e um tiro certeiro atingiu a cabeça do Fanuel.

- Traidor de merda. - Sussurrou Zé numa voz característica dos forasteiros do velho oeste.

Quím despertou alarmado do seu sono profundo, o grito da arma teria o resgatado para vida.

- Já chegamos no inferno? - Indagou olhando para o companheiro.

- Por pouco lá chegávamos. - Zé respondeu num tom de voz irónico. - Temos que caminhar, certamente os demónios já nos localizaram. - Afirmou.

Um sorriso forçado estampou-se no rosto do Quím e deu liberdade aos vocábulos que gritavam no seu íntimo:

- Tu me divertes, sabias disso?

- Sei, só espero que não te apaixones.

Risos rejuvenesceram os rostos moribundos dos comparsas e amigos de longas jornadas inesquecíveis. Antes de perderem-se no encanto noctívago, Quím instruiu Zé para fazer magaívices no automóvel. Após cinco minutos debaixo do carro, Zé apareceu sujo de óleo de travão.

- Já está! - Relatou Zé para aquele que o tinha como seu braço direito.

Introduziu o motorista traidor no automóvel, levantou Quím que estava a repousar na sombra de uma bananeira e zarparam daquele local.

•••

Fanuel era um polícia afecto na esquadra comandada pelo delegado Nevinga. Era colega da dupla (Zé e Quím) mas trabalhavam em departamentos diferentes. Era um tipo robusto de músculos bem definidos revelando longos anos do ginásio, vestia em seu corpo o encanto da África subsariana, olhos cor do tronco seco da mangueira. Foi o homem incumbido a matar a recepcionista do "Repouso Tranquilo", foi a vítima alvejada pela Otília e foi o autor do disparo que deu à Otília a carta de inexistência no Toyota Corolla crystal light.

Ele escapara da morte do disparo da arma da Otília, graças ao colete prova de balas que tinha usado debaixo da camiseta preta, porém não escapou da bala do Zé acertada na sua cabeça com mestria.

•••

- Já os localizou? - Inquiriu Angelina ao homem que tinha mantido contacto com Fanuel através do telemóvel.

- Infelizmente a ligação caiu antes de...

Angelina interrompeu-o gesticulando os dedos médios e indicador da mão direita numa representação da tesoura. Mas o homem prosseguiu ávido por parir as palavras que lhe engravidavam a mente.

- ... Mas julgo saber onde estão escondidos. - Rematou.

Angelina que estava nos seus devaneios acabou sendo resgatada.

- O que disse? - Perguntou com o semblante radiante.

- Creio que estejam escondidos numa plantação de bananeiras que dista a 500 metros daqui. - O homem concluiu.

- Estamos a espera de quê? Vamos ao encontro deles. - Ordenou Angelina.
Os três abandonaram o automóvel à sua sorte naquela estrada de terra batida e peregrinaram rumo ao encontro do cadáver Fanuel na expectativa de pegar a dupla policial.

Enquanto isso, a dupla procurava um esconderijo. Caminharam uns 30 minutos e Zé já sentia o calvário da amizade nas suas costas, pois transportava Quím às cavalitas por causa do seu estado clínico que era grave. Andaram mais uns 12 minutos e o silêncio já não aguentava namorar a boca do Zé.

- O cansaço começa a me invadir o corpo! - Exclamou.

- A mim... já me consumiu... a alma. - Afirmou Quím sem forças para falar.

- Não gaste as tuas últimas reservas. - Advertiu ao amigo.

- Já não tenho nada a perder...

Zé interrompeu a sua caminhada, desprendeu o fardo que lhe fatigava as costas e aconchegou o companheiro numa frondosa árvore silvestre.

- Quando a morte chega, os ventos nos revelam que a vida é uma ínfima e mísera partícula... - Afirmou Quím sentindo o peso das suas palavras no âmago.

- Sairemos dessa Quím. - O companheiro consolou-o afagando suas costas com o calor da amizade da sua mão esquerda.

- "O mundo acaba quando inexistes", já dizia minha falecida mãe, se tivesse tido passado pela madeira do saber com certeza teria sido uma grande filósofa, porém a vida negou-lhe tal direito... Ah mãezinha, por onde vagas sol dos meus olhos?! - Suspirou profundamente.

- Mãe é Deus na terra. - Afirmou Quím.

- Porquê existe Deus Pai, Deus Filho e não existe Deus Mãe?

- Porque Deus é um substantivo masculino. - Rematou Zé, sorridente como se tivesse recebido o primeiro beijo de uma namoradinha.

- Está claro como a luz do dia que se avizinha. - Afirmou sonolento olhando para o horizonte que despontava espectros solares.

De repente um estrondo seduz a atenção dos ouvidos da dupla, que se entreolha com rostos embrulhados na satisfação.

- Agora já podemos voltar a estrada... - Afirmou Zé.

- Não é perigoso?

- Creio que o estrondo responde a tua questão.

- Certamente, porém...

- Vamos andando antes que desgraças maiores aconteçam.

Zé voltou a carregar o calvário da amizade nas suas costas e obrigou as pernas a caminhar, apesar das mesmas sentirem cansaço nas suas entranhas não recusaram a ordem.

Mil e duzentos segundos depois, Zé e Quím chegavam a estrada e para sorte deles um camião passava dali, não hesitaram em pedir boleia ao motorista até o hospital policial. O motorista não recusou o pedido ao ver o estado do Quím que se aconchegava nas costas do parceiro.

•••

Angelina e seus comparsas continuavam sua perseguição sem trégua até aterrarem nas bananeiras referidos por um dos homens, de longe avistaram o Toyota Crystal light que estava camuflado entre as bananeiras.

- Tomem a dianteira! - Ordenou Angelina aos dois homens.

Os homens cumpriram a ordem religiosamente aproximando-se do automóvel numa estratégia felina prestes a golpear a presa em vista. Os dois entreolharam-se e se dividiram, um foi para o lado esquerdo da viatura. O que estava no lado direito hasteou a mão direita numa contagem decrescente para abrirem as portas do automóvel em simultâneo. Mal abriram a porta um fio se rompeu criando um curto-circuito, uma explosão consumiu a estrutura do automóvel e carbonizou os homens tornando difícil identificá-los.

De longe, Angelina assistiu aquele incidente que despertou o seu lado humano. Abandonou o local sem dizer nenhuma palavra e sem olhar para trás, deambulou nas trilhas da erva daninha até avistar a velha cabana na sua frente. Entrou no seu Corolla XE Sallon, desadormeceu o motor que estava na inércia e seguiu o caminho da alvorada.

Passados longos minutos, Angelina estacionou o automóvel no parque da esquadra e apressada foi ao gabinete do delegado. Ao chegar no mesmo ignorou os protocolos de boas maneiras, entrou sem bater na porta e começou a soltar o verbo:

- Não conte mais comigo... Estou fora! - Exclamou exaltando a voz.

- Sente-se... – O Delegado indicou uma das cadeiras que estavam em frente da sua secretária. - Te entendo, não é fácil aguentar... - Angelina lhe interrompeu.

- Para o senhor é fácil dizer isso... O senhor não sabe o que é ver pessoas a morrerem diante dos teus olhos e ter que manter uma postura de uma pessoa equilíbrada, o senhor não sabe o que é isso! - Desabou descarregando emoções amargas que lhe corroíam o âmago.

- A senhorita não é nenhuma criançinha... - Pausou o discurso para humedecer os vocábulos seguintes com o líquido vital e continuou: - ingénua que não sabe quais são as melodias que a banda toca. "Não se faz omelete sem partir os ovos", já dizia o adágio popular.

- O senhor ou sei lá quem está por detrás disso, esqueceram que estamos a lidar com vidas humanas e não...

- Não se esqueça que homem também é animal. - Frisou sarcasticamente. - A senhorita quis entrar nisso, ninguém te obrigou...

- Pois, o senhor me manipulou. Conhecendo os meus pontos fracos foi fácil para o senhor faze-lo.

- Não me culpe dos teus pecados. Se és avarenta a culpa não é minha.

Deu de ombros enquanto sacudia sua fartura corporal que molestava a cadeira na qual estava sentado, que reclamava silenciosamente. Nevinga tirou um envelope amarelo da segunda gaveta contando de baixo para cima e atirou no terraço da secretaria.

- Descobriu algo sobre isto? - Inquiriu apontando para o arquivo.

- Não.

Angelina respondeu calmamente olhando para o semblante impaciente do delegado Nevinga, que mudou a expressão facial como se tivesse comido algo que não gostou.

- Merda! - Gritou socando a mesa que estremeceu de medo toda sua estrutura física e espiritual.

- Eu?! - Indagou.

- Tu, Ele, Vós... Todos pronomes pessoais. - Disse com uma expressão facial assombrosa. - Com os quais estamos nas mãos do Zé! - Exclamou pensativo.

- Parece que sim. - Angelina afirmou.

Delegado Nevinga enfrentou Angelina com olhos espumando raiva. Tirou da cintura uma Beretta Mod. 92 e mirou no centro da testa da Angelina, disse num tom de voz calmo e suave:

- És sortuda rapariga, se não estivesses na minha sala eu não responderia por mim. - Devolve a arma na cintura.

Por instantes, Angelina sentiu seu coração acelerando a pulsação e suas pernas tremendo, a consciência lhe revelara que aquele seria seu fim se continuasse na jogada. Levantou da cadeira sem dizer nada, caminhou até a porta, pegou na maçaneta que estava gélido virou a mesma, olhou para o delegado e disse:

- Deixaste a água escapar-te entre os dedos. - Saiu e fechou a porta do gabinete brutalmente.

- Não deixei nada, um bom jogador estuda as fraquezas do seu oponente. - Sussurrou com um sorriso radiante estampado no rosto.

Depois de ter dito tal pensamento, pegou no telefone discou alguns dígitos, passados doze segundos uma voz misteriosa atende.

- Já podes dar segmento ao plano. - Delegado Nevinga informou.

- Sempre às ordens. - Afirmou a voz misteriosa.

Delegado desligou a chamada e voltou para seus devaneios, tentando decifrar o significado daqueles grafemas que estavam patentes no branco da madeira processada pelas máquinas fabris.



 Autor: Arnaldo Tembe


Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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