Vidro Rasgado - Capítulo 12
Leia o Capitulo
11 AQUI
Dois dias antes...
Otília recebe a informação através do
telemóvel que o homem brincalhão tinha partido desta para melhor. Enquanto
isso, Otília ainda estava na balbúrdia interminável da eliminação dos homens.
- Passem-me
as armas. - Otília ordenou mostrando uma certa autoridade.
-
Infelizmente essa ordem não será cumprida! - Exclamou o homem que não cumprira a missão
e deu segmento ao seu discurso: - Não temos nada a perder. - Concluiu o
seu discurso.
-
Deixa de ser parvo Fanuel. - Aconselhou o comparsa.
- Oiça
o teu amigo. - Otília advertiu.
Fanuel já não se importava com as palavras
da chefe, para ele passavam de míseras palavras sem sentido, pois sabia que não
tinha muitas chances de sair vivo dali, ou lutava pela vida ou morria como um
covarde. Engatilhou a arma e disse:
- Ou
eu ou tu!
- Então
serás tu. - Afirmou o comparsa atirando para Fanuel.
- Traidor! - Exclamou Fanuel sentindo o
ar faltar-lhe no peito e ordenou o dedo indicador a engatilhar a arma, e a bala
saiu do cano metálico do Smith&Wesson44
e acertou o parceiro na cabeça. Ambos caíram como um ramo seco que
desprende-se da árvore.
O grito da poeira levantada pelo tombo dos
cadáveres fez-se ouvir nos órgãos auditivos da Otília, que contemplava
sorridente os corpos caídos.
- Menos um fardo nas costas. - Otília
sussurrou dirigindo-se ao Crystal Light preto, deixando para trás aqueles
míseros cadáveres.
O motor do carro já estava animado, Otília
pisou no travão de embreagam e o automóvel começou a marchar, os pneus
levantaram a poeira que se diluía no escuro daquele local. Os faróis acordaram
para iluminar o caminho e o automóvel perdeu-se na bruma nocturna.
••••
Quím
continuava no seu trajecto quando recebeu uma pancada na nuca, soltou o Melman
que estava aconchegado no calor dos seus braços e caiu sobre a relva gelada
perdendo a consciência das coisas. Os dois homens que estavam no interior da
casa apareceram e carregaram o polícia.
- Levem-no
para o local onde está o parceiro. - Ordenou uma voz misteriosa.
- Porque
não o matar aqui mesmo? - Sugeriu um dos homens laterna. - Parvo,
precisamos dele vivo para o Zé falar onde deixou os documentos. - A voz se
revelou, era da Angelina.
Os homens
transportaram o Quim para um automóvel vestido pela indumentária nocturna, que
estava estacionado numa curva próximo da casa do polícia. Angelina tirou o
telemóvel da bolsa dourada e ligou para o delegado que estava impaciente
esperando por notícias.
- Pensei
que já ias ligar. - Levantou a voz.
- Calma,
o imprevisto já foi embrulhado e para minha sorte esqueceu o telefone no meu
carro e seguidamente entrou uma mensagem do Zé a dar-lhe informações de onde
tinha escondido o arquivo que contém...
- Escondeu
aonde? - A ansiedade era tanta no delegado que até impediu a sua
interlocutora de terminar sua fala.
- Que rufem os tambores, senhores e
senhoras o arquivo está... - Permaneceu em silêncio criando suspense e aumentando
a ansiedade do delegado. Prosseguiu: - ...o
arquivo senhores e senhoras está.... no na... atrás do da... mini-frigorífico
do delegado Nevinga. Aplausos para Angelina por ter descodificado o enigma!
- Estás
de parabéns pelo trabalho. - Afirmou delegado e acrescentou: - O teu prémio vai subir exponencialmente.
A felicidade transbordava no semblante da
Angelina, pois a ganância movia seus passos. Em contrapartida, delegado não
quis esperar pelo raiar do sol para desvendar o conteúdo do arquivo escondido
no seu mini-frigorífico. Desbravou a beleza nocturna no seu Peugeot rumo a
esquadra. Chegado no estabelecimento judicial, foi directamente ao seu gabinete
concretamente naquele aparelho e tirou o envelope amarelo que estava escondido
num local estratégico. Seus olhos brilharam como olhos de um mineiro quando
descobre uma mina de ouro.
- Bingooo! - Exclamou muito admirado e
fascinado.
Já com envelope em mãos, sentiu o ar de
tranquilidade lhe invadir o âmago, violou o envelope e tirou um maço de papéis,
folheou-o por longos segundos e deu o seu veredicto:
- Merda!
Maldito Zé, sempre cauteloso.
Os papéis estavam em branco, sem nenhuma
informação além de um no qual estava escrito: PCLEB.
- O que essas letras significam? - Se indagou muito furioso.
Enquanto isso, Angelina escoltava o carro
dos homens lanterna rumo a cabana que servia de esconderijo. Quim despertou
sentindo uma dor de cabeça insuportável, quis levar as mãos para cabeça mas
descobriu que estavam atadas.
- O clássico capô! - Exclamou meio sonolento.
A viagem decorreu sem sobressaltos até as
viaturas serem namorados pela inércia, os homens desceram da viatura e
libertaram Quím do capô apontando-lhe as armas na face.
- Ah! A liberdade sabe bem, por mais que
seja medida. - Sussurrou Quím olhando para o azul nocturno do céu.
- Saberá
melhor no céu. - Afirmou Angelina descendo do seu Corolla.
Atónito, Quím virou em direcção daquela voz
que lhe era familiar, tentando perceber a sua presença naquele local.
- O
que fazes aqui? - Perguntou com tom de voz exaltado.
- Te
salvar é que não é. - O sarcasmo estava patente naquele discurso. - Levem-no
para junto do companheiro. - Angelina ordenou.
Quím foi escoltado para o interior da
cabana sob o olhar atencioso dos kalashis que eram empunhados pelos homens. Já
no interior da cabana viu seu companheiro desacordado indagou:
- O
que fizeram com ele?
- Demos-lhe
o bilhete de ida para outro lado do mundo. - Afirmou o homem sério.
Uma coragem repentina invadiu o corpo do
Quím, ignorou os homens armados, caminhou em direcção do parceiro e socou o
homem sério na cara.
- Não
te atreves a... - Recebeu de novo uma pancada na nuca e desmaiou.
••••
A noite adentrava-se na silhueta do mundo,
o relógio perdia a noção das horas e os animais noctívagos revelavam a sua
essência esplendorosa. As trilhas dos pneus do Crystal Light, perdiam-se no
asfalto da terra batida que ocultava a identidade do automóvel. Otília
perdia-se no ermo daquele espaço geográfico que albergava nenhuma alma
pensante.
As
corujas e morcegos compunham canções campesinas e Otília preferiu colocar a
cassete da Michel Bolton no leitor do automóvel para embalar seus ouvidos e
fazer-lhe companhia. "When a man
loves woman..." Bolton deu pontapé de saída e Otília seguiu o seu
compasso como se tivessem composto a música juntos. A música já estava prestes
a minguar quando uma mão tocou o ombro direito da Otília. Ela travou
bruscamente o automóvel, virou a cabeça para seus olhos revelaram a identidade
daquela mão. Mal olhou para trás recebeu uma bala na testa e não tardou para
receber sua carta de inexistência.
O passageiro que estava no assento de trás
desceu do automóvel, tirou o corpo da Otília e escondeu-o algures daquele capim
que formava um mato, voltou para o automóvel e ordenou o mesmo a marchar rumo a
um destino incerto.
••••
Os ventos
da incerteza sopravam na mente desadormecida do Zé, imagens da sua inocência
expunham-se em forma de intervalos lunáticos como se a sua vida tivesse perdido
sentido.
- O que
queres ser quando cresceres? - Perguntou o pai.
- Quero ser polícia. - Zé respondeu
emanando o fascínio de uma criança maravilhada.
- Por quê
polícia? - O pai perguntou desiludido.
- Para pegar os ladrões e colar na cadeia. -
Respondeu com os olhos brilhando como o sol numa tarde de verão.
- Vais
morrer rapaz. - Afirmou o pai carregando uma certa seriedade no seu tom de
voz.
- Não, serei herói para o meu povo...
- Povo
qual quê? Vais morrer rapaz... a vida não é um jogo com direito à segundas
chances. - Amenizou o discurso.
- As chances nós é que criamos. - Zé
rematou e o seu velho voltou a repisar suas falas:
- Vais
morrer rapaz!
De
repente Zé recebe um banho de água fria, brindado pelo homem que o vigiava.
Despertou do seu nefelibatico sono e sussurrou:
- O
velho tinha razão!
- O gajo ainda está vivo. -
Certificou o homem aos outros.
- Ainda bem. - Afirmou Angelina.
O espanto
estampou-se no semblante do Zé, pois não queria acreditar no que seus órgãos
auditivos tinham captado. Pareceu-lhe ter ouvido uma voz familiar e pensou que
ainda estivesse no mundo nefelibatico.
- É isso mesmo Zé, sou eu. -
Angelina afirmou em viva voz e a bom som.
O sono
ainda pesava os olhos do Zé que os forçou a ganharem vida, e revelaram-lhe o
seu companheiro que estava inconsciente a sua frente.
- Merda!
- Sussurrou indignamente.
- Agora vais nos dizer a verdade. -
Afirmou Angelina.
- Que verdade?
- Não te faças de desentendido.
- Se o Quím está aqui, quer dizer que já
têm o arquivo em mãos.
- Certamente...
- Então porque ainda estamos...?
Angelina
olhou para o tecto esburacado da cabana envelhecida procurando uma resposta
para dar aos ouvidos do Zé. Em seguida olhou para os homens que estavam
estatuisados e ordenou:
- Soltem-os... Porém foi impedida de
terminar o seu discurso.
- Mas chefe... não vamos per...
- Faça o que estou a mandar, a tua
função não é questionar as minhas ordens mas sim executa-las. - Angelina
advertiu.
O homem encolheu
a sua crista e executou a ordem, desamarrou os dois polícias. Quím ainda estava
sonolento perdido na sua consciência. O companheiro carregou-o apoiando seu
corpo sobre o seu. Caminharam uns dez passos até a porta, Zé olhou para trás e
viu que os semblantes dos homens carregavam uma certa malícia, quis proferir
alguns vocábulos mas preferiu aprisionar o discurso, abriu a porta e continuou
sua caminhada rumo á liberdade.
Mal
atravessaram a fronteira da porta o celular da Angelina tocou.
- Alô! - Respondeu com voz serena
mostrando reverência ao seu interlocutor.
- Os
"imprevistos" ainda estão a dormir? - Perguntou uma voz
arrogante.
- Não, acabamos de libertá-los. -
Informou respirando um ar tranquilo.
- Merda!
Como?... não é possível... - Esbravejou o interlocutor.
- Fui manipulada! - Angelina
confessou com tom de voz desiludida e prosseguiu: - Vou pegá-los, não foram
muito longe.
-
Faça isso, antes que as nossas cabeças estejam em prémio... Não se esqueça que
estamos na mira de gente graúda.
O interlocutor
da Angelina desligou o aparelho telefónico e voltou aos seus devaneios tentando
decifrar a informação que estava oculta naquelas letras que aparentemente não
tinham nenhum significado lógico.
- Maldito Zé, sempre cauteloso! -
Exclamou Nevinga, enquanto ia revirando o calhamaço de papéis que inundavam sua
secretária metálica pintada á creme para condizer com as paredes do gabinete.
Zé e Quím
já estavam a uma distância de vinte e três metros quando ouviram o som dum
tiro.
- Já
chegamos no céu? - Quím perguntou ao companheiro meio sonâmbulo.
- Ainda não, provavelmente vamos ao
inferno. - Zé afirmou carregando o sarcasmo no seu discurso.
- Ainda
creio que estaremos na terra revestida de ouro.
- Aprecio o teu optimismo mas...
O
discurso foi interrompido por um segundo som de bala cruzando os céus. Os
polícias viram para encarar aquela cabana envelhecida que acomodava Angelina e
seus comparsas.
- O que querem? Esqueceram de nos despedir?
- Zé perguntou ironicamente.
- Sim esquecemos de algo... De vós dar
isto...
Mas uma
vez se ouviu o grito da arma, porém daquela vez as balas se alojaram nos corpos
dos dois polícias. Quím olhou profundamente para os olhos do Zé e disse:
- Sinto que é desta vez... Não temos
escapatória... A fornalha espera por nós.
Zé olhou
para o companheiro com ternura e se certificou que a fraqueza consumia o corpo
do Quím.
- Merda que fizeste? Precisamos deles
vivos. - Angelina gritou repudiando o acto do homem.
- Pensei que era... - O homem tentou
se explicar, mas foi em vão.
- Cala-te antes que eu perca minha
paciência e te mande para o lado obscuro do mundo. - Angelina estava
furiosa, pois sabia que a morte dos seus colegas ditaria automaticamente a sua.
O sangue
jorrava nos corpos da dupla criando uma cascata, que desaguava na areia branca
daquele pedaço de terra. Quím estava num estado crítico do que o do
companheiro.
- Onde escondeu os arquivos? -
Angelina indagou muito furiosa.
- Que
importância tem isso agora?! - Quím perguntou. - Estamos a morrer ao invés de nos ajudar, estás preocupada com míseros
arquivos.
- Não desconverse, onde deixou...
O
discurso foi interrompido por rajadas de tiros acompanhandas de luzes que
focavam para cabana. Começou um tiroteio, Zé abaixou com o parceiro para
evitarem as bullets, rastejaram em direcção
às luzes que focavam a envelhecida cabana para ganharem refúgio.
As luzes
eram de um Toyota Crystal Light, a cor preta do automóvel se camuflava com
perfeição na cortina nocturna.
- Venham, venham! - Gritava do
interior do Crystal Light uma voz masculina.
Zé com
poucas forças que lhe restavam, arrastou o parceiro até ao automóvel, entraram
e acomodaram-se no assento de trás. O motorista deu retaguarda e pisou fundo no
acelerador criando poeira para despistar a corja da Angelina caso quisesse os seguir
e foi o que fizeram.
- Atrás deles, atrás deles merda! -
Angelina ordenou espumando raiva pela boca e deu um tiro de descontentamento ao
ar.
Os homens
obedeceram religiosamente a ordem, porém um teria sido possuído pela inércia
eterna. Enquanto isso, Zé prestava os primeiros socorros ao Quím que estava
gravemente ferido, pois a bala o teria atingido no tórax e ao Zé no estômago.
- Sinto a
brisa do além requerendo-me. - Afirmou Quím.
- Não diga isso parceiro, ainda temos
muitas batalhas por lutar.
- Sinto
que já perdi a guerra, não há mais...
O
silêncio apoderara-se da fala do Quím. A preocupação traduz-se em suor na sua
face e aumenta o desespero do parceiro.
- Apressa-te man, antes que o Quim morra
no meu colo. - Zé ordenou muito preocupado ao motorista. - Esse carro
funciona com combustível ou com a vontade do caracol? Não estamos andar nada. - Rematou.
- O combustível está a minguar e temos
que esconder antes...
- Não, vamos prosseguir. - Afirmou
Zé.
- Não temos combustível suficiente para
prosseguir com a viagem, veja o indicador do manómetro está quase a atingir o
empty, certamente que não vamos longe com isto.
- Então qual é a tua ideia? - Zé
indagou muito desanimado.
- Conheço uma plantação de bananeiras
aqui perto, vamos esconder o automóvel e esperar pelo sol e voltamos a estrada
para pedir ajuda...
- Mas o Quím está perdendo muito
sangue...
- Não temos alternativas. - O
motorista afirmou desviando a rota da sua viagem adentrando para um matagal.
Enquanto
isso, Angelina e sua comitiva seguiam os rastros dos pneus do Crystal Light
numa perseguição sem tréguas.
- Temos que pega-los vivos ou mortos.
- Afirmou Angelina.
- Infelizmente não será possível. -
O homem que ocupava o assento do motorista contrariou afirmação da Angelina.
- O que dizes?
O homem
limitou-se a apontar o manómetro do combustível e a fúria tomou conta da
Angelina que acabou socando o motorista na face.
- Merda! - Gritou assustando os seus
comparsas.
- Não se preocupe chefe, os gajos não vão
longe. - Afirmou o homem que estava sentado no
assento de trás.
- O que te garante que eles não vão
longe?
Angelina
perguntou curiosíssima, quando o homem se preparava para responder a indagação
o clássico toque do telemóvel Nokia chamou atenção da Angelina para sua bolsa.
Autor: Arnaldo Tembe