Vidro Rasgado - Capítulo 12


  Vidro Rasgado - Capítulo 12

 
Vidro Rasgado - Capítulo 12


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Dois dias antes...

Otília recebe a informação através do telemóvel que o homem brincalhão tinha partido desta para melhor. Enquanto isso, Otília ainda estava na balbúrdia interminável da eliminação dos homens.
- Passem-me as armas. - Otília ordenou mostrando uma certa autoridade.

- Infelizmente essa ordem não será cumprida! - Exclamou o homem que não cumprira a missão e deu segmento ao seu discurso: - Não temos nada a perder. - Concluiu o seu discurso.

- Deixa de ser parvo Fanuel. - Aconselhou o comparsa.

- Oiça o teu amigo. - Otília advertiu.

Fanuel já não se importava com as palavras da chefe, para ele passavam de míseras palavras sem sentido, pois sabia que não tinha muitas chances de sair vivo dali, ou lutava pela vida ou morria como um covarde. Engatilhou a arma e disse:

- Ou eu ou tu!

- Então serás tu. - Afirmou o comparsa atirando para Fanuel.

- Traidor! - Exclamou Fanuel sentindo o ar faltar-lhe no peito e ordenou o dedo indicador a engatilhar a arma, e a bala saiu do cano metálico do Smith&Wesson44 e acertou o parceiro na cabeça. Ambos caíram como um ramo seco que desprende-se da árvore.

O grito da poeira levantada pelo tombo dos cadáveres fez-se ouvir nos órgãos auditivos da Otília, que contemplava sorridente os corpos caídos.

- Menos um fardo nas costas. - Otília sussurrou dirigindo-se ao Crystal Light preto, deixando para trás aqueles míseros cadáveres.

O motor do carro já estava animado, Otília pisou no travão de embreagam e o automóvel começou a marchar, os pneus levantaram a poeira que se diluía no escuro daquele local. Os faróis acordaram para iluminar o caminho e o automóvel perdeu-se na bruma nocturna.

••••
Quím continuava no seu trajecto quando recebeu uma pancada na nuca, soltou o Melman que estava aconchegado no calor dos seus braços e caiu sobre a relva gelada perdendo a consciência das coisas. Os dois homens que estavam no interior da casa apareceram e carregaram o polícia.

- Levem-no para o local onde está o parceiro. - Ordenou uma voz misteriosa.

- Porque não o matar aqui mesmo? - Sugeriu um dos homens laterna. - Parvo, precisamos dele vivo para o Zé falar onde deixou os documentos. - A voz se revelou, era da Angelina.

Os homens transportaram o Quim para um automóvel vestido pela indumentária nocturna, que estava estacionado numa curva próximo da casa do polícia. Angelina tirou o telemóvel da bolsa dourada e ligou para o delegado que estava impaciente esperando por notícias.

- Pensei que já ias ligar. - Levantou a voz.

- Calma, o imprevisto já foi embrulhado e para minha sorte esqueceu o telefone no meu carro e seguidamente entrou uma mensagem do Zé a dar-lhe informações de onde tinha escondido o arquivo que contém...

- Escondeu aonde? - A ansiedade era tanta no delegado que até impediu a sua interlocutora de terminar sua fala.

- Que rufem os tambores, senhores e senhoras o arquivo está... - Permaneceu em silêncio criando suspense e aumentando a ansiedade do delegado. Prosseguiu: - ...o arquivo senhores e senhoras está.... no na... atrás do da... mini-frigorífico do delegado Nevinga. Aplausos para Angelina por ter descodificado o enigma!

- Estás de parabéns pelo trabalho. - Afirmou delegado e acrescentou: - O teu prémio vai subir exponencialmente.

A felicidade transbordava no semblante da Angelina, pois a ganância movia seus passos. Em contrapartida, delegado não quis esperar pelo raiar do sol para desvendar o conteúdo do arquivo escondido no seu mini-frigorífico. Desbravou a beleza nocturna no seu Peugeot rumo a esquadra. Chegado no estabelecimento judicial, foi directamente ao seu gabinete concretamente naquele aparelho e tirou o envelope amarelo que estava escondido num local estratégico. Seus olhos brilharam como olhos de um mineiro quando descobre uma mina de ouro.

- Bingooo! - Exclamou muito admirado e fascinado.

Já com envelope em mãos, sentiu o ar de tranquilidade lhe invadir o âmago, violou o envelope e tirou um maço de papéis, folheou-o por longos segundos e deu o seu veredicto:

- Merda! Maldito Zé, sempre cauteloso.

Os papéis estavam em branco, sem nenhuma informação além de um no qual estava escrito: PCLEB.

- O que essas letras significam? - Se indagou muito furioso.

Enquanto isso, Angelina escoltava o carro dos homens lanterna rumo a cabana que servia de esconderijo. Quim despertou sentindo uma dor de cabeça insuportável, quis levar as mãos para cabeça mas descobriu que estavam atadas.

- O clássico capô! - Exclamou meio sonolento.
A viagem decorreu sem sobressaltos até as viaturas serem namorados pela inércia, os homens desceram da viatura e libertaram Quím do capô apontando-lhe as armas na face.

- Ah! A liberdade sabe bem, por mais que seja medida. - Sussurrou Quím olhando para o azul nocturno do céu.
- Saberá melhor no céu. - Afirmou Angelina descendo do seu Corolla.
Atónito, Quím virou em direcção daquela voz que lhe era familiar, tentando perceber a sua presença naquele local.

- O que fazes aqui? - Perguntou com tom de voz exaltado.
- Te salvar é que não é. - O sarcasmo estava patente naquele discurso. - Levem-no para junto do companheiro. - Angelina ordenou.

Quím foi escoltado para o interior da cabana sob o olhar atencioso dos kalashis que eram empunhados pelos homens. Já no interior da cabana viu seu companheiro desacordado indagou:

- O que fizeram com ele?
- Demos-lhe o bilhete de ida para outro lado do mundo. - Afirmou o homem sério.

Uma coragem repentina invadiu o corpo do Quím, ignorou os homens armados, caminhou em direcção do parceiro e socou o homem sério na cara.

- Não te atreves a... - Recebeu de novo uma pancada na nuca e desmaiou.
••••
A noite adentrava-se na silhueta do mundo, o relógio perdia a noção das horas e os animais noctívagos revelavam a sua essência esplendorosa. As trilhas dos pneus do Crystal Light, perdiam-se no asfalto da terra batida que ocultava a identidade do automóvel. Otília perdia-se no ermo daquele espaço geográfico que albergava nenhuma alma pensante.

 As corujas e morcegos compunham canções campesinas e Otília preferiu colocar a cassete da Michel Bolton no leitor do automóvel para embalar seus ouvidos e fazer-lhe companhia. "When a man loves woman..." Bolton deu pontapé de saída e Otília seguiu o seu compasso como se tivessem composto a música juntos. A música já estava prestes a minguar quando uma mão tocou o ombro direito da Otília. Ela travou bruscamente o automóvel, virou a cabeça para seus olhos revelaram a identidade daquela mão. Mal olhou para trás recebeu uma bala na testa e não tardou para receber sua carta de inexistência.

O passageiro que estava no assento de trás desceu do automóvel, tirou o corpo da Otília e escondeu-o algures daquele capim que formava um mato, voltou para o automóvel e ordenou o mesmo a marchar rumo a um destino incerto.
••••
Os ventos da incerteza sopravam na mente desadormecida do Zé, imagens da sua inocência expunham-se em forma de intervalos lunáticos como se a sua vida tivesse perdido sentido.
- O que queres ser quando cresceres? - Perguntou o pai.

- Quero ser polícia. - Zé respondeu emanando o fascínio de uma criança maravilhada.

- Por quê polícia? - O pai perguntou desiludido.

- Para pegar os ladrões e colar na cadeia. - Respondeu com os olhos brilhando como o sol numa tarde de verão.

- Vais morrer rapaz. - Afirmou o pai carregando uma certa seriedade no seu tom de voz.

- Não, serei herói para o meu povo...

- Povo qual quê? Vais morrer rapaz... a vida não é um jogo com direito à segundas chances. - Amenizou o discurso.

- As chances nós é que criamos. - Zé rematou e o seu velho voltou a repisar suas falas:

- Vais morrer rapaz!

De repente Zé recebe um banho de água fria, brindado pelo homem que o vigiava. Despertou do seu nefelibatico sono e sussurrou:

- O velho tinha razão!

- O gajo ainda está vivo. - Certificou o homem aos outros.

- Ainda bem. - Afirmou Angelina.

O espanto estampou-se no semblante do Zé, pois não queria acreditar no que seus órgãos auditivos tinham captado. Pareceu-lhe ter ouvido uma voz familiar e pensou que ainda estivesse no mundo nefelibatico.

- É isso mesmo Zé, sou eu. - Angelina afirmou em viva voz e a bom som.
O sono ainda pesava os olhos do Zé que os forçou a ganharem vida, e revelaram-lhe o seu companheiro que estava inconsciente a sua frente.
- Merda! - Sussurrou indignamente.

- Agora vais nos dizer a verdade. - Afirmou Angelina.

- Que verdade?

- Não te faças de desentendido.

- Se o Quím está aqui, quer dizer que já têm o arquivo em mãos.

- Certamente...

- Então porque ainda estamos...?

Angelina olhou para o tecto esburacado da cabana envelhecida procurando uma resposta para dar aos ouvidos do Zé. Em seguida olhou para os homens que estavam estatuisados e ordenou:

- Soltem-os... Porém foi impedida de terminar o seu discurso.

- Mas chefe... não vamos per...

- Faça o que estou a mandar, a tua função não é questionar as minhas ordens mas sim executa-las. - Angelina advertiu.

O homem encolheu a sua crista e executou a ordem, desamarrou os dois polícias. Quím ainda estava sonolento perdido na sua consciência. O companheiro carregou-o apoiando seu corpo sobre o seu. Caminharam uns dez passos até a porta, Zé olhou para trás e viu que os semblantes dos homens carregavam uma certa malícia, quis proferir alguns vocábulos mas preferiu aprisionar o discurso, abriu a porta e continuou sua caminhada rumo á liberdade.
Mal atravessaram a fronteira da porta o celular da Angelina tocou.

- Alô! - Respondeu com voz serena mostrando reverência ao seu interlocutor.

- Os "imprevistos" ainda estão a dormir? - Perguntou uma voz arrogante.

- Não, acabamos de libertá-los. - Informou respirando um ar tranquilo.

- Merda! Como?... não é possível... - Esbravejou o interlocutor.

- Fui manipulada! - Angelina confessou com tom de voz desiludida e prosseguiu: - Vou pegá-los, não foram muito longe.

- Faça isso, antes que as nossas cabeças estejam em prémio... Não se esqueça que estamos na mira de gente graúda.

O interlocutor da Angelina desligou o aparelho telefónico e voltou aos seus devaneios tentando decifrar a informação que estava oculta naquelas letras que aparentemente não tinham nenhum significado lógico.

- Maldito Zé, sempre cauteloso! - Exclamou Nevinga, enquanto ia revirando o calhamaço de papéis que inundavam sua secretária metálica pintada á creme para condizer com as paredes do gabinete.

Zé e Quím já estavam a uma distância de vinte e três metros quando ouviram o som dum tiro.

- Já chegamos no céu? - Quím perguntou ao companheiro meio sonâmbulo.
- Ainda não, provavelmente vamos ao inferno. - Zé afirmou carregando o sarcasmo no seu discurso.

- Ainda creio que estaremos na terra revestida de ouro.

- Aprecio o teu optimismo mas...

O discurso foi interrompido por um segundo som de bala cruzando os céus. Os polícias viram para encarar aquela cabana envelhecida que acomodava Angelina e seus comparsas.

- O que querem? Esqueceram de nos despedir? - Zé perguntou ironicamente.

- Sim esquecemos de algo... De vós dar isto...

Mas uma vez se ouviu o grito da arma, porém daquela vez as balas se alojaram nos corpos dos dois polícias. Quím olhou profundamente para os olhos do Zé e disse:

- Sinto que é desta vez... Não temos escapatória... A fornalha espera por nós.

Zé olhou para o companheiro com ternura e se certificou que a fraqueza consumia o corpo do Quím.

- Merda que fizeste? Precisamos deles vivos. - Angelina gritou repudiando o acto do homem.

- Pensei que era... - O homem tentou se explicar, mas foi em vão.

- Cala-te antes que eu perca minha paciência e te mande para o lado obscuro do mundo. - Angelina estava furiosa, pois sabia que a morte dos seus colegas ditaria automaticamente a sua.

O sangue jorrava nos corpos da dupla criando uma cascata, que desaguava na areia branca daquele pedaço de terra. Quím estava num estado crítico do que o do companheiro.

- Onde escondeu os arquivos? - Angelina indagou muito furiosa.

- Que importância tem isso agora?! - Quím perguntou. - Estamos a morrer ao invés de nos ajudar, estás preocupada com míseros arquivos.

- Não desconverse, onde deixou...

O discurso foi interrompido por rajadas de tiros acompanhandas de luzes que focavam para cabana. Começou um tiroteio, Zé abaixou com o parceiro para evitarem as bullets, rastejaram em direcção às luzes que focavam a envelhecida cabana para ganharem refúgio.

As luzes eram de um Toyota Crystal Light, a cor preta do automóvel se camuflava com perfeição na cortina nocturna.

- Venham, venham! - Gritava do interior do Crystal Light uma voz masculina.

Zé com poucas forças que lhe restavam, arrastou o parceiro até ao automóvel, entraram e acomodaram-se no assento de trás. O motorista deu retaguarda e pisou fundo no acelerador criando poeira para despistar a corja da Angelina caso quisesse os seguir e foi o que fizeram.

- Atrás deles, atrás deles merda! - Angelina ordenou espumando raiva pela boca e deu um tiro de descontentamento ao ar.

Os homens obedeceram religiosamente a ordem, porém um teria sido possuído pela inércia eterna. Enquanto isso, Zé prestava os primeiros socorros ao Quím que estava gravemente ferido, pois a bala o teria atingido no tórax e ao Zé no estômago.

- Sinto a brisa do além requerendo-me. - Afirmou Quím.

- Não diga isso parceiro, ainda temos muitas batalhas por lutar.

- Sinto que já perdi a guerra, não há mais...

O silêncio apoderara-se da fala do Quím. A preocupação traduz-se em suor na sua face e aumenta o desespero do parceiro.

- Apressa-te man, antes que o Quim morra no meu colo. - Zé ordenou muito preocupado ao motorista. - Esse carro funciona com combustível ou com a vontade do caracol? Não estamos andar nada. - Rematou.

- O combustível está a minguar e temos que esconder antes...

- Não, vamos prosseguir. - Afirmou Zé.

- Não temos combustível suficiente para prosseguir com a viagem, veja o indicador do manómetro está quase a atingir o empty, certamente que não vamos longe com isto.

- Então qual é a tua ideia? - Zé indagou muito desanimado.

- Conheço uma plantação de bananeiras aqui perto, vamos esconder o automóvel e esperar pelo sol e voltamos a estrada para pedir ajuda...

- Mas o Quím está perdendo muito sangue...

- Não temos alternativas. - O motorista afirmou desviando a rota da sua viagem adentrando para um matagal.

Enquanto isso, Angelina e sua comitiva seguiam os rastros dos pneus do Crystal Light numa perseguição sem tréguas.

- Temos que pega-los vivos ou mortos. - Afirmou Angelina.

- Infelizmente não será possível. - O homem que ocupava o assento do motorista contrariou afirmação da Angelina.

- O que dizes?

O homem limitou-se a apontar o manómetro do combustível e a fúria tomou conta da Angelina que acabou socando o motorista na face.

- Merda! - Gritou assustando os seus comparsas.

- Não se preocupe chefe, os gajos não vão longe. - Afirmou o homem que estava sentado no assento de trás.

- O que te garante que eles não vão longe?

Angelina perguntou curiosíssima, quando o homem se preparava para responder a indagação o clássico toque do telemóvel Nokia chamou atenção da Angelina para sua bolsa.



Autor: Arnaldo Tembe



Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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