Nódoas de 08 de Março





Nódoas de 08 de Março

Fonte: AQUI


     A madrugada rompera embriagada, ainda crivada de estrelas, músicas com teor feministas se espalhavam pelos bairros. As mulheres se alegram. ‘tão elas todas encapulanizadas dos pés aos cabelos; algumas com mussiro na cara.



Esse barulho lá fora? – Disse ainda sonolento.

É 08 de Março, hoje! – Lembrou-me Panelinha, amada minha!

   Deitei sobre mim uns trapos de água que se desciam no meu corpo como se minha Panelinha chorasse como não lhe comprara capulana, bem ela sabe os porquês. Saí para o biscate. Uns homens, tinham ar de desassossego. Não compraram nada para as suas, também.

    Quando, ao longe, ouvi aquela célebre música de Ziqo que tocara para as mulheres ecoando bem no fundo de mim, vi cara da minha Panelinha. Ela acordara com mancha de tristeza no rosto. Sei me por quê – culpa da capulana, não a comprara nada nenhum. Óbvio que aos poucos as coisas se animam, sabe que o país não ‘tá bom; a crise vive em casa, ainda.

     Bussolado à casa do meu patrão, cortava aglomerados de mulheres, entre vizinhas, em silêncio exterior; meu dentro lamentava e muito. – Que tal da Panelinha, como é sentimento dela! Dorme em casa, não tem onde ir mal vestida.

Quem me dera não existisse 08 de Março… 07 depois 09, seriamos todas iguais… - sentia no meu dentro tristezas da minha Panelinha. 
 
     Com o tinir dos ferros da arte possuída em mim de serralheiro deixo-me ludibriar e concomitantemente se apagavam pensamentos tristes. O dia ia passando. Quando saí fora, o sol se havia descambado pela metade, ia desaparecendo paulatinamente lá onde acaba o mundo. Quase meia hora depois, a tarde caiu. Se escondeu atrás das nuvens. “Se foi nascer para outro mundo” como diz um menino vizinho muito viajado na ciência. – Quer ser cientista negro – dizem por ele quase em todo o bairro, até a mídia visitara casa dos pais dele para fundamentar bem essa matéria.

 No alto céu azul algumas listras avermelhadas se parecem varizes de mulheres rabugentas que florem na praça como se se alimentassem de adubo: – são coisa boa de ver dentro das roupas coladas como se saíssem das águas do Índico – escarnece a rapaziada malcriada da praça.

- Hoje foi só dia de ver “bwekenhe-bwekenhe” pelas ruas esburacadas da cidade, aquele jeito assanhado de mexer as bundas, aquela trepidação toda. – Conta-me os incidentes Felisberto indo-mos a casa. Sem eu dizer palavras, respinga: – quase caem homens ávidos diante da dengue das mamanas. – Fez lhe escorregando saliva na boca. Ri-me voltando os pensamentos da minha Panelinha que não foi para nenhum sítio. Ficar em casa só.

– Fizeram se em nosso lugar, as mulheres, era ngongodza só. – Contou mais.

Aleluia da minha Panelinha, foi nenhum sitio…que seria dela metida no “nthonthontho”, ora “cabanga” ou “pombe”? – Pensando dentro de mim benzendo pela livração. 

Não digo palavra, ouço Felisberto recontando a moção pelas praças da urbe enquanto dobro a cannabis que me partilhou para afastar a fadiga.

É noite madura, já, inúmeras estrelas, talvez mil brilham no céu escuro. A lua demora derramar a sua luz suave. Não me quer consolar minha Panelinha, bem ela gosta dos dias de luar porque a lembra quando namorávamos atrás da noite. Só a lua via nossos segredos debaixo do cajueiro que cresceu torto, aí eu e ela estirados nos gemidos de amor. Só ela sabe contar o quão nos amamos, na pobreza e na doença.

A lua foi nascer donde dorme o sol, lá donde vem nossos inimigos, patrões, nossos senhores. – Argumenta assim, suas teses, o menino viajado na ciência quando a lua vem de lá onde não nasce o sol, poente. – Às vezes, esses senhores tentam impedir a lua de vir nos consolar por isso que se demora ao nascer de lá – retruca o menino quando se põem a lhe indagar.

     Gosto esse menino, porque me fala coisas que entendo. Hoje também, demora-se o luar vir clarear a África, África das mulheres belas, belas dengosas; nossas chamarizes dos inimigos das nossas terras; se confundem com a noite essas mulheres. Pior minha Panelinha, neste apagão, as laranjas penduradas no cimo dos postes dormem o sono, fundiram talvez – misturo sentimentos. 



- Pode ser boicote ao dia da mulher internacional – esse pensamento me vem ao alto, acredito!

Ainda a caminho de casa…
Hoje é dia do amor – ouço sussurrar uma pretinha dengosa; diz que é p’ra variar a seringa do seu homem porque não lhe deixa sair no bastante resto dos dias. Riem-se.

     Lembro-me da minha Panelinha, foi nenhum sítio, aleluia digo novamente. Se eu fosse ricaço, comprar-lhe-ia uma capulana bela, e seria corneado, tesa meu coração diante desse presságio infortúnio para este 08 de Março.

   No rádio que prendo na palma, só falam de mulheres.
     Amam-se as mulheres com homens ocasionais. Vagueiam noutras minas possuídas por outros “bueros”, diz-se assim para esses escarlates na língua que desconhecem.

- P'ra quê esse capuz? – Travados pela parede suja de lama, indaga a dengue de peito acabada como se as tetas fossem folhas secas. Ri-se o homem. – Provas me a carne viva ou até próximo mês quando meu marido deixar-me sair ao 7 de Abril. – Murmura palavras que não se ouvem o homem.

Na similitude, rimo-nos lhes.
     Corno… corno…corno…corno… reverberou no coração dos sentimentos.

Hoje é dia de cornos, também – Fez Felisberto, quase alto, e o vento levou distante a fala ainda coagulada.

Mulheres são safadas… – Concordo-me exaltando ao alto. Penso na minha Panelinha. Ficou em casa dia todo em casa, triste, não foi nenhum sítio. Não me botaram chifres, acredito. Não ia procurar outro homem sem capulana nova. Nenhum homem lhe quereria. Trilho com coração seguro. Está muita noite. Nenhuma luz brilha, só estrelas. – É verosimilhança a tristeza da minha Panelinha – penso em surdina.

Exaltei-me ao grito. Minha voz interiorizou-se dentro do homem travado pela parede com uma dengosa rabugenta; lembrou-se que havia liberado esposa com aquela capulana para se cont entar pelo dia delas. Um clarão de tristeza profunda penetrou seu peito. Se partiam clarões no seu dentro “ sou corno… corno… corno … corno…corno…corno…”. Seu dentro delirava, deixara Adunia contentar-se também. Se fez ejacular precocemente!

     Ainda ia a casa com meu comparsa, Felisberto; cruzávamos com pequenos aglomerados de mulheres vizinha se voltando para as suas cabanas. De lá distante a nossa frente se ouviu “mana Adunia se foi naquele taxista”.

“… assim foi que se passou o dia internacional da mulher algures!’’


[ Alerto Bia ]



Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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