Vidro rasgado - Capítulo 7

Vidro rasgado - Capítulo 7
Vidro Rasgado
Leia o Capítulo 6 AQUI
Zé entrou na guest house apelidada pelo nome "Repouso Tranquilo".  Pediu as chaves de um quarto específico como se conhecesse muito bem as curvas e saliências daquela residência.
guest house se localizava numa avenida que carregava o nome do professor catedrático em Contabilidade e Auditoria, Datunaldo Tomás Ferrão.
A residência ocupava um espaço territorial de 100 mconstituída por dez quartos, duas casas de banho interiores, uma cozinha, uma sala de estar e uma de jantar, duas varandas; uma frontal e outra no lado esquerdo que tinha vista para o quintal espaçoso que tinha um espaço recreativo para tornar a casa mais aconchegante e familiar. A residência era vestida pela cor de laranja e o branco salientando as abas da mesma, o interior dos compartimentos respirava o branco que simboliza paz.
- Célia peço as minhas chaves. - Disse Zé num tom de voz desanimado.
Célia era a recepcionista do Repouso Tranquilo, uma mulher simpática, linda com os padrões corporais de modelos de passarela, de cabelos loiros artificiais, tinha um sorriso branco como das modelos que fazem publicidade das pastas dentífricas, rosto angelical com feições de criança, simplificando ela era encantadora.
- Farias sucesso se seguisses a carreira de modelo.  
Quím dizia tais palavras sempre que se cruzava com a Célia, quando visitava o parceiro no seu local de refúgio. A guest house, na verdade era uma espécie de refúgio para Zé, sempre que se sentia solitário ou precisasse se desvincular do mundo, ia para aquela residência.
Zé recebeu as chaves e caminhou em direcção ao seu quarto quando Célia o resgatou de volta para o local onde ela estava, atrás do balcão posicionado do lado direito logo na entrada da sala principal.
- Desculpa o fazer voltar, queria informar que aquele técnico de frio que era para  vir na sexta-feira da próxima semana, apareceu hoje.
- Que técnico de frio? - Perguntou surpreso.
- Que ia reparar o teu ar condicionado...
Zé saiu da presença da Célia a correr que quase ia rasgando o piso por causa dos seus passos estrondosos. Chegou no quarto número seis que era o seu, tentou destrancar a porta mas se apercebeu que a mesma estava encostada. Entrou sorrateiramente no interior se encostando a parede para defender-se de um possível ataque. Deu uns três passos se afastando da parede, olhou para mesinha de cabeceira que estava, viu que as três gavetas tinham sido arrombadas, olhou para o lado esquerdo da mesinha de cabeceira e notou que o seu Desktop estava ligado mas o monitor estava sem vida. Olhou para janela que estava a sua frente, a mesma estava aberta o que perturbou seus pensamentos, ele sempre a deixava fechada. Inclinou para se certificar se alguém estava escondido em baixo da cama, foi descuidado que acabou recebendo uma paulada na nuca que o deixara desacordado.
Dois homens musculosos apareceram do nada, levantaram o Zé e o tiraram da janela, enquanto outros dois recebiam o corpo do lado exterior do quarto.
Meteram-o no capô de uma viatura Toyota XE Sallon que já aguardava pelo Zé. O automóvel começou a marchar após receber o novo passageiro e desvaneceu do local do mesmo jeito que os homens musculosos apareceram.
Célia já começava a se preocupar com a demora do Zé. Abandonou o seu posto e foi ao encontro dele. Chegado no corredor dos quartos ouviu um barulho estranho vindo do quarto do Zé, a preocupação abraçou-a de uma forma intensa e o medo apoderou-se da sua consciência.
- O que está acontecer? - Pensou caminhando lentamente.
Deu três passos para frente e viu Otília saindo do quarto do Zé segurando um pau na mão esquerda e um plástico preto na mão direita.
Otília era uma mulher de estrutura corporal média, de olhos castanhos-escuros e vestia a pele negra no seu corpo. Ela era o que nos hotéis chamam de serviço de quartos.
- Senhorita Otília...
Assustou-se e ficou imóvel, a preocupação lhe invadiu a consciência castigando seus pensamentos e obrigando-os a elaborar um discurso para contornar aquela situação embaraçosa.
- Estás tramada! - Pensou.
-...o que fazes aqui no teu dia de folga? - Perguntou Célia.
- V…v… v… venho adiantar o trabalho d'amanhã. - Gaguejou e a insegura manifestava-se nas mãos através de trémulo dos dedos.
Célia direccionou a mão direita para o queixo e olhou fixamente para Otília como se estivesse desconfiada e desatou o verbo:
- Os meus pensamentos dizem que estás a mentir!
- Me pegaste... - Lançou um sorriso forçando e continuou com o discurso: - Na verdade vinha...
O seu discurso foi interrompido por um ruído forte e irritante que vinha do quarto do Zé.
- Afinal o que está acontecer?
Célia questionou caminhando para o quarto, mas fora impedida pela Otília que bloqueava o caminho com as mãos abertas.
- O que se passa?
- Algo que não te interessa. - Respondeu respirando muito calma na  voz.
Célia tentou furar a barreira feita pela sua colega, mas Otília resistiu e estiveram ali por longos segundos num empurra-puxa-empurra que acabaram dando vida a uma luta. Otília atirou a colega contra parede, e Célia sofreu uma pancada forte na cabeça e desmaiou.
Otília voltou para o quarto do Zé ao encontro dos homens, que estavam revirando tudo numa incansável procura de um envelope amarelo, que supostamente tinha informações sobre a investigação "Vidro Rasgado".
- Ainda não encontraram nada? - Questionou muito nervosa.
- Ainda chefe... - Respondeu um dos homens.
- Talvez o documento nem esteja aqui. - Afirmou Otília.
- Certamente. - Concordaram os homens em uníssono.
- Poxas! - Otília gritou que até a voz ecoou pela casa inteira.
Voltou ao corredor pegou no plástico preto que estava ao lado da adormecida Célia, e do mesmo tirou um telefone celular, discou alguns números e direccionou o aparelho para o ouvido direito aguardando pelo receptor, o que não tardou para o mesmo responder a chamada.
- Já acharam alguma coisa? - Perguntou o indivíduo mostrando-se impaciente e muito preocupado.
- Infelizmente não escondeu aqui. - Reportou Otília.
- Merda! - Ouviu-se um barulho como se o indivíduo estivesse a socar algo.
- Mas já estamos a levá-lo para o esconderijo, lá nos dirá onde escondeu os documentos...
- Ou não nos dirá nada, não se esqueça que ele é um polícia deve ter trunfos na manga.
- Pois, porém houve um imprevisto...
- Que imprevisto?! - Exaltou a voz.
- A recepcionista nos flagrou, não sei o que faço com ela.
- Esse problema é teu, resolva tu. O que a mim me interessa é o documento estar em minhas mãos, apenas isso.
O indivíduo desligou o telefone. Otília voltou ao quarto e ordenou um dos homens para desorganizar a casa, tentando assimilar um assalto e ordenou-o para matar a Célia. Enquanto isso, ela e outro homem iam revirando pela última vez o quarto á busca do valiosíssimo envelope.
O homem saiu do quarto encontrou Célia estatelada no chão, carregou-a no colo e caminhou em direcção a sala de jantar para amarra-la na cadeira. Chegado a sala, o homem apercebeu-se que tinha se esquecido da corda, voltou para levar, enquanto isso cogitava:
- Ela é linda, não vou conseguir mata-la! - Seu rosto murchou.
- Morre ela ou morres tu, o que preferes? - Era a voz do seu entendimento.
- Ela não deve morrer e muito menos eu...
- Então qual é a tua ideia?
- Não sei.
- Não te esqueças que trabalhas para gente sanguinária, que não admite erros na execução de tarefas e...
O homem ignorou a voz da sua consciência, pegou o plástico preto que era mágico e tirou uma corda branca fina feita de nailon. Voltou para a sala ao encontro da Célia, mas ali ela já não estava para o desespero do bandido. Pensou em retornar ao quarto e contar para chefe, mas apercebeu-se que tal a acto, seria o mesmo que requer sua certidão de óbito antecipadamente. Então decidiu dar prosseguimento ao plano que lhe fora confiando, depois de concretiza-lo foi ao encontro da chefe e do parceiro que esperavam por ele numa ruela dentro de um Toyota Corolla Crystal light de cor preta. O indivíduo entrou no automóvel e foi recebido por um indagação daquela que a tinha como sua chefe:
- Porquê demorou?
- Estava a purificar o corpo. - Disse o parceiro mergulhando em gargalhadas.
A chefe olhou-o manifestando o seu desagrado pela falta do respeito que aquele indivíduo expunha de forma serena.
- Me perdoe chefe, não mereces suportar as maluquices do Dércio.
- Tenha cuidado ao escolher os teus parceiros, se não fosses um profissional de mão cheia esse gajo estaria a nadar no próprio sangue.
- Me perdoe... quanto a minha demora estava amarrar a empregada para a simulação parecer real...
- Bem pensado, por isso gosto de trabalhar contigo não te esqueces dos detalhes. –
Afirmou Otília dando ordem para o carro marchar  rumo a um destino desconhecido pelos homens.
Célia saiu do seu esconderijo ao se aperceber que a casa estava silenciosa, supôs que a Otília e os seus comparsas já tinham despoluído o ambiente. Tinha-se escondido num dos lavabos. Caminhou para o balcão de atendimento para ligar ao patrão e reportar o acontecimento. Os seus reflexos estavam lentos, caminhava em passos lentíssimos como uma criança quando está no processo do crescimento e sentia uma dor de cabeça insuportável.
Ligou para o patrão mas a senhora da bonita e agradável voz repetia incansavelmente os dizeres: "neste momento não é possível estabelecer a ligação que deseja, por favor ligue mais tarde!"
O desespero tomou conta da Célia, ligou para esposa do patrão mas a senhora da bonita e agradável voz parece que tinha muito trabalho naquele dia. Célia decidiu ligar para polícia e a sua chamada foi atendida prontamente. Explicou o que tinha ocorrido e os polícias prometeram enviar alguns homens para fazerem diligências.
***
O vento soprava na fresta solitária da vida, trazendo em seu colo as gotículas do anoitecer. Os pássaros faziam os seus últimos drifts antes de deixar o ar perder-se nos lábios do poente que seduzia os corpos cansados, fragmentados nos braços da menina diurna. A lua espreitava entre as cortinas cinzentas das nuvens sonolentas que esmorecia o brilho solar e Zé, despertava lentamente do seu repouso forçado. Sentia que o corpo estava encolher absorvendo as ruínas da velhice. Tentou esticar-se para comprovar se de facto estava a envelhecer, mas sentiu que os seus movimentos estavam sendo limitados. O escuro cobria sua visão até uma fissura que criava um feixe do raio luminoso despertou sua atenção, tentou se movimentar até o luminoso feixe. Espreitou pela fresta e descobriu que estava na estrada preso numa caixa em movimento.
- Merda! Quem me fez isso? - Pensou muito confuso.
Tentava desesperadamente lembrar dos episódios que decorrera antes de achar seu corpo preso no capô de um carro. Fez o exercício mental por longos segundos até que se apareceu a imagem da janela aberta do seu quarto, rebobinou os pensamentos até a conversa com a recepcionista Célia.
- Agora me lembro, os homens do Gastón. - Afirmou em meio a dúvida.
***
Otília conduzia o automóvel tranquilamente, embalada pela música "Dancing with my father" de Luther Vandross que tocava numa das frequências radiofónicas, que tinha sintonizado no receptor do automóvel.
A viagem decorria sem pressa como se tivessem todo tempo do mundo ao seu dispor. De repente Otília para o carro no meio duma paisagem desértica, os dois homens que estavam sentados atrás olharam-se sem entender nada.
- Chegamos. - Afirmou Otília esboçando um sorriso assustador.
Os homens voltaram a olharem-se, porém seus semblantes vestiam um presságio e muita preocupação.
- Vamos morrer! - Confessou para o parceiro um dos homens através do olhar.
Infelizmente o outro não conseguiu ler as palavras que estavam suspensas nos olhos do comparsa.
- Desçam com as mãos hasteadas no ar. - Ordenou Otília.
- Acho que é o nosso fim. - Sussurrou um dos homens.
- Não. - Respondeu o outro.
Os tipos desceram do automóvel com mãos levantadas como Otília tinha ordenado, marcharam uns três passos e a voz da chefe novamente ganhou vida.
- Parem, me entreguem as armas...
- O que passa afinal? - Perguntou o homem que fora incumbido de matar a recepcionista.
- Descobri que não posso confiar em vós. - Afirmou Otília.
- Porquê?
- O senhor se esqueceu que esse todo tempo estava em teste, e o senhor reprovou por não ter matado a recepcionista.
- Não a mataste? - Perguntou o parceiro surpreso com a informação recebida pelos seus ouvidos.
- Claro que matei. - Afirmou inseguro o homem.
- Não, desta vez agiste com emoção e não com a razão.
- Mas como descobriste que não a matei?
Gargalhadas sarcásticas saíram da boca da Otília e pairavam no ar. Tirou do bolso esquerdo o telemóvel, foi ao campo de mensagem e leu em voz alta um texto que recebera há três minutos atrás:
- "Um dos teus homens falhou a missão".

Enviar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem