Vidro Rasgado - Capítulo 8
Gastón era um homem baixinho, gordinho com uma porção de terra desértica no centro da cabeça, tinha olhos azuis, mulato e era político influente naquela cidade. Era um tipo ganancioso, arrogante e membro sénior do partido MOLI (Movimento Liberal). Tivera desavenças com o Zé ao faltar no encontro que fora intimado na esquadra para esclarecer alguns assuntos obscuros que pesavam sobre si.
O nome do Gastón aparecera no dossier do Zé quando o mesmo descobriu que o político tinha alguns negócios sujos como: contrabando de carros, tráfico de drogas entre outros crimes, porém Zé não tinha provas suficientes para o colocar na cadeia.
- O senhor ainda vai pagar pelos crimes cometidos. - Disse Zé saindo do escritório do Gastón muito furioso.
- Não me ameaça, não tenho medo de ti. - Afirmou Gastón com voz prepotente.
- Não preciso te ameaçar, cedo ou tarde a verdade virá à tona.
- Se o dizes. - Afirmou sarcasticamente.
Zé saiu daquele escritório que localiza-se no terceiro andar do prédio baptizado pelo nome Fantasy, um edifício pintado a verde e de vidros substituindo paredes convencionais na parte frontal. O prédio situava-se na avenida Covil dos Lobos, uma avenida muito movimentada na cidade Vila Morena.
- Esse gajo pensa que sou quem? - Resmungava Gastón na companhia do sozinho. - Eu sou Gastón o intocável, o dono dessa cidade.
Gastón dizia tais palavras pegando no telefone fixo e discando alguns números, direcionou o telefone para a orelha esquerda e no seu pulso esquerdo um relógio espreitou revelando que o seu dono era um manda-chuvas, o receptor não tardou em atender a chamada.
- Alô chefe, como está?
- Não estou nada bem... - A voz rouca do Gastón parecia preocupada.
- O que houve chefe?
- Um dos teus homens acaba de sair do meu escritório, brincando à detectives.
- Acho que houve um engano chefe, hoje nenhum dos meus homens foi delegado á trabalho do campo.
- Então os teus homens andam a fazer trabalhos à conta própria.
- Poderia me descrever o homem que esteve aí?
- Era um tipo musculoso, alto de cabelos crespos e com barba lhe cobrindo o rosto.
- Só pode ser o Zé. - Pensou o interlocutor do Gastón e desatou o verbo: Não se preocupe chefe vou tomar medidas.
- Assim espero, não me obrigue que seja eu a tomar tais medidas. - A rouquidão do Gastón soou mais grave e desligou a ligação.
O interlocutor do Gastón era o Delegado Nevinga, o agente-duplo que enganava seus colaboradores, uma das peças chaves da investigação.
Zé deambulava pelas ruas da Vila Morena, tentando digerir as informações que tinha descoberto, as falcatruas do político. O polícia mergulhava nos seus pensamentos quando foi resgatado pelo toque do seu telemóvel, tirou-o do bolso e no visor estava exposto o nome do delegado.
- Alô delegado.
- Venha a esquadra agora. - A voz de autoridade se fez ouvir nos ouvidos do Zé ao mesmo tempo que o tô da chamada se fez ouvir.
- O que é agora? - Perguntou ao vento.
Mudou o seu destino que era um quiosque para se refrescar com um refresco e galopou à passos largos para a esquadra.
Passado alguns minutos chegou a esquadra e foi directamente ao gabinete do delegado, agrediu a porta pedindo licença.
- Quem é? - A voz ouviu-se num tom baixinho.
- Zé.
- Entra meu bom rapaz.
- Com licença, a que se deve a minha chamada urgente.
- Sente-se meu jovem.
Zé sentou e a preocupação lhe invadiu a consciência. Delegado começou o seu palavreado.
- Antes de mais, desculpa-me pela chamada repentina mas havia necessário de o fazer... Na verdade a chamada vem de cima, dizem que estamos numa crise e há necessidade de se cortar algum pessoal e tu foste um dos escolhidos para esse sacrifício.
Atónito, Zé olhou para o delegado não acreditando no seu discurso. Enfrentou-o nos olhos e desatou as palavras que estavam presas na sua garganta:
- Diga-me a verdade delegado, não há necessidade de me mentir.
- Essa é a verdade meu bom rapaz, as ordens são superiores...
- Não me venha com histórias delegado... Se essa ordem viesse de cima teriam me notificado.
Delegado esquivou os olhos do seu pupilo, pesava-lhe a consciência despejar um dos seus melhores homens. Zé procurou os olhos do delegado para os enfrentar, depois de os achar disse:
- Te entendo delegado, a justiça nunca triunfará onde a política reina.
Zé levantou do conforto da cadeira e caminhou em direção à porta, encarou o delegado novamente e repetiu as palavras:
- A justiça nunca triunfará onde a política reina.
E saiu do gabinete do delegado rumo ao seu e do seu parceiro Quím, deixando o delegado nos seus remorsos.
- O que fiz? - Sussurrou delegado.
- Injustiça é o que fizeste. - A voz surgiu do nada.
- Quem és tu? Apareça. - Delegado estava assustado.
- Eu sou você, eu estou em ti. - Revelou a voz.
- Como estás em mim se não consigo te ver?
- Não consegues me ver mas consegues me ouvir, eu sou a tua consciência, a voz que te seguirá sempre que cometeres injustiças.
- Desapareça, não quero te ouvir. - Gritou.
- Não me ouvir não depende de ti, não tens comando sobre mim.
Delegado levantou do seu assento, caminhou até a janela e tirou um cigarro que estava na sua mesa, acendeu e fumou-o tentando se libertar daquela voz, mas a mesma continuava livre na sua mente o atormentando.
Zé entrou no seu gabinete e encontrou o parceiro digitando algo no desktop.
- Aproxima preciso da sua ajuda neste processo. - Disse Quím.
- Infelizmente não poderei te ajudar. - A tristeza estava nítida naquelas palavras.
- Porquê não? - Quím perguntou virando a cadeira para encarar aquele que o tinha como comparsa de tudo.
- Fui afastado da corporação.
- Porquê? - Perguntou com lágrimas espreitando no verde dos seus olhos.
- É complicado.
Zé olhou o verde dos olhos do parceiro com o semblante murcho e mil pensares lhe invadiram a consciência, mas preferiu selecionar as palavras que julgava conveniente e pôs-se a desata-las:
- Acho que chegou o fim, mas quero que...
Autor: Arnaldo Tembe