Parlamento adia eleição do Provedor da Justiça: Desistência voluntária ou astúcia da Renamo?

Parlamento adia eleição do Provedor da Justiça: Desistência voluntária ou astúcia da Renamo?


Conforme já vinha se anunciando, no dia 18 de Dezembro, a Assembleia da República (AR), em sufrágio universal, directo e secreto, apontaria o novo Provedor da Justiça em substituição de José Abudo que, conforme é sobejamente público, está em fim do mandato de 5 anos.

 Concorriam para a sucessão de Abudo, Isac Chande, então Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, e o deputado Silvério Ronguane, propostos, respectivamente, pelas Bancadas Parlamentares da Frelimo e do Movimento Democrático de Moçambique – MDM.

Parlamento adia eleição do Provedor da Justiça: Desistência voluntária ou astúcia da Renamo?

Como já o dissemos na reflexão anterior, e repisamos, a Renamo não chegou de apresentar candidato, tendo, para o efeito, e por intermédio de um ofício exarado pela sua chefe da Bancada, a deputada Ivone Soares, ainda que tacitamente, declarado apoio ao candidato proposto pela Frelimo.

 Dependente do voto de uma maioria que perfaça, pelo menos, dois terços dos deputados – no caso 166 deputados, a indicação do novo Provedor da Justiça para os próximos 5 anos foi adiada, facto que, de acordo com as nossas fontes, ocorreu faltando pouco menos de 15 minutos para o início da votação.

Uma informação posta a circular entre as redes sociais, adianta que o adiamento foi chancelado pela Presidente do Parlamento, Verónica Macamo, porquanto, à última hora, deixou de haver consensos entre as bancadas parlamentares em sede da Comissão Permanente – segundo órgão do Parlamento, isso nos termos da al. b) do nº 1 do art. 59º do Regimento da AR– _Lei n.º 17/2013, de 12 de Agosto.


Se por um lado, achava-se que a Renamo, através do ofício da chefe de bancada, declarava apoio ao candidato da Frelimo, facto que correu pela imprensa e pelas redes sociais, por outro, há quem diga que as coisas não eram bem assim. Ou seja, a Renamo terá confundido a imprensa e a Frelimo, esta que achava que, contando com o apoio daquela, baptizava Ronguane, de vez, lutador de causas perdidas.

 Dito doutro modo, é pouco provável, ainda que seja um dado a considerar, a hipótese de ter havido uma espécie de desistência voluntária – termo muito usado em Direito Penal – por parte da Renamo em apoiar o candidato da Frelimo, porque em nenhuma parte de seu ofício a Renamo declara expressamente que assim procederia Tal apoio foi deduzido por meio de interpretações.

Aliás, tudo ganha lógica na medida em que, até a data que a Renamo exarou o ofício – 12 de Dezembro de 2017 – o MDM não havia apresentado qualquer candidato, facto que só aconteceu mais tarde quando o deputado Ronguane, com o objectivo de imprimir uma gota de democracia no processo de eleição, apresentou-se também como candidato àquele posto.

A Frelimo, que conta neste momento com 144 deputados que, em termos constitucionais e estatutários, para garantir a vitória de seu candidato à Provedor de Justiça precisaria de contar com o apoio da Renamo – no caso, de pelo menos 22 deputados deste partido, isso para perfazer 166, o que corresponderia a maioria de dois terços dos votos, ter-se-ia deixado enganar ou trair pela Renamo.

Facto é que a Frelimo recebeu o ofício da Renamo entendendo que o mesmo constituía um apoio expresso ao seu candidato, e que, naturalmente, vindo da chefe da bancada, decerto, todos os deputados haviam sido orientados para votar em Isac Chande em detrimento de Ronguane, plano que devido aos debates acesos nas redes sociais, teria fracassado, “mudando a Renamo de disco”!


Hoje, quando todas as condições estavam criadas para a realização da votação, decerto, a Frelimo ter-se-á dado conta que os deputados da Renamo, individual, directa e secretamente, votariam em quem lhes conviesse, ou seja, que não havia orientações algumas da Bancada da Renamo ou, havendo, não reuniam consensos, e desde logo, seriam desobedecidas.
Deste modo, a Frelimo, que mesmo detendo a maioria dos assentos na AR, com um total de 144 deputados, e hoje presentes na plenária 134, não teria como eleger Isac Chande sem que, para tal, contasse com o apoio da Renamo – tudo por “culpa” do artigo 257º da CRM* como do nº 1 do artigo 4º da Lei n.º 7/2006, de 16 de Agosto, estes que colocam a exigibilidade de dois terços dos deputados.

Sendo a votação directa, livre e secreta e encerrado o prazo para apresentação das candidaturas, confirmados dois candidatos, nada justificaria a improcedência da votação, muito menos faltando escassos minutos para o início do processo. Claramente que a Frelimo sentiu-se traída e enganada pela Renamo, saindo-se assim astuta.


Aliás, falando em astúcia, jazem informações de que a Renamo estudou todo esse cenário e fê-lo propositadamente não indicar candidato, porquanto, queria a continuidade de José Abudo que, em termos estatutários, tem ainda direito de mais um mandato, e é sério, por um lado, e exige que se proceda, em igualdade de circunstâncias, a eleição de Provedores da Justiça provinciais, por outro.


Portanto, neste contexto, outra conclusão não podemos tirar senão a de que a Frelimo, não querendo ver o seu Ministro humilhado, tudo fez para adiar a votação, facto que só contou com a anuência dos deputados da sua bancada, porquanto as outras duas – a do MDM e da Renamo – eram pela sua realização, mas por força do voto da maioria o veto destas não vingou.

Em última análise, queremos sublinhar que é preciso entender que «os partidos políticos são actores racionais em um campo onde ocorrem relações de poder», daí que “o vale tudo” prevalece. A Renamo, ainda que seja um partido fortemente armado, também sabe usar de outros meios para fazer valer suas pretensões, em momento e lugar certos, convenhamos!



Por Bitone Viage & Ivan Maússe
Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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