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Acordo
de madrugada em sobressalto diante do som alto asfixiante e ensurdecedor.
Quando dormi, ainda estava animado com os copos e fumos que havia provado antes
de deitar. Ainda sonolento, sinto que me dói algo mais importante além da
cabeça. Agora já é impossível
continuar a ouvir “Whatever People Say I
Am, That's What I'm Not” dos Arctic Monkeys.
Estava
claro que o agito havia se esgotado, pelo que desliguei o som quando já soava
provavelmente “Riot Van” ou “Mardy Bum”, músicas com um ritmo mais
leve (em consonância com o meu actual estado de espírito). Talvez eu devia
colocar um outro álbum. Enquanto vou magicando sobre um novo álbum por ouvir,
relembro a noite de ontem antes de chegar em casa.
No
mesmo dia em que se recordam trivialidades históricas, como a demissão de Otto
Von Bismarck da Chancelaria da Alemanha; a independência de Paris em relação à
Assembleia Constituinte em Versalhes; ou a ''sentenciação''
de Mahatma Gandhi na Índia a seis anos de prisão por desobediência civil, a
minha ex-namorada comemora o seu aniversário. O convite à festa também a mim
chegou. Talvez por orgulho ferido fui ao convívio, mas a dor dilacerante que
agora sinto é um vestígio do meu arrependimento.
Quando
lá cheguei ecoavam aqueles ritmos moçambicanos que obrigatoriamente nos fazem
levantar para dançar, queimar calorias e esquecer o nosso quotidiano
sedentário. Ou, para aqueles que não sabiam dançar, contemplar com ligeira
inveja as curvas dos corpos tão talentosos na dança. Era de muita crueldade ou
estoicismo sentar-se perante aqueles ritmos.
Foi no
meio de um “pandza” bem animado que a
vi, pela primeira vez, na festa. Não poderia ter havido momento melhor. Minha
ex-namorada veio dançar comigo e continuava tão bela e ágil como nos nossos
tempos de namorados.
Nascer
no inferno não é uma escolha, mas todos somos incumbidos de o transformar num
pequeno paraíso. Não consegui me conter diante de tanta exuberância e encanto.
Parecia que os quatro meses após o término do nosso laço nunca tivessem
acontecido.
Esqueci
o inferno interessante de sexo desapegado com parceiras ocasionais e
reencontrei o pequeno paraíso de contemplar olhos de um castanho muito vivo.
Senti-me como Lázaro desfrutando das suas recompensas paradisíacas.
Infelizmente as minhas recompensas não foram eternas.
Fomos
interrompidos por um ‘’cara’’ quase
trintão e, certamente, o único usando um fato na festa. Parecia um daqueles
tipos armados em sérios e responsáveis mesmo em ambientes tão descontraídos
como aquele. Não entendi a ousadia do homem, até perceber uma ligeira
cumplicidade e um beijo rápido entre os dois no meio da dança. Era claramente o
novo namorado dela.
Lembrar
a humilhação de ver a minha ex-namorada beijando o outro me traz à mente “Party Song”, uma faixa do álbum “Dear” de Keaton Henson. De seguida,
decido escutar o álbum. Quem me dera se tivesse escutado aquela faixa antes da
cerimónia. Jamais teria ido àquele evento e evitaria o resto. Ao ritmo calmo de
“Oliver Dalston Browning”, “Nests” e o restante do álbum, volto a
pensar na festa.
Quando
tive a minha oportunidade de tirar tudo a limpo, parece que me esqueci do beijo
dela com o outro. Eu confessei que ainda a amava e estava completamente
espantado como ela havia esquecido o nosso laço de quatro anos em tão pouco
tempo. Que o amor é complicado, isso é um clichê já velho. Agora me espanta
recordar que ainda revelei sentir-me frustrado com outras garotas, mesmo com
tantas descobertas que elas me ofereciam.
“Queres consolo ou um banho de
realidade?”,
perguntou-me ela com compaixão. “Realidade
sempre”, respondi. Ela riu-se com quem adivinhasse a minha reacção e
tivesse se preparado por um longo período para aquele momento.
Nós
éramos muitos diferentes. Ela era uma pessoa bastante confiante de si própria,
e, eu desconfiado de todo mundo, inclusive de mim próprio. Enquanto ela era
animada e optimista, eu perdia-me em reflexões, leituras e músicas melancólicas
(ansiando por uma pseudoliberdade).
Ela
lembrou-me que quando começamos a namorar quase nada tínhamos em comum. Excepção
de duas coisas: ambos gostávamos de sexo (aqui ela disse que eu trepava bem,
talvez para aumentar a minha auto-estima) e, estranhamente, gostávamos da mesma
música. Não era do tipo a “música favorita” de ambos, mas era um ponto de união
para pessoas de mundos culturalmente tão diferentes. Dançávamos e transávamos
ao som da nossa música em comum, “Sexy
Girl”, de Zico e Dj Ardiles. No final das contas, como ela afiançou, conseguimos
nos amar e conviver.
“Amar e ser amado é tão doce quanto a água de coco”, assim começou a conclusão do seu
discurso. “No entanto, não é preciso que
o amor seja eterno para que seja verdadeiro. Ele tem o seu tempo de vida. Morre
também à luz de algumas circunstâncias. Portanto, tu também vais me esquecer
quando chegar a hora.” Achei-me em prantos depois de ouvir isso e,
sorrateiramente, fugi até a minha casa.
Às
vezes a vida nos mostra o seu dedo do meio quando nos apercebemos que
conquistar o longamente sonhado não é a garantia da felicidade. Eu havia
alcançado a vida com a derradeira “liberdade”, tão ansiada por mim desde que li
“O Fim do Amor Romântico”, de um tal
de Estêvão Chavisso. Depois do fim do meu namoro tinha que me agarrar à alguma
ideologia. Mas agora acho que aquele autor devia ser um frustrado dissimulado.
Sinto-me
miserável com esta vida que levo. Quem vive a vida de forma absurdamente
rotineira, torna-se triste e enfadonho; enquanto aquele que vive a tempo
inteiro ''avassaladoramente'', é perigoso e insensato. O caminho era o meio-termo
de Aristóteles, pelo menos, até eu encontrar uma nova ideologia. A óbvia
conclusão me atirou novamente ao sono.
*Originalmente publicado no Fórum Ímpar Blogspot
Autor: Lino A. Guirrungo
Leia A MORTE DAS ILUSOES do mesmo autor AQUI
Adorei
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