“Querido
amigo,
Há
dois meses que venho pensando em te escrever. Sei que deves pensar que dois
meses é demasiado tempo para uma carta como esta, mas deves entender que nunca
escrevi uma carta antes. Escolhi escrever especialmente para ti porque acho que
és, entre os meus amigos, o que mais é capaz de me entender, embora, em abono
da verdade, quisesse gritar para todo mundo me ouvir.
Se
tivesse que escolher o dia em que indubitavelmente fui feliz na vida,
escolheria o dia em que tomei conhecimento da minha admissão na universidade.
Sempre considerei a universidade o lugar em que se conquistam sonhos e se
consagram os académicos e os indivíduos. Não acreditava que todos os estudantes
universitários fossem (ou viessem a se tornar) verdadeiros cientistas mas, pelo
menos, sempre os considerei pessoas bastante distintas.
Com o
tempo, a universidade mostrou-se um espaço amalgamado de muitas contradições.
Esquecendo os conhecidos males estruturais do país e das instituições
universitárias, fiquei verdadeiramente surpreendido pela apatia colectiva que
afecta não só aos estudantes mas também aos professores.
Conheci
muitos estudantes completamente indiferentes aos seus cursos. No meu curso, por
exemplo, num universo de quase cinquenta, apenas cinco estudantes queriam fazer
a formação como sua primeira opção.
Muitos
dos meus colegas queriam fazer os famosos cursos de Direito e/ou Administração
Pública, mesmo sem saberem ao certo a razão da ambição desses cursos tão
badalados. Era simplesmente indisfarçável o rosto triste dos meus colegas. No
entanto, parece que isso é um mal colectivo da universidade.
Um dia
encontrava-me na biblioteca da universidade e vi uma bela estudante segurando “Os Maias”, de Eça de Queirós. Tendo eu
já lido o livro, aproximei-me para dizer que era uma boa escolha. Ela olhou-me
inicialmente com espanto e depois com muita pena respondeu-me: «Moço, eu sou estudante de Literatura mas
não gosto de ler. Na verdade, estou a fazer um trabalho de uma disciplina e
faço este curso porque não quero ficar em casa sem fazer nada». Embaraçado,
afastei-me sem dizer uma palavra.
Ignorando
o absurdo de ela ter mencionado “não gostar de ler” mesmo cursando Literatura,
confesso que me encantei com a franqueza daquela estudante. Naquele dia,
percebi a hipocrisia da instituição universitária, da minha e dos outros
estudantes universitários. Como somos capazes de exigir excelência académica
quando as pessoas não estudam o que desejam cursar? Como esperar que alguém
crie sonhos futuros em torno de um curso que no presente representa a morte das
suas ambições, esperanças e ilusões?
A
universidade apresentou-me um outro fenómeno ainda mais grave que a apatia dos
estudantes. Excepções sejam feitas, mas aqueles que têm dinheiro e não estudam
“compram” o conhecimento e os que não têm dinheiro e estudam “vendem” o
conhecimento. A sofisticação do mercado de venda de trabalhos académicos é tal
que chego a sentir vergonha pela minha ingenuidade de nunca ter desconfiado que
tal prática era comum nas nossas instituições superiores de ensino.
Os
professores não estão interessados em combater a prática (talvez porque
provavelmente não lêem a maioria dos trabalhos) ou simplesmente, tal como os
estudantes, estão apáticos e conformados com a situação. Sinceramente, esta
prática faz-me pensar que o ensino no pós-laboral devia ser abolido porque a
maioria dos “compradores” estudam nesse período. No entanto, estou consciente
que tal acção seria inconveniente e arbitrária.
Falando
em professores, tenho de te dizer que a minha maior desilusão com eles não é
académica mas pessoal. Acho aceitável que um professor não seja o protótipo de
intelectual de primeira (até porque acredito que seria pedir demais dos nossos
professores!), mas não acho admissível que eles não inspirem os estudantes como
um modelo de cidadão a ser seguido. Eu encontrei professores completamente
conformados com a sociedade e a vida, não lidos e arrogantemente alheios a essa
imagem que transmitiam aos estudantes. Não obstante, neste jogo de
“esconde-esconde” e “joga a culpa ao outro”, ninguém ousa falar do
comportamento nada inspirador dos professores.
Quatro
anos foram-se e do jovem enérgico que fui restam cinzas. Sinceramente, hoje eu
não queria ir a esta graduação. A graduação representa, além de muito, o fim de
um ciclo preparatório. A universidade de quase nada me preparou para esta minha
nova fase da vida. A coisa que a universidade fez certamente foi destruir a
maioria das minhas fantasias.
Actualmente
as exigências são enormes. O desemprego é uma prova viva desta miséria
preparatória. A minha mãe é muito compreensiva, tu bem conheces a dona Lurdes,
mas até quando ela continuará a ser? Os meus irmãos e a minha namorada aguardam
pelo tal futuro, que eu próprio acreditei nele, há quatro anos, mas não sei se
conseguirei atingi-lo.
Estou preocupado.
Carinhosamente,
Teu amigo.”
*Originalmente publicado no fórumÍmpar.blogspot.com
Lino A. Guirrungo |
Lino A. Guirrungo, nascido
em Maputo, capital de Moçambique, é escritor e activista social. Iniciou-se na
escrita escrevendo poemas, tendo publicado seus poemas inicialmente em duas
antologias - Entre Nós e Palavras, vol. I (2010) & vol. II (2011) - pela editora Kutsemba Cartão.
Seus últimos poemas encontram-se na antologia independente Alta Temperatura de 2015, altura em que
passou a se dedicar a crónicas e artigos de opinião publicados com regularidade
no Fórum Ímpar Blogspot. Igualmente dedicado a causas sociais e ao associativismo
juvenil, foi membro e coordenador do movimento literário Aldeia Literária, bem
como activista pelo movimento Activista Moçambique da Actionaid Moçambique.
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