Mario Vargas Llosa é um dos nomes mais proeminentes da literatura hispano-americana contemporânea, laureado com o Prémio Nobel de Literatura em 2010 e reconhecido tanto pela riqueza estilística quanto pelo vigor temático de sua obra. Ao longo de uma carreira literária que abrange mais de meio século, o autor peruano explorou, com notável profundidade, questões políticas, sociais, históricas e existenciais, colocando o indivíduo e a sociedade sob constante tensão narrativa. Seus romances transitam entre a crítica à opressão institucional, os dilemas morais da modernidade e o erotismo como expressão do desejo e da liberdade.
A seleção dos oito livros essenciais de Vargas Llosa apresentada neste artigo visa oferecer um panorama representativo de sua trajetória literária,
1. A Cidade e os Cães (1963)
Primeiro romance de Vargas Llosa, publicado originalmente em espanhol como La ciudad y los perros, é passado numa academia militar no Peru, a Academia Leoncio Prado, onde o próprio autor estudou. A obra causou tamanha controvérsia que as autoridades da academia chegaram a queimar mil exemplares
em protesto. O romance explora os códigos do exército e a rígida hierarquia militar, narrando a história de um grupo de cadetes que lutam para sobreviver num ambiente de violência e intimidação, culminando no assassinato de um deles.O livro foi posteriormente adaptado ao cinema pelo realizador peruano Francisco Lombardi.
2. Conversa na Catedral (1969)
É considerado um dos romances mais complexos e ambiciosos de Mario Vargas Llosa, sendo uma profunda reflexão sobre o Peru da década de 1950, durante a ditadura do general Manuel A. Odría. A obra é amplamente reconhecida como um marco da literatura latino-americana contemporânea. O
romance começa com uma pergunta central e angustiante: "Em que momento se tinha fodido o Peru?"
– uma indagação que perpassa toda a narrativa e expressa o desencanto do autor
com a degradação moral, social e política do país. A partir dessa questão,
Vargas Llosa constrói uma história labiríntica, com múltiplas vozes e saltos
temporais, marcada por uma estrutura narrativa fragmentada e densa.
A narrativa gira em torno de Santiago Zavala, jornalista e
filho de uma família abastada, que se encontra por acaso com Ambrosio, antigo
motorista do seu pai. Os dois passam uma tarde num bar chamado "La
Catedral", onde iniciam uma longa conversa que serve como fio condutor
para a reconstrução de suas vidas e, simultaneamente, do panorama político do
Peru. Através dos seus diálogos, revelam-se segredos familiares, corrupção,
opressão e decadência.
3. Os cadernos de Dom Rigoberto
"Os Cadernos de Dom Rigoberto" (título original em espanhol Los cuadernos de don Rigoberto, 1997) é uma obra de Mario Vargas Llosa que mistura erotismo, arte, fantasia e reflexão filosófica, explorando os limites entre o desejo, a realidade e a imaginação. Trata-se de uma continuação indirecta do romance Elogio da Madrasta (1988), com os mesmos personagens centrais: Dom Rigoberto, sua esposa Lucrécia
e o filho pré-adolescente Fonchito.
O romance estrutura-se de forma fragmentada, alternando entradas fictícias dos “cadernos” privados de
Dom Rigoberto com episódios narrados em terceira pessoa. Nestes cadernos, Rigoberto – um homem culto, sofisticado e meticuloso – expressa as suas fantasias, obsessões e reflexões sobre o erotismo, a estética, a moral, a literatura, a música e a pintura, frequentemente referindo-se a obras de artistas como Egon Schiele, Klimt, Goya e Bosch.
Ao mesmo tempo, a narrativa revela a tensão que domina a vida do casal Rigoberto e Lucrécia, separados por um escândalo familiar ligado a Fonchito, cujas atitudes ambíguas e provocadoras suscitam dúvidas sobre inocência e manipulação. Vargas Llosa utiliza o personagem do jovem Fonchito para problematizar o desejo, a perversidade e o poder da sedução, num jogo psicológico inquietante.
4. Tia Júlia e o Escrevedor (1977)
Este romance cómico, ambientado na Lima dos anos 1950, conta a história de Marito, um estudante e
aspirante a escritor que se apaixona pela irmã da sua tia, 13 anos mais velha. Marito faz também amizade com um roteirista boliviano excêntrico, responsável por escrever radionovelas diárias para uma estação local. A narrativa é vagamente baseada no primeiro casamento de Vargas Llosa, aos 19 anos, com Julia Urquidi, então com 32 anos, que era de facto sua tia por afinidade. Urquidi viria mais tarde a dar a sua própria versão dos factos na obra Lo que Varguitas no dijo (O que o Varguitas não disse).
5. A Guerra do Fim do Mundo (1981)
Considerado uma obra-prima trágica, o romance inspira-se em factos verídicos ocorridos na Bahia, Brasil, no final do século XIX. Num período de declínio económico após a queda do Império do Brasil, os pobres são atraídos por um pregador carismático, António Conselheiro, que profetiza o fim do mundo. Condenado pela Igreja, Conselheiro lidera os seus seguidores até Canudos, onde fundam uma comunidade utópica. No entanto, o povoado desafia a autoridade do governo nacional, o que leva à deflagração de um violento conflito quando exércitos são enviados para reprimir o movimento.
6. A Festa do Chibo (2000)
Retracto impiedoso da tirania política através da figura do ditador Rafael Trujillo, "o Chibo", cuja governação sangrenta na República Dominicana se estendeu de 1930 até ao seu assassinato em 1961. O romance acompanha o envelhecido Generalíssimo no seu último dia de vida, enquanto os seus assassinos se aproximam, pintando-o como uma figura grotesca cuja decadência física não impede a sua postura vaidosa e dominadora. Em paralelo, uma narrativa alternativa mostra o impacto humano da sua ditadura, através da história de uma mulher que, em criança, foi entregue pelo próprio pai aos abusos sexuais do ditador. A obra evidencia como os efeitos de uma ditadura persistem mesmo após a sua queda. Foi elogiada pela sua vivacidade, mas também criticada por alguns pela sua abordagem contundente.
7. Travessuras da Menina Má (2006)
Este romance gira em torno de Ricardo Somocurcio, que, ainda adolescente no Peru dos anos 1950, se
apaixona por Lily, uma jovem imigrante pobre. Lily desaparece subitamente. Nas décadas seguintes, enquanto Ricardo trabalha como tradutor na América do Sul e na Europa, reencontra diversas vezes a "menina má", que está determinada a alcançar riqueza e poder. Ricardo permanece obcecado por ela. Em cada reencontro, Lily surge com uma nova identidade e finge não o conhecer, numa metamorfose constante e misteriosa.
8. Dedico-lhe
o meu silêncio
Este romance de Varga Llosa o devolve aos terrenos da
utopia; desta vez, com a música peruana como fio condutor. O protagonista da
história, Toño Azpilcueta, é especialista em «música crioula» e descobre um
violonista, Lalo Molfino (personagem de Travessuras da Menina Má). O talento do
violonista revive o amor de Toño pelas valsas, marineras, polcas e huaynitos,
peças enraizadas na música popular do país. A música crioula não é apenas uma
marca do país; é muito mais importante: um elemento capaz de provocar uma
revolução, quebrando preconceitos e barreiras raciais para unir todo o país.
O romance decorre no início dos anos 90, em plena
ofensiva terrorista do movimento comunista Sendero Luminoso. A música revela-se
como elo de união de uma sociedade e o virtuosismo de Lalo Molfino seria
decisivo. Toño Azpilcueta decide investigar o guitarrista para descobrir como
ele se tornou um músico tão excelente.
Assim, viajou pelo Peru até à sua terra-natal, mergulhando
nos seus mistérios, na história da sua família, nas suas relações amorosas. É
então que tem a ideia de escrever um livro para contar a história da música
crioula.