Não à Morte da Crítica em Moçambique (Que se distancie de nós a Fatwa)

Não à Morte da Crítica em Moçambique (Que se distancie de nós a Fatwa)


Em 1992, Salman Rushdie, escritor indiano naturalizado britânico, foi condenado a Fatwa (pena de morte, sentença jurídico-religiosa) pelo líder religioso muçulmano xiita do Irão, Ruhollah Khomeini, após ter publicado um romance intitulado “Versos Satânicos.” O mundo ficou perplexo com esta perversão, dado que um escritor era colocado no “beco da morte” por ter usado a sua criatividade e liberdade de expressão para fazer literatura. 

Atormentado pela Fatwa, Rushdie sempre foi vítima de perseguições por parte daqueles religiosos extremistas que, também, procuram receber as suas bonificações ao conseguir assassiná-lo “no contexto da ordem de captura internacional.” 

Por muitos anos, Rushdie viveu escondido, fugindo de um lugar para outro, sem dar as caras ou falar livremente em público sobre o seu trabalho. 

Nos últimos anos, entretanto, o homem já começava a abrir-se ao mundo, falando em conferências, publicações de livros e entrevistas, até que em 2022 fosse esfaqueado num evento em Nova York. O homem perdeu um olho, e um dos braços já não funciona da mesma forma. 

Tendo em conta a maldição que persegue Rushdie – um homem que apenas trabalha com as palavras – vejo-me bastante aterrorizado com o facto de em Moçambique correrem notícias sobre uma onda de ameaças e intimidações direccionadas ao Sérgio Raimundo - Militar, um jovem escritor que em breve publicará o seu livro de crónicas . Trata-se de um jovem cronista que aborda os conhecidos problemas do seu país. 

Tais ameaças são nojentas, estúpidas, vergonhosas, e constituem armas nucleares para a destruição da nossa jovem e deficiente democracia. Não há razões para se intimidar um escritor, não interessa a motivação; somos livres de pensar, metaforizar, ironizar, criticar e dizer que está errado o que muitos consideram correcto. Esta é a função do escritor, ver o invisível dentro de uma escuridão hermética.

As ameaças atormentam-me mais ainda porque também sou um jovem com loucas e teimosas pretensões literárias, sonho todos os dias com cenários, personagens, diálogos, sarcasmos, e mais. Escolhi a escrita (na sua vastíssima significação) para existir, para ser eu, para ser moçambicano – mais um contribuinte no processo da contínua democratização deste país. Aliás, a democracia é feita de livros, pensamentos, contraditórios, cuspidelas verbais, oposição de ideias e exposição do diabo que mina o desenvolvimento humano de cada um de nós. Precisamos de escritores subversivos para, por exemplo, combater – na concepção do filósofo Achile Mbembe – a Necropolítica ou o totalitarismo, tal como fizera o recém-falecido Kundera, ou George Orwell.

O mais incrível reside na teimosia da subversão. Ela multiplica-se, as pessoas lêem, as pessoas pensam, as pessoas sentem, as pessoas conhecem a verdade por mais que se distanciem dela.

Por favor, deixem-nos sonhar com um Moçambique literário, não nos cortem as pernas, ainda temos muita tinta para sujar o papel em nome de Moçambique, uma nação que pertence a todos nós, a todo profissional, seja advogado, pedreiro, mineiro, enfermeiro, escritor, livreiro, carpinteiro, vendedor… só não permitimos que este país pertença aos profissionais que se dedicam à ameaça, ao assassínio, à borla, ao totalitarismo, ao lambebotismo e à censura.


Por Albert Dalela


Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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