14 de Fevereiro um bom dia para... terminar

 

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“Os que de namorados nada têm, por favor de não ocuparem o dia 14 de Fevereiro de graça!” Conversava o motorista com o cobrador enquanto estacionava numa das paragens e descarregava um e outro passageiro. Acabara de receber o troco. Conferi! Enquanto isso, o cobrador concordava com o motorista: “Dia 14 de Fevereiro já não está com os verdadeiros donos, sabe?” E o chapa avançava, parava, parava, avançava, na tecla desse tom de ideias.

Todos no chapa continuaram mudos. Havia um jogo de fingimentos: o motorista e o cobrador fingiam falar um com o outro quando na verdade dirigiam-se aos passageiros. Os passageiros fingiam-se surdos e ausentes no chapa, mas estavam bem presentes na conversa, daí que um e outro riso denunciava comparência. Eu dali a três paragens desceria. Aquelas ideias desviaram o percurso dos meus pensamentos. Veio-me à alma que realmente tem havido um sequestro ao Fevereiro. Principalmente o 14, devia ser um dia, um lugar ou instante digno de ser ocupado por pares comprometidos com a coisa do amor. Há que entender essa coisa de amar! Sei que é estranho falar de amor frente a uma plateia de uma geração que quase tudo deixou de ser real e passou a ser virtual. Mas essas são vírgulas e parágrafos para uma outra história.

Enquanto o cobrador, feito um general naquela sua minúscula jurisdição de 15 lugares, intercalava a imposição do famoso quarenta-quarenta com as conversas com o motorista, discutia eu com os meus botões. Vieram-me aquelas velhas questões neste tipo de mesas-redondas: o que é o amor? O amor existe?

Queiramos admitir ou não, há gente que ainda se ama mesmo sem saber o que é amor. Há gente que ainda acredita no amor mesmo sem saber se existe. Há gente que ainda vê no outro o seu Mundo. Há gente que se serve do amor mesmo sabendo que este não enche barriga. Logo, Fevereiro e o 14 a estes pertence por direito, na saúde, doença, até que a morte faça das suas. Perdoem-me os que não encontraram nenhuma rosa no amor e traumaticamente concluíram que ele é só mar de espinhos.

E há que concordar com o homem das entrevistas na paragem e o seu motorista. Por respeito e honra aos que se revêem nessa órbita de luz à velas, flores, corações, etecetera, convém não ocupar lugares à mesa em vão. É mister dar ao César e à Cesária o que lhes pertence. Sai mal numa selfie um casal que se ama como as regras do amor mandam, chegar no calendário 14, do São Valentim, e não poder usufruir do momento. Isto porque um tal casal, que esquartejou o próprio amor há muito, querendo passar despercebido decidiu fingir estar na última dimensão do amor, numa mesa à luz de velas, de mãos dadas, quando na verdade a sua relação já partiu desta para a melhor e o que restou são almas mais sombrias que gémeas. Almas essas tão mal assombradas que só se pregam terror. Para piorar, entre os dois ronda uma nuvem negra de traição. Razão pela qual o namoro não sabe o que é adormecer tranquilamente no leito do amor.

Sai mal numa love-selfie um casal que realmente se ama ter o dia perturbado por namorados assombrados pelo espírito do amor que eles mesmo envenenaram. Daí que sofrem com vultos e aparições de um cupido fantasma que traz sustos a cada dia que amanhece: ora é uma mensagem rasgada no coração e por isso nunca mais foi ou veio; um beijo ou a sabor do beijo-judas ou que há meses não vê a luz do sol nem o céu da boca; ora um acto sexual que passou a ser pecado entre os anjinhos e por isso caiu no esquecimento e desuso: nunca mais foi feito!

Enquanto o motor da conversa entre o cobrador e o motorista aquecia o bate-papo entre mim e os botões da minha camisa também rasgava-se. Lembro ter deixado aos botões um longo discurso, mais ou menos, nestes moldes:

“14 de Fevereiro tem donos. Sim! Pertence àqueles: que o namoro lhes é casa e realmente lá moram. Não vêm só passar férias ou de noite; que cuidam das paredes do coração um do outro; que a primeira pedra lançada na fundação, do namoro, sempre foi respeito, cuidado e consideração um pelo outro; que as portas do coração sempre estiveram mutuamente abertas e empatia vai e vem no jardim das suas paixões. Estes são os donos, os que têm o que celebrar nesse dia nascido lá há não sei quando.”

É, realmente, tempo de entregar o 14 aos namorados, donos por mérito. Se os “orados” ou “morados” sequestram dias como estes, aos namorados qual lhes será o dia?

Como se não bastasse, antes de gritar paragem deu para sussurrar o seguinte aos meus pacientes botões:

“Sendo o coração a casa do amor o namoro não devia ser casa assombrada. Se o namoro tornou-se uma casa assombrada, há que desocupar a moradia enquanto é tempo. Caso não, é o que temos visto nos dias 14: duas estátuas, sem coração ou com coração de pedra, de mãos dadas a circular pela cidade de vermelho num movimento mecânico. Poupem-nos de ver beijos mais falsos que algumas notas de metical. Que saiam desta montra do amor os casais manequins e entre gente que sente, de verdade, um pelo outro o coração bater. Dia 14 é para os que realmente têm algo por celebrar. Há namoros que não foram feitos para ver a luz do sol de nenhum 14, imagine de Fevereiro. Permitam-me, só por enquanto, ir na contramão da ideia de que 14 de Fevereiro é um dia para renovar, perdoar etc.: aos indecisos, aos que não sabiam quando fazer mas sentem que já deviam ter feito, aos que de namorados nem água vai nem água vem, 14 de Fevereiro é um bom dia para terminar.

– Paragem cobra-dor!


Silmério Uaquessa

 

 

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