O Íntimo de um Ser Solar - I

O Íntimo de um Ser Solar - I

O Íntimo de um Ser Solar

João Timane


Nasci entre as pernas da dona Palmira, numa madrugada de 6 de Setembro de 1993, pela graça de Deus. No norte do bairro do Fomento, no sul da Cidade da Matola, ao som do Afrobeat de Fela Kuti, a madrugada abriu caminho para que os anjos do céu tocassem flautas e música africana no jardim de casa. Os anjos e os meus pais escreveram um poema de amor no mais profundo da minha alma e cantaram louvores em agradecimento a Deus pelo nascimento do menino. Sou fruto da engenharia de Deus, dos seus mais belos sonhos e pensamentos. Sou filho da dona Palmira, do suor do senhor Henrique. Recém-nascido, eu chorava outonos e respirava primaveras. Batizaram-me com o nome de Morgado. Passados alguns anos, cresci e ganhei um nome carinhoso de casa, Gadinho. Assim carinhosamente chamado, pela família e pelos amigos mais próximos. Meus olhos castanhos cor de mel tinham luz e brilho que até hoje permanecem. Meu sorriso brilhava mais que o sol de Setembro, e até hoje ainda brilha. Nasci do útero do rio de Deus, no estômago do corredor de casa, próximo a boca da varanda, que tem uma vista para o jardim. Sou um sonhador incorrigível, meu espírito carrega grandes doses de esperança. Sou um africano, nascido no mar moçambicano, numa África dos africanos e não africanos. Sou um jovem que escreve, luta e sonha viver numa África Africana. Sou um poeta ambientalista, o meio-ambiente me torna poeta, e através da bússola da poesia reencontro os sonhos da minha infância. Sou apaixonado pelo meu país, pela África, pelas causas humanas, pelo mundo e pelas ternuras da poesia. Amo a vida e ela também me ama. A minha força ancestral e a energia do meu corpo negro caminham de mãos dadas com a herança e a grandeza dos meus antepassados. Minha africanidade e moçambicanidade estão sempre presentes em tudo que escrevo. Sou paisagem desconhecida.


Os meus olhos têm o resplendor do fogo. A minha alegria tem a agilidade do vento. O meu coração tem a profundidade do mar. A minha alma tem a estabilidade da terra. O meu corpo e a minha africanidade têm a firmeza de uma rocha. Os meus sonhos e as minhas lutas têm a força dos céus. Hoje acordei com vontade de abraçar África, o berço de toda a nossa história e lutas. Nunca me separo da África porque a trago dentro de mim. Separar-me da África significa dar costas aos problemas reais que assolam o meu continente. A fome, a pobreza, a miséria, a corrupção, as instituições sociais, económicas e políticas desvinculadas da sua missão. Por isso que trazer África dentro de mim, é trazer os seus desafios e soluções. A África que me preocupa é a mesma África que preocupa os europeus, americanos, asiáticos e tantos outros povos. É a mesma África que tira o sono de Peter Singer, Rawls, Amartya Sen, Thomas Kesselring e tantos outros. É a África dos africanos e não africanos. Meus livros são cartas de amor que escrevo às minhas origens, a África, ao meu país, ao povo africano, e a todos os povos do mundo que sonham com uma África livre. Escrevo e luto pela liberdade intelectual, financeira, espiritual, cultural do meu povo negro.


Por Morgado Mbalate


Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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