Crime e Castigo: Um Ensaio sobre Peso de Consciência

 

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A atmosfera é gelada e arrepiante. Um estudante paupérrimo, totalmente perturbado e com fantasmas existenciais, desfere machadadas na cabeça de Alena Ivanovna, uma velha prestamista que lhe penhora uns míseros bens. Não bastou catanar a velha, o jovem estudante, com o mesmo instrumento a jorrar sangue e suor, desfaz a cabeça da irmã da prestamista, Isabel Ivanovna.

Isto já não é novidade. Todos conhecemos o jovem que Fiedor Dostoiévski, em Crime e Castigo, chamara Raskolnikov ou simplesmente Ródia. 

Ao longo da leitura, questiono-me continuamente o seguinte: por que motivo Ródia cometeu o homicídio?

 A mesma questão, por acaso, surgira-me quando, por Albert Comus, me fora apresentado o jovem Mersuel em "O Estrangeiro".

Entre estes personagens não vejo outra coisa senão a crise existencial, senão a culpa (ou o peso) que o Homem sente por meramente existir, ou por ser incapaz de compreender o factor causador do péssimo-humor, da indiferença, da inconsequência, da melancolia... Junta-se a esta dupla o protagonista de Sarte em " A Náusea", um homem que, a partir de estudos circunspectos a uma mosca morta, tenta examinar-se a si mesmo, para "descobrir" a essência da sua melancolia. 

O crime, para Ródia, define-se como um direito individual escolhido por indivíduos de carácter extraordinário... Somente estes assassinam sem piedade, mas, por mais forte que sejam, não escapam à consciência, ao julgamento interno que principia e finda lá dentro do próprio homicida. O  mesmo peso de consciência que maltrata Ródia. 

A consciência questiona-lhe: o que te levou a assassinar a velha, é o dinheiro, as jóias, os relógios?

Com isto, Dostoiévski quer significar  que o maior juiz deste ser que chamamos Homem é a mente. Quando a mente pesa, a carne adoece, as pernas entram em crise, o coração palpita, os olhos viram-se para baixo, as mãos tremem...

 Debate-se com a consciência, não se pode fugir de o que está lá dentro de nós, mas ao Homem-Juiz pode-se lançar argumentos enganosos e à Justiça Oficial pode-se ludibriar com um pseudo-comportamento exemplar.

A Tortura vivida pelo protagonista perante o juiz de instrução, Porfírio Petrovich, que recorre à ironia para suspeitar e acusar, revolta-nos porque, embora Ródia tenha cometido o crime, amamo-lo, não gostamos de vê-lo encurralado.

A mesma revolta sentimentos com a morte trágica  de Marmeladov. Uma morte desprezada e tomada de ânimo leve. Algumas pessoas, incrivelmente,  "combinam" em não participar do funeral, por considerar o morto um homem superficial e sem estatuto social. Alguns até chegam a  participar, mas  de forma indiferente, sem dirigir a palavra à viúva Catarina Marmeladov. Não a respeitam, sentam-se à sua mesa, apenas trajados de pijamas. Com isto, percebemos a ironia e a indignação do autor ao retratar as diferentes classes sociais daquela época, século XIX.

"Se os expulsarem, meus filhos, esperem-me na rua... Veremos se há justiça no Mundo."

Quando a mente tortura, somos obrigados a confessar. Mas o que realmente levou  Raskolnikove confessar o seu crime a uma orfã prostituta? Provavelmente por querer sentir-se um rei, chegar aos calcanhares de Napoleão, homem da sua admiração.

Crime e Castigo - assemelhando-se a Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, submete-nos a um campo lexical que debate com a espiritualidade: entre bondade e maldade, pecado e confissão, esperteza e astúcia, crença e descrença, vida e morte.

Crime e Castigo & Conde de Monte Cristo fazem-se passar por "bíblias" literárias, mendigam paciência e circunspecção para que se revelem ao leitor, constituem uma verdadeira definição da expressão que Umberto Eco designara Máquina Preguiçosa, por constantemente exigirem força e trabalho ao leitor.

O que dizer sobre Svidrigailov que, ao longo da narrativa, se mostra uma personagem plenamente complexa, um verdadeiro sínico escondido por detrás de argumentos juridicamente plausíveis? 

É proibido falar sobre um livro que milhões de vezes já foi debatido incansavelmente, peço desculpas, mas espero que esta breve confissão não me leve à Sibéria.

Por Albert Dalela

Fernando Absalão Chaúque

Professor, escritor, poeta e blogueiro. Licenciado em Ensino da Lingua Inglesa. Autor de ''Âncora no ventre do tempo'' (2019) e co-autor de ''Barca Oblonga'' (2022).

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