Os livros não falam por si

 

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Nos grandes encontros de festivais literários e feiras de livros tem sempre aparecido espécie de uma gentaça sem cultura de leitura, uma gente grosseira, com aquela pergunta imprópria: «sobre o quê fala este livro?» 

Aconteceu no último Julho, no centro cultural Machavenga, durante o festival "noite de abraços", um grosso e tal, cheio de si, enchendo os braços com a namorada, aproximou sorrateiro para a mesa de livros, e então: 

«Quais autores têm aqui?»

Caiu um silencio duro.

«Que monstro é este!» espantei-me. 

«Tens ali os nomes de autores nas capas…», rematei aborrecido. 

«Vejo ali o Mia Couto…» 

Calei-me. 

«Tem aquele livro daquela senhora (…) escreve sobre poligamia, e acho ganhou prémio em Portugal…»

«A Paulina Chiziane» intercalou a jovem especada do meu lado esquerdo. 

«Deixa-me ver na caixa, é provável que tenhamos» disse o outro jovem do meu lado direito, dobrando-se sobre a caixa de livros como um ramo quebrado.

O fulano agarrou um outro livro ( O gato e o escuro), e indagou «De quem é este?»

«Tens aí o nome do autor na capa…» repliquei com o rubor a subir no sangue, mas no mesmo instante, a jovem cheia de modos respondia sobre a minha fala:

«É do Mia Couto…» 

«Fala sobre o quê este livro?»

«Os livros não falam por si» explodi de chofre «É preciso lê-los», sentenciei.

O fulano recolheu-se com a sua namorada para o fundo de ajuntamento de participantes do festival onde a penumbra do entardecer descia silenciosamente! 


Nelucha das Dores 

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