Em On The Road, somos introduzidos a uma literatura nua e crua, que desconhece padrões academicistas e jargões perfeccionistas.
Os personagens de Jack Karoauc são famintos, pedintes, ingénuos e politicamente incorrectos. William Borroughs a personagens semelhantes serviu um Naked Lunch (Almoço Nu).
Estes personagens nos guiam a uma Nudez Literária, que incoraja a mendicidade, o improviso e a espontaneidade.
Numa entrevista concedida nos anos quarenta, Karoauc afirmou ter escrito On the Road em três semanas, relatando as aventuras que protagonizara em sete anos com Neal Cassady.
Em três semanas, Karoauc autoficcionou-se e soube transformar Cassady em Dean Moriarty, um personagem inconsequente, mulherengo e financeiramente paupérrimo.
A riqueza deste romance, de pouco mais de 400 páginas flexíveis, reside exactamente na inconsequência, no consumo desmedido de álcool, drogas, e na prática de sexo a vapor. As viagens, por sua vez, constituem ponto nuclear da narrativa e o jazz - no auge do bop - ecoa em jeito de trilha sonora.
Esta imagem subversiva e revolucionária, encabeçada por este romance, foi suficiente para que John Lennon optasse em atribuir o nome The Beatles à sua banda. Um nome que se inspira nesta Geração Beat, representada por Jack Kerouac, William Borroughs e Allen Ginsberg.
Este movimento rejeita o estilo vanguardista, agride o "status quo" e diz não ao politicamente correcto. Esta forma de lidar com a literatura, no entanto, já havia sido inventada por John Fante. Ou seja, Fante já nos tinha brindado com a sua espontaneidade em Pergunta ao Pó.
Fante não fez parte da Geração Beat, mas há que se reconhecer que ele foi o mestre deste movimento, inspirou-o, doou-o o seu sangue e a sua visão. O pai de Arturo Bandini foi lido por todos os homens desta Geração, inclusive por Karouac, embora fosse Deus de Charles Bukowski.
Sal Paradise, alter ego de Kerouac, tem graça, é um escritor à semelhança de Bandini. O ponto mais interessante entre estes dois reside no amor pela vida, são "loucos para serem salvos."
No entanto, Sal Paradise vai mais longe, porque "confia nas pessoas loucas, as que são loucas para viver, para falar, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas.”
Mais louco ainda é Dean Moriarty, que em cada paragem, ao longo da viagem, deixa um filho... Moriarty não quer crescer, é um "pimp", um irresponsável que, mesmo tendo o dedo podre e escuro de sujidade, continua sedento de tudo, quer beber, quer maconha, vinho, cerveja, putas, velocidade e mais viagens. Não se deixa enganar por moralismos, não escuta a ninguém senão a ardente vontade de se ferir a si próprio e os companheiros.
Por outro lado, Old Bull Lee (inspirado em William Borroughs) só quer saber de tubos, agulhas e doses de drogas para injectar no braço. Karlo Max (retrato de Allen Ginsberg) não pára de recitar os seus poemas, escreve compulsivamente, atormentado pela vontade de copular com seres do seu próprio género.
Ética, moral e santidade? Não! Por favor, deixa isso com os críticos, com os bispos, com as escolas, com os jornalistas...
On The Road é um robusto retrato que exalta uma geração de jovens embebedados pela complexidade da vida. Estes buscavam a "verdade literária", cultivavam a "espontaneidade da estética." Escreviam sem compromissos, não tinham intenções de agradar a Escola Americana dos anos 50. Aliás, alguns membros desta Geração foram banidos, rejeitados, censurados e taxados de loucos.
Até podiam ser loucos, mas doloroso é pensar que Jack Kerouac, John Fante, Charles Bukowski e Henry Miller nunca estiveram na mesma sala, a debater sobre a vida, a filosofia, a literatura e o tempo. Aliás, se estes tivessem estado juntos, num só debate, já teríamos obtido respostas sobre a complexidade das mulheres. Estes conheciam os fantasmas que atormentam o ser feminino. Para tal percepção, entretanto, não recorreram a religiões.
Mais um porém... o Rock, o Hip Hop (e o cinema como o conhecemos hoje, vejamos: Fight Club) devem muito à Geração Beat.
Sem esta Geração, estes géneros musicais provavelmente não teriam sabido explorar com excelência a subversão, a mania, a crítica, o carácter revolucionário, a espontaneidade e o freestyle.
Somos todos filhos destes "santos antiéticos."
Por Albert Dalela