Azagaia e Dama do Bling - Miss e mister Moçambique - O retrato da vaidade social

 

Azagaia - Fonte


A beleza é vista como sinónimo de sucesso, felicidade, fama e outros substantivos que são difíceis de mensurar por causa da sua natureza qualitativa. A vaidade é um dos pecados que tem nos acorrentado de forma recorrente; podemos fugir dos demais pecados capitais, mas a vaidade é como se não quisesse que entrássemos no paraíso no dia do juízo final.

 É muito fácil alguém assumir que é guloso, mas difícil é se ilibar dos traços vaidosos de uma sociedade compulsivamente consumista. Essa absolvição, talvez seja difícil de alcançar, porque os traços da vaidade são incutidos em nós de forma implícita nas relações sociais. Está na moda ser belo neste mundo, difícil é se andar feio por essas bandas, os feios que nos digam como é suportar o calvário dos dedos indicadores e dos olhos pousando nos seus corpos. “Não é fácil perceber que a tua feiura é sinónimo de abominação?”, (risos).

A sociedade vende o encanto da beleza como água no deserto, e nós comprámo-lo como se fosse água benta para espantar demónios e purificar o corpo dos pecados indeléveis. E o que nos cobram sem recorrência para pagar a tal desejada beleza, é a perda da nossa identidade.

Miss e mister Moçambique, uma das faixas extraídas do álbum Kubaliwa do rapper e activista social Azagaia, retrata essa busca desenfreada da sociedade pela beleza perfeita. Azagaia, Baka, Dama do Bling e Xixel Langa dão vida a esta crítica social grafada à moda literatura cantada.

 “Ela passa na passarela, olhos, param para ver passar ela”, assim alvorece a voz do Azagaia num tom suave e melódico. Embora o autor expresse de forma explícita o conteúdo do verso, podemos interpretá-lo em dois prismas, primeiro, numa forma afigurada da beleza, e segundo, no sentido literal das entrelinhas que fala do meu sexo oposto. A primeira interpretação é nítida se olharmos para o verso num sentido poético, já a segunda interpretação, não precisa de um exercício mental longo porque o autor discorre o seu parecer na continuação do verso: “ela sempre a procura de algo que a deixe mais bela”. Fica claro através do pronome, que a mulher é o pano de fundo.

A busca da beleza perfeita não se difere com quem consome drogas, quer seja drogas lícitas ou não; a dependência escraviza quem busca felicidade nas coisas materiais. “Novas pomadas para clarear a pele, combina com extensões e as unhas de gel”, assim expõe mano Aza o fenómeno social que escraviza as mentes dos que querem estar na moda a todo momento e a todo custo.

O fenómeno beleza não se manifesta de forma isolada, pois não teria o impacto desejado pelas empresas que compram fantasias e vendem produtos cosméticos. Para que a beleza seja considerada beleza, precisa de um símbolo que sirva de ponto de referência para equilibrar a comparação: “Miss Moçambique é tudo menos moçambicana; não é a Júlia Nwito, é mais a Rihanna, conhece mais palavras em inglês que conhece em changana; e lá vai ela, bela, espelho da novela; com o andar da Beyoncé e cabelos da Cinderella”. É assim que se manifesta a beleza, embutida num mar de comparações intangíveis. As comparações além de serem um ponto de referência, são uma forma de estrangular a essência que cada um carrega na sua existência, nos afirma o autor no seguinte trecho: “foi de penteados afros a extensões para cabelo, a negra que não é branca, mas adora aparecê-lo”.

A beleza que a sociedade nos vende, pode cobrir a nudez do corpo mas é incapaz de cobrir os traços inerentes ao indivíduo. “Tua cara é linda mas tu, não és! Teu corpo pode até mentir, mas os teus gestos não”, afirma Baka numa extensão vocal que dá vida a primeira parte do coro.

As mulheres são constantemente alvos da crítica quando o assunto é vaidade, talvez porque nos acostumaram a metamorfoses infinitas quando buscam alcançar a beleza padronizada socialmente. Para que a critica tenha equilíbrio no que se refere ao género, Azagaia não quis ser o advogado do Diabo, deu voz a Dama do Bling para que pudesse representar as mulheres. Nos tempos remotos, a vaidade era exclusiva a mulheres, mas “muda se o tempo, e as vontades também”; os homens passaram a ser vaidosos, e há quem diga que a vaidade masculina ultrapassa a feminina. Bling trouxe um retrato fiel da vaidade masculina nesses tempos contemporâneos. “Ele passa no seu carro, está de vidros fumados; se esperneia todo porque tem um carro importado”, é desta forma que Bling dá as primeiras pegadas vocais na sua intervenção, numa abordagem mais defensiva como se quisesse apagar as ferroadas do Mano Aza dadas ao sexo oposto.

A introdução da Dama do Bling não poderia ser diferente: sublime e consciente pois é exactamente essa vaidade que é vivida por um número considerável dos jovens, principalmente da capital do país. “Tudo nele é importado, da cabeça aos pés, o sapato que ele usa até o cheiro que ele tem”, casos notáveis, esse argumento pode ser validado nos cenários que fazem das noites da metrópole dos “fofinhos” as mais longas do que em qualquer outro ponto do país. O “showoffismo” permeia as entranhas dos mancebos da minha cidade, Bling expressou o desdobramento desse “showoffismo” melhor do que eu podia fazê-lo, as entrelinhas deste verso estão mais claros do que um dia ensolarado de uma tarde de Novembro: “se tem dinheiro, pensa que daí vem a beleza; são notas de mil para conquistar uma donzela, a triste realidade é que é dinheiro de mesada”. A mesada de muitos jovens tem iludido muitas jovens, que acabam edificando um futuro risonho num solo propenso a inundações. Sede mais vigilantes mulheres, um rei sem castelo não se difere de um mendigo que assalta contentores de lixo! 

O retrato da vida dos jovens continua, “o amor não conhece idade”, esse frase leva muitos jovens a perdição como salienta Dama do Bling: “para satisfazer caprichos, namora com uma kota, diz que adora mulheres velhas, ele só quer a sua mola”, ou seja, o amor não tem idade quando os interesses materiais do jovem falam mais alto que a mudez do seu coração. Após a satisfação dos interesses ou das necessidades como afirmaria Maslow, o jovem perde todo o seu encanto como se fosse um príncipe que se “ensapou”, “na terceira garrafa, o sofista vira porco; já não esta no restaurante, o cenário é de barraca… já não diz por favor, serve daí camarada; de cachorro pedigri a cachorro vira-lata”, é sem sombra de dúvidas uma captura perfeita da fotografia que faz algumas madrugadas dos jovens; Bling foi uma fotógrafa profissional ao capturar essa imagem com palavras. E para dar um cunho impactante e significativo ao discurso da Bling, Xixel Langa dá vida a segunda parte do coro como se estivesse num duelo verbal com Baka: “teu carro é lindo mas tu, não és! Teu bolso pode até mentir, mas os teus gestos não.”

Miss e mister Moçambique, tem muito que ser explorado para se compreender racionalmente alguns desequilíbrios da vida juvenil; é uma música que me atrevo a dizer que retrata com perfeição o modus vivendi de alguns jovens, principalmente os da capital do país. Jovens, sejamos mais vigilantes, a beleza social é uma vaidade que termina quando o bolso não consegue mais se estender; sede mais vigilantes, a sociedade é um lobo na pele do cordeiro, que á qualquer momento devora os menos atentos e ingénuos.


Arnaldo Tembe

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