O beijo da feiticeira cega



Foi ao entardecer, apesar de nunca me ter familharizado ou ter inclinação com racing motorbike, saí em companhia de meus dois amigos, amigos como quem diz, isto porque não reconheço seus rostos, nem fazem parte do meu círculo de amigos, cada um com sua bike, mergulhamos por uma trilha íngreme entre a sebe, uma trilha de areia vermelha, escolhemos um ponto de partida, e de lá começou o falso racing motorbike dentro do sono. Ignoro como, mas corria no segundo lugar, apesar de ter acelerado até ao fim, um fulano que estava a minha trás ultrapassou-me em curto espaço de tempo. Corri em segundo lugar, lutava para o encontrar e nada, ao que vinha detrás de mim, com muito insucesso conseguia me ultrapassar, ou seja, eu sentia dentro de mim que o obstruía o caminho (tudo cilada da feiticeira cega, uma mulher gorda de olhos pretos). Em meio a alta velocidade, falhei a real trilha do racing e embrenhamos eu e o meu seguidor por uma trilha muito íngreme como um precipício, e de lá fomos descendo com a mão sufocando a embriagem, as mãos firmemente segurando o volante (não me lembro de portar capacete, nem das pernas premindo o freio pra atenuar a aceleração), mas usava umas botas pesadas que iam até aos joelhos.

Aconteceu como acontece em jogos de computador, a trilha estava bloqueada, havia montões de areia vermelha, deixados por uma pá escavadora, foi ali que vislumbrei o fulano que ia pela nossa frente a passar do outro lado mais alto da trilha, depois de imobilizar a minha motorbike com um risco do pneu sobre a areia vermelha e com medo de ser embatido pelo outro fulano que me seguia, caímos no túmulo recém erguido pertencente à  feiticeira cega, que fora arrastada pela escavadora para abrir caminho. Então, havia um mini-bus que também perdera a trilha e vinha pela nossa frente, em meio a lama, havia chovido há dias, e as minhas botas carregavam camada de terra vermelha, lutava para manobrar e voltar à trilha correcta. O motorista era um amigo com quem por vezes disputava o jogo de damas, e uma cobradora mulher que parecia minha prima. O minibus estava sem ninguém, nenhum passageiro. Foi então, que reconheci o fulano que ia pela minha frente, era um amigo do tempo de escola, e que agora temos juntos bebido uísque no mercado às sextas feiras. A minha motorbike sempre desconfiei que não tivesse mesma capacidade de velocidade, de tal maneira que me lembro de um tal dia termos trocado de motorbike e mesmo assim fiquei para trás tendo suspeitado o desconhecimento da trilha pela qual corríamos.

Este garfo usamos para comer carne de pessoa, e esta grelha para assar; explicou-se a mulher quando foi questionada pela população que prontamente veio se aglomerar no meu quintal de espinhosa, com assobios de ovação. Ninguém ali no bairro a conhecia, era uma feiticeira enfeitiçada pelo próprio feitiço. 

Fui abandonada pelas minhas amigas aqui no tecto, disse ainda mais quando a população quis saber como conseguiu subir até ao tecto. Entre risos lembrei quando havia perdido voo pelo ligeiro atraso. E aquela mulher, atrasara-se no ofício de chamuscar a carne humana e o seu voo de peneira decolara sem estar a bordo, e ali ela estava cheia de vergonha. Era uma feiticeira confessou para a polícia que a veio recolher para a décima terceira esquadra.

Embrulhado de medo de ficar com um feitiço dela, debatia-me com a força toda até que consegui desvencilhar-me das suas mãos. Em meio ao escuro, despertei quieto na cama e busquei a razão (era um sono com a maldita turma de feiticeiros) senti-me perpendicular a cama (foi uma luta renhida) o travesseiro estava no chão, o livro com folhas amarfanhadas, o cobertor pingando no chão. A dor na barriga era forte. Uma secreção de saliva amarga acumulada na boca, (havia aprendido com a minha namorada que aprendeu da mãe, minha sogra, que também aprendeu da própria mãe, que a própria mãe também aprendeu da mãe dela que se supõe ter aprendido da mãe dela que também tenha aprendido da própria mãe, a primeira saliva depois de sonhar devia ser cuspida para o feitiço não se materializar em si) então, levantei e abri a janela (a minha cama ficava muito próximo à janela) cuspi um líquido feito um molusco, cuspi um líquido, uma secreção sedoso, melosa, e fiquei a ler, mas antes redigi este episódio para publicar na minha linha do tempo das quintas-feiras, no blog tenacidades das palavras.


Nelucha das Dores 

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