... A minha mulher não
Morreu, apenas encarnou
no corpo de outras mulheres
[...] — Dizia meu pai, Pedroca Dámela
Foi
assim que ele se tornou num vacabundeador solitário. Sem ajuda nenhuma. Nenhumas
no plural. A minha mãe dizia: quando eu
morrer, meu marido, ama as outras assim como me amas. Mas, pobre homem, não
entendia as parábolas da sua própria esposa.
Meu velho,
Pedroca Dámela, sempre que trouxesse mulheres à casa, usava um ditado, um ditado
só dele: esta é a tua mãe, apenas com a
aparência diferente. E sorria, alegremente. E eu ficava ali, na varanda,
pensamentando-me com as saudades. Um dia o meu pai chorou. Chorou tanto que a
mulher com a qual estava correu, fugiu, assustada. Vou contar-vos o sucedido...
Certa vez,
Pedroca Dámela penetrou escondidamente no seu quarto com uma tal de Lembramina.
Ela foi a única que fez meu velho se recordar da minha mãe. Nessa noite, após a
penetração sigilosa do meu velho, eu saí para o exterior da casa, sem incômodos
nem perturbação. Fiquei ali, perante a lua e as estrelas. Olhava as estrelas
como se olhasse o brilho dos olhos da minha mãe. Olhava a lua cheia como se eu
visse o redondear do seu corpo. A escuridão lembrava-me, sem colocação nem
supressão, a sua pele escura e macia. Enquanto eu embarcava nessas saudades
inevitáveis, assustei-me. Vi Lembramina, toda ela despida, correndo para fora
do quintal. Atrás dela estava o meu velho, com o peito fora a gritarolar.
—
Lembramina, regressa, por favor! Não vai mais acontecer. – E franziu a testa,
tristonho.
Eu, no meu canto, sorria, sigiloso e disfarçado.
— Meu
filho, o que fazes aqui fora? – Apontou a palavra para mim.
— Estou
apenas a adormecer os pensamentos.
— Que
pensamentos?
Primeiro fiz uma pausa, sem linguagem nem língua, em
seguida respondi.
— Das
saudades da mamã.
— Áh! Bom...
Eu...– Quis ele continuar, mas o interrompi.
— E você,
pai, adormecendo os pensamentos?
— Sim, mas
é claro que sim.
— E de que
maneiras procura adormecer os pensamentos?
Nem respondeu, apenas simulou um sorriso e disse:
— Cada
um é cada um. Cada um com o seu jeito. O meu é um pecado.
— Se é
um pecado, por que o faz?
— Porque
tudo o que é pecado é bom.
Fiquei pensativo, sem o que responder. Foi quando ele
se deu conta de que estava descamisado.
— Xiii,
estou descamisadamente num. Vamos para dentro que eu preciso colocar uma
camisa.
— Antes,
meu pai, responde-me uma coisa?
— E é qual
essa coisa?
Fiz,
novamente, uma pausa. Calculava a intensidade e o impacto que aquela pergunta causaria.
Mas, achei coragem.
— Pai, por
que anda a trazer essas mulheres aqui a casa, a toda hora?
— Ó, Pedrozinho.
Sabes, o homem nunca sabe ser viúvo. As mulheres é que sabem viver na viuvez.
Outras aulas da vida, meu filho, vais entender quando fores grande. — Encerrou
caminhando para dentro.
E era
assim que ele me ensinava conselhos. Tempos depois, quando as aventuras do
velho cessaram, aproximou-se de mim e revelou: sabes, meu filho, a diferença
entre o vivo e o morto, é que o vivo ensina-nos a viver e o morto ensina-nos
que viver é uma tentativa saudável de adiar a morte inevitável. E, confidenciando
apenas às minhas
orelhas, acrescentava: a tua mãe
ensina-me as duas coisas...
Gaspar Pagarache, 2022