EXERCÍCIOS DO EXÍCIO - 1

I.EXERCÍCIOS DO EXÍCIO - 1

Humanos! Pelo catastrófico rumo ao qual desviamos este mundo, somos tão execráveis quanto os vermes que havemos de ser quando, após a morte, alcançarmos a putrefacção.


II.

Aos míseros que tentam sobreviver a uma vida madrasta, a morte revela-se, em feição e primor, como uma verdadeira e, portanto, legítima mãe.


III.

Vezes há em que não se sabe ser propício a mais nada, senão a morrer. Nada mais se almeja que não seja o beijo da morte. Doce e terapêutico como o que uma mamã dá a sua filha para adormecer. Nesses casos, porém, o sono pretende ser mais intrínseco e duradouro.


IV.



No instante antes da morte, vive-se mais do que a vida inteira; sem mais espectativas, experimenta-se, sob uma inerte sorte, a versão mais sincera da mais intensa e vertiginosa retrospectiva.


V.

A esperança é proditora. É, pois, por intermédio de sua traição contra nós que ela sabe ser sempre a última a morrer. Ora, enquanto por ela somos guiados, já no clímax das conflagrações, rebela-se e constrói, a partir de nós, o seu escudo.


VI.

O amor é a razão de toda e qualquer espécie de morte e é, outrossim, a diferença. Morre-se por amor ao dinheiro. Morre-se por amor às coisas. Morre-se por amor às pessoas. Morre-se por amor aos princípios e ideais. Morre-se por amor à vida. Morre-se por amor à própria morte. Morre-se pela evolução da espécie. Enfim. Só é possível morrer por amor. E, fora do amor, não há morte, posto que toda a espécie humana ama, independente das condições e implicações. O amor é, portanto, uma ponte à distância que se tem da morte; e urge atravessá-la.


VII.



Alguns gajos exercem execravelmente o direito de morrer: abraçam o amor de maneiras puerilmente contritas, e este corresponde ao amplexo, depois experimentam o clímax do abraço que os estrangula até — pelo corolário na expressão facial — se tornarem sósias de Bherizebhubhu. Melhor exercem direito tal os que, cônscios de que o amor é uma toxina, sorvem-no num único gole e passam a exibir, durante os préstitos fúnebres, uma face cujas orelhas seguram as pontas do mais largo arco-íris.


VIII.

Especula-se que ando muito empenhado em matéria de morte. Enganam-se! Não tenho encontrado tempo para me preocupar com a morte; estou inteiramente concentrado em sobreviver a vida. Ademais, urge respeitar e suportar quando a morte lubrifica os lábios alheios, ou quando dança por sobre o vértice extremo da língua de outrem, ou ainda quando respinga da ponta dos dedos alheios para desvirginar um papel; afinal, cada tempo tem sua temperatura.


IX.

Àquela espécie que, no exercício de seu direito, ocupa-se em matéria de vida após a morte, poderá se inquirir, considerando tal possibilidade: «Houve vida antes da morte?».


X.

A Morte e a Vida são gémeas. O que os desmembra é o tempo corolário da Hecatombe Nascimento. E o que faz do nascimento uma hecatombe é o corpo [ou a matéria] e todas as suas condições e implicações. A Morte e a Vida são duas espécies de energia equidistantes. A Morte e a Vida são energias positiva e negativa, respectivamente. A Hecatombe do Nascimento é uma terceira espécie de energia, que subsiste neutra porque resulta do equilíbrio entre as outra duas. A Morte e a Vida. Ambas vão em direção a extinção da matéria. Vive-se e morre-se pelo bem da evolução de nossa espécie. Todos os caminhos, independente das direções, levam a um único fado — o exício. E em breve poderemos estar quase alcançando a metade do caminho. A extinção é uma Lei Natural e, portanto, inevitável. Toda a matéria será extinta. Do microcosmo ao macrocosmo. Até o último átomo será extinto. A única entidade que sobrará é a Energia Reunida. Esse é o último estágio da evolução. A espiritualidade. Tudo será extinto. Toda a terra será consumida por energia, não sobrará nem um grão ou pó. Todos os planetas, não sobrará um único resquício de gás. E todo o universo, não sobrará sombra nenhuma. E todos os corpos, não sobrará matéria. Só energia. E nós todos faremos parte dessa energia. Porque somos vida. Digo, somos energia. Então, somos eternos. E o último estágio da evolução é a União com a Fonte, com o Princípio Último de todas as coisas. Alfa e Omega. Então, todos nós, em união com a fonte, seremos uma única espécie de energia. Espiritualmente! É por isso que estamos aqui, para evoluir.


Ericson Sembua


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