O dia ainda era um menino em fase de crescimento. Os pássaros ainda cantavam as belas músicas de embalar os sonhos. Os únicos seres livres, no planeta, são os pássaros, dizia a minha Avó Maria, sentada no quintal, contemplando o mundo com ternura. Ela se espreguiçava tanto que na sua cadeira deixava as marcas da antiguidade. Vinha-me à mente que ela nascera para cumprir o destino dos preguiçosos. Decido, então, trocar algumas falas com ela. Avanço audaz e com um sorriso improvisado pontapeio:
— Avó, porque te sentas tanto aqui no quintal?
— É para questionar a morte quando a mim chegar.
— Questionar? Como assim, avó?
— Questionar, meu neto, não conhece essa palavra? É
para saber porque é que ela me quer levar, se eu não faço nada demais. Não terei
utilidade para ela.
— Áh, percebo, avó. Mas, avó, podias, pelo menos, andar por
aí, de um lado para o outro, só para não dar preguiça às pernas.
— Meu neto! — Sorri ela, sarcástica. — Já não tenho
pernas suficiente para deambular por aí.
— Hii, vovó, você? Está bem. Tenho uma ideia, vovó?
— Não gosto de ideias. Foi assim que fomos
escravizados, por causa de ideias. Mas diga, meu neto.
— Vamos ver televisão, vovó!
— Televisão?
— Sim, televisão.
— Não quero. A televisão, meu neto, é uma outra forma
que os brancos encontraram para nos lembrar deles, do antigamente, dos tempos em
que nós éramos seus escravos. Então, meu filho, a televisão, para mim, é uma
outra forma de escravidão, mas já modernizada. Entendes-me, nzukulu?
A avó não quer
amolecer a conversa. Ainda anda perturbada com o passado. Antigamente, não
havia descanso. Era nas corridas que se devia encontrar um descanso. No seu
tempo, as balas caiam do céu mais do que a própria chuva. Hoje, para passar o
tempo, ajusta as nádegas na cadeira de palha. E contempla, com um olhar enternecedor,
a beleza da natureza. A morte não a assusta. Diz ela que a morte é uma outra
forma de alcançar a felicidade. E prefere esperar pela morte sentada, porque para
ela a morte sempre demorou chegar.