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— Não pises mais aqui. Não te quero ver mais aqui.
— Mas Benny, que te fiz? Por que me tomas assim? Eu estou grávida, mas ainda me bates e expulsas de casa. Fazes isso porque não tenho família, não tenho pais, as únicas pessoas que me restaram são os meus tios maternos que sequer sabem do meu paradeiro?
— Tios uma ova! Não és mulher, tu. Nem sei se essa gravidez é minha, para piorar. Vai... Vá... Não quero saber de ti, sua puta. Vadia!
Benny dizia isto, tareando a sua esposa que carregava no seu ventre, já há quatro meses, um filho, que, Ginoca, se soubesse que por detrás daquele Gestor Financeiro, calmo, educado, eloquente e muito bem apresentável havia um monstro, não aceitava que lhe ejaculasse, naquela noite tão romântica que tiveram, depois de dois anos Bernardo Monge à sua trás, em casa do tio que, na verdade, foi colega do pai, na altura da Texlon.
— Eu vou, Benny, eu vou. Estou cansado de ser maltratada por ti. Pequena coisa, quando entendes, vens bofetear-me.
— Vá! Vá! Vá...
Enquanto isso, Ginoca arrumava algumas peças de roupa na sua pasta de costas e pegava num xaile para reforçar a roupa que trazia no corpo que, a cada dia, ganhava mais volume.
— Cumprimentos! Vá...
Pela hora, Ginoca só tinha uma hora de tempo para chegar a Georgi Dimitrov, pois que, à hora vinte e uma, com o Recolher Obrigatório, devido à Pandemia da Covid-19 que naquela altura vigorava, não haveria transporte algum a circular e estaria em risco de ser recolhida pela polícia por desobedecer ao Decreto do Conselho de Ministros.
Ginoca toma um chapa até Magoanine, saindo do Expresso, onde morava com o seu esposo. Em Magoanine, encontra de imediato uma Coaster que chamava por Benfica. Justamente às vinte e cinquenta e oito, bate à porta do tio, em prantos, que a recebe.
Perguntada o que lhe acontecera, Ginoca só dizia “desentendemo-nos”, nunca dizia que Benny batia em si, quase sempre que voltasse embriagado a casa.
Como era de praxe, pela manhã, Benny ia à casa do tio da Ginoca pedir desculpa, imputando sempre a culpa à bebida.
Quase sempre, Benny dava porrada à esposa, mesmo grávida. Em algumas vezes, a esposa, Ginoca, ia à casa do tio, noutras, à casa da sogra, de forma permutada, tanto que olhavam para aquilo como discussão normal, principalmente porque Ginoca estava grávida e sempre se achou que fosse, igualmente, por estresse.
Ginoca vivia assim, escondendo os maltratos que tinha do marido, antes e depois de lhe trazer ao mundo o Júnior, o seu primeiro filho.
Volvidos dois anos, aquilo se intensificava, em vez de Ginoca sair sozinha, de barriga, à casa do tio, ora à casa da sogra, já ia com o Júnior e, Benny, como era habitual, ia pedindo desculpa cá e lá, culpando sempre a bebida.
Cansada daquela vida, Ginoca recorda-se de um amigo do falecido pai que era Comandante da Polícia na altura e que, naquele período, era um General na Reserva. Procurou por ele no bairro policial e achou-o. Pediu que lhe ajudasse a entrar para as fileiras e, por sorte, conseguiu ir a Matalane, à revelia do marido, que só foi saber a partir da mãe que Júnior passaria a viver uns meses em casa dela, pois a mãe tinha sido admitida às fileiras de Matalane.
O curso estava em iminência de se cancelar devido à pandemia da Covid-19, mas, para a sorte da Ginoca, arrancou. Depois dos golpes que recebera do marido, depois do sofrimento e choros diários que viveu por quase quatro anos, Ginoca já estava calejada o suficiente para aguentar os treinos. Em seis meses, foi premiada em três categorias: Defesa Pessoal, Armamento e Tiro e Preparação Física. A vida pode até nos pregar provações e decepções, mas se disto tirarmos lição e usarmos como força motriz, a luta nunca nos decepcionará.
É afecta à cidade de Maputo, no Comando da Polícia. Após o encerramento, continuou a morar com Benny, o qual pediu desculpa por tudo e prometeu mudar e lutar pela família, no dia do encerramento da Ginoca, à frente dos convidados.
Numa sexta-feira, Benny sai do serviço e, em desobediência ao Decreto do Conselho de Ministros, sai com amigos para tomar umas e chega tarde a casa. Chegado lá, encontra a esposa e o filho sentados à mesa, tomando a última refeição do dia, todo a cheirar a bebida, mas não muito grosso.
— Boa noite, aqui em casa!
— Boa noite, pai de Ju. Faça o favor de tomar banho, trocar de roupa antes de tocar em nada e vir à mesa jantar.
— Não é Comando da Polícia aqui. Quem manda nesta esquadra aqui sou eu, bebé.
— Pai de Ju, não toques em nada, vai trocar de roupa, tomar banho, depois tocas no que quiseres, Covid-19 é uma realidade.
— O quê? Vou tocar, sim.
Benny diz isso enquanto tocava nas cadeiras, no microondas que aquecia uma sopa para si e, próximo do Júnior, Ginoca volta a alertá-lo.
— Pai de Ju, não faças isso, não toques nas coisas, nem no Júnior, sem teres tomado banho.
— Quem? Eu? Eu? Toco, bem...
Tocou no filho, Júnior, enquanto Ginoca se aproximava dele para tirar o Júnior de perto.
— Mesmo em ti toco. — Diz isso levantando a mão à Ginoca, que lhe foi cair bem no rosto.
Ginoca pegou no filho, mandou-lhe ao quarto e, antes de sequer atravessar o limite entre a sala de jantar e a sala de estar, Ginoca, mesmo exposta a qualquer perigo, pois não sabia aonde Benny tinha estado, com quem tinha estado, dá-lhe um pontapé. Benny cai próximo do congelador. Ginoca vai recuperá-lo ao chão. Levanta-o. Dá-lhe uns golpes ainda de pé. Benny reage. Levanta a mão na intenção de lhe dar um soco. Ginoca, como que se estivesse em aulas de Defesa Pessoal, aplica as técnicas apreendidas na instrução. Benny tenta, de todas as formas, se defender, mas, sem sucesso! Ginoca, pelas golas, arrasta o marido ao quarto. Enquanto isso, pelos gritos do Júnior e da loiça que ia caindo aquando da luta, a casa recebe visita repentina dos vizinhos que, pela Ginoca, eram ignorados.
— Ginoca, o que foi? O que foi? — Era o chefe de quarteirão, seu vizinho.
— O que foi? O que foi? Quando eu levava porrada vocês vinham perguntar ao Benny o que era? Vinham?
E é bem assim. Mulher quando chora, grita, a vizinhança pode até sair, mas considera briga de casal, é normal. Também porque as mulheres são assim, falam muito, mas, quando é para se defenderem, só sabem chorar. E quando é um homem a ser “tchaiado”?
Ginoca entra no quarto, tranca a porta e continua a luta com Benny que, mesmo tendo treinado Taekwondo quando adolescente, nada apanhava com Ginoca senão bofetadas, golpes e o salário de quase quatro anos batendo na esposa injustamente.
Dali, Ginoca abriu a porta do quarto, alguns vizinhos à espera que saíssem de lá. Ginoca não pegou em nenhuma peça de roupa. Pegou apenas no filho, entrou no carro e, antes de sair, voltou ao quarto onde estava Benny, estatelado, mas consciente e disse:
— Há muito tempo que calo e te olho, mostro-te amor e me devolves com porrada. Luto por ti e, agora, por nossa família, e ainda me desprezas. Ah, sempre me expulsavas, dizias que não tenho família, que nem a gravidez que tinha do Júnior sabias se era tua. Agora, papá, eu e esta cópia, que todo o mundo canta que é tua cara, Júnior, já vamos. Fica aí, com o que plantaste em mim. Tchau, Benny, tchau…
Por Carlos da Graça