Os lírios eram o nosso chão; os girassóis, os olhos da luz com que Deus nos iluminava.
Caminhávamos de corações em mãos dadas. Faltava-nos nada, porque éramos cada um o tudo do outro. Não precisávamos de pulmões para respirar, bastava-nos o sentimento invicto que nos enlaçava. Vivíamos o sonho de todas plumas - ser crepúsculo de um corpo e respirar o aroma de cada gota do firmamento.
No tapete das noites, bebíamos estrelas com os olhos e quando uma cadente se despenhava perguntavas-me (como se não conhecesses todas as respostas que cabiam na minha boca):
"Amas-me?"
E eu respondia:
"Amo-te, claramente!"
Respondia. E deitávamo-nos ao avesso do princípio da impenetrabilidade – dois corpos ocupando o mesmo espaço – enquanto "I love you more you'll ever know", de Oli Brown, cortejava-nos os múltiplos idiomas do êxtase. Transpirávamos. Mel. Fogo. Fogo e mel. E era minha vez de perguntar:
"Amas-me?"
E o teu corpo vibrava. Levitavas, chovias, alagavas tudo. Eras um rio bebido apenas por abelhas. E o Zangão era eu. E aos meus ouvidos sussurravas:
"Amo-te, claramente."
Travávamos tempestades, um ancorado no peito do outro. Tenebrosos.
E hoje? O que restou? A mudez a consumir as cores e os aromas de tudo que nos era mútuo. Nenhum de nós ainda consegue responder a nossa eterna pergunta. Restaram-nos cinzas, lágrimas, distâncias e os lírios já não são o nosso chão.
Por Fernando Absalão Chaúque