Aldemar Mangueze |
Pensei sobre isso enquanto perseguia mosquitos no quarto durante o início de inverno, espantou-me tanto mosquito meio a um frio de congelar o inferno. Ocorreu-me uma suposição e então disse para mim mesmo: – “isto não é normal" como se alguém pudesse gastar magia para me endereçar meia dúzia de mosquitos, (risos…) fui um idiota… nessa incursão concluí que há pensamentos e práticas que devem ser combatidos. Eis o meu mísero contributo.
Propositadamente, começo por partilhar um versículo bíblico, mais para criar uma confusão maior do que se possa desconfiar num olhar superficial e distante sobre o tema.
Jeremias 17 versículo 08 “Porque é como a árvore plantada junto às águas que estende as suas raízes para o ribeiro, e não receia quando vem o calor, mas a sua folha fica verde, e no ano de sequidão não se afadiga nem deixa de dar o seu fruto. ”
Interpretativamente, subentendende-se, raízes como uma forma de fazer alusão aos preceitos tradicionais que existem, historicamente, antes da bíblia formatar a nomenclatura universal, África nem era o Berço da Humanidade era sim a Raiz do universo. Nessa transição terminológica destaca-se o caso dos pagãos, que significava pessoas que honravam os seus ancestrais com cultos comunitários e não ao pacifismo positivado e hoje esses pagãos são vistos como pessoas espiritualmente diabólicas e conectadas ao fantasmagorismo.
Os vilões que eram pessoas que praticavam o sedentarismo e não se aproximavam à metrópole, vivendo com base no que a natureza fornecia e assim distanciavam-se das regras quadrangulares, porém hoje são rotulados como infractores que agem à margem da lei. Vilão significa malfeitor.
Facto que me leva a destacar que há um reconhecimento bíblico da pertinência do tradicional que foi nitidamente colocado entre virgulas no versículo “8” do livro de Jeremias para destacar a sua irrelevância actual.
Mas prontos, confusão criada, confusão à parte. Sobre o que nos interessa permitam-me roubar a frase da gíria: “pessoal, somos africanos” é isso que me instiga a escrever nessa perspectiva com o intuito de mostrar a outra face de uma suposta “escuridão”, sem objectivo de persuadir a ninguém, não sou bom nisso.
Mas registe-se, fomos ensinados a olhar, horrorizados, com cara de vergonha e repúdio ao fenómeno mais rico que nos caracteriza, a nossa TRADIÇÃO; um meio brilhante de revelação do desconhecido que ultrapassa os limites da física tendo o homem como sujeito e objecto de estudo e a natureza como método. Ora, se temos método e objecto, logo temos ciência. Nesta ordem de alucinação permitam-me a ousadia, eu arrisco-me a dizer que somos os melhores cientistas que o universo já conheceu. As raízes ou se preferirem a nossa Tradição é a nossa Ciência.
Como todas as ciências e descobertas sempre há que perguntar se se trata de uma bênção ou maldição, mas ciência não deixa de ser.
Mas para discutir sobre esse sexo dos anjos, primeiro quero revelar a minha preocupação sobre o facto de estarmos tão bem dispostos para falarmos mal sobre o que nos identifica, rotulamo-nos de selvagens quando nunca invadimos territórios alheios para domesticar outro ser humano tendo a barbárie como principal meio.
Antes do Suchí dos japoneses, sabe-se lá como se escreve Sushi, nós já sugávamos crustáceos que a nossa bela costa nos proporciona, mas continuamos preocupados em despender bons meticais por um carapau cru.
Antes da acupuntura dos chineses nos já extraímos “matequenhas” com recurso a um pedaço de caniço afiado, mas hoje queremos gastar milhões pela medicina “Tradicional” do Oriente. Banalizamos o que é nosso para valorizar o alheio. Sem nem sequer notar que se tivéssemos o mesmo comportamento gastronómico que os chineses, seriamos conotados como verdadeiros selvagens, que atentam contra a riqueza da fauna bravia e ameaçam à extinção criaturas que o mundo tenta preservar. Ntla… mas não é sobre esse velho discurso de valores que centrarei toda a minha atenção.
Sucede que o mais caricato não é o facto de o auditório não valorizar o que é nosso e bla bla bla, mas sim é o triste cenário de vermos os nossos (Cientistas) actores e autores a explorarem a nossa ciência para fins extremamente equivocados. O que se espera de um mundo em que o pesquisador usa e abusa da ciência para enganar, roubar e até mesmo destruir o auditório que devia apoiar e por seu lado, o auditório corre com este pesquisador, activa justiça privada sobre ele, persegue-o, crucifica-o, projecta jactos de orações ocidentais sobre ele e por fim lincha-o e lixa-o.
Há uma guerra de valores que germina latentemente nas comunidades africanas. Escolha um lado ou seja arrastado pelos ventos de mudança. E que mudanças!!
Como resultado, há tempos que nos humilhamos com a exibição em canal aberto de supostos curandeiros que se infiltram nas fileiras dos homens de bata branca, feiticeiros que destroem carreiras dos homens de gola branca e dos espertos que viraram homens de bengala branca. Notícias de vizinhos de tronco nú que despencam no quintal alheio porque a coordenação motora da vassoura falhou assegurado contra terceiros, curandeiros que instigam ao fratricídio. Mplixxx… bando de impostores. Brincam com o fogo de forma imprudente. Não são os escolhidos, não conhecem salgado das profundezas do mar onde a alma renasce revigorizada para desmistificar os códigos do sobrenatural, falar os idiomas das árvores e dos animais, dos céus e mares.
Temos tudo que precisamos para sermos a nação mais bem sucedida das lândias e Rodésias que nos rodeiam, só falta usar “o nosso conhecimento” correctamente.
Lembre-se os soldados Nazís foram vencidos pelo frio quando atravessaram a fronteiras da Rússia e essa derrota mudou todo curso da história. Décadas depois circularam especulações de que aquela temperatura fora artificializada.
Imagina o que podemos fazer com a nossa engenhosidade de controlar raios com base num pucar de água salgada na mão, mobilizar uma tempestade para determinado ponto com uma vara de bambu, fazer cair a chuva em quarteirões previamente identificados, sem fazer esforço de uma salamandra.
Ainda este ano, um conhecido meu veio ter comigo e disse-me “sinto dores infernais nos joelhos, não consigo dobrá-los faz dias e desconfio que seja coisa de feiticeiros” terminou, ao que reflecti comigo mesmo: quantos problemas teríamos resolvido se imputássemos essa enfermidade aos insurgentes que nos assolam no norte do Pais. Aí eles é que ficavam, literalmente, sem norte. Programar-lhes uma paralisia brusca e localizada, sem negociação e teríamos essa equação simplificada. É loucura eu sei. Mas aqui não precisaríamos convencer os nossos soldados que as balas não matam, conforme aventuraram-se alguns curandeiros durante as primeiras guerras.
É hora de saímos da janela e irmos ao espelho e perguntarmo-nos quem somos nós, de onde viemos e porque estamos aqui. Exactamente aqui.
Família. Eu sou Mangueze e digo de cara limpa, eu sou oriundo das terras de Boa gente, especificamente de Inharrime em Matimela, minha vila é cercada pelos Chifres do Rio, a única fronteira que eu conheço oferece-me carne de água doce quando sinto fome e mata-me a sede quando ela se avizinha, na adolescência partilhei os mesmos raios solares com crocodilos, cutucava-os com vara curta e tratava os hipopótamos por tú e dava-lhes nomes próprios e estes respondiam ao meu chamamento, tenho “cento e onzes” distribuídos em ordem romana pelos membros e tronco, tomei remedio da lua até a minha primeira caça e todas as manhãs sinto o amargo das folhas no céu da boca até passar a mulala, cacei na mesma mata com os leões e quando eles ganhassem a corrida eram eles que acabavam sendo a janta.
Foram meus ancestrais que temperaram os pássaros gigantes que impressionaram o Da Gama, não sou o tipo de homem que se conquista pela barriga, mas já é um bom começo. Meus primeiro 80 banhos foram no Rio Inharrime distribuídos entre desde a fome de 80 até ao inverno de 82. Conheço a temperatura da água pela velocidade da correnteza. De onde eu venho o nome da morte não é pronunciado, ela não existe, as pessoas não morrem, transitam, converso mais com eles do que com os vivos. Os transitados são imparciais porque livraram-se da carne. Os vivos são sentimentais e se escondem atrás de falsos princípios.
Tenho uma árvore, onde ajoelho quando se faz a luz e ajoelho quando ela se vai. PAHLHO com o idioma do meu quintal e invoco os meus, transmito-lhes os meus anseios e escuto os seus. Essas são as minhas raízes. De onde eu venho a palhota não fica atrás da casa, a palhota é a casa. Principal.
Compatriotas,
é hora de voltar aos nossos distritos e reabilitar a palhota da velha. “We never leave the town” uma ova precisamos que os nossos pés estejam assentes na terra agora e os terraços não ajudam muito. Paremos de nos iludir. Não fui eu quem disse que “os nossos nomes são internacionais, mais os apelidos arrastam-nos de volta para a África ” e se o teu não te arrasta mana, não se preocupe o do casamento arrastará!
Esta nação já não precisa de colegas de escritório que colocam alfinetes benzidos nos postos dos chefes, já não precisamos de filhos que matam os pais e os avós acusando-os de feitiçaria, já não precisa das visões que se projectam sobre as pistas dos motoristas de transportes interprovinciais durante a noite, das mulas que se fazem aos trilhos do maquinista meio a neblina da aurora, já não precisamos de agentes da natureza que se desviam do seu verdadeiro propósito e dedicam-se à especialização em alargamentos, como se o segredo de boa condução estivesse nos pneus, e acima de tudo já não precisamos de pessoas sem pudor que olham para a nossa tradição com desdém, que com base no jargão ocidental praticamente cospem no prato que comeram ou que deviam ter comido.
Precisamos de Homens de verdade cujas veias do dedo do meio estão operacionais e reagem sempre que alguém injuria qualquer coisa fronteira adentro, porque raízes na verdade não estão ligadas apenas ao curandeirismo ou ao obscurantismo, raízes são as nossas origens, são as trilhas do que os nossos antepassados abriram para que o nosso itinerário fosse fazível. Minhas raízes são forças de uma dimensão metafísica que trabalham em coordenação com a divindade para a manutenção da minha subsistência. Sem contratos, a nossa interatividade é espontânea e subentendida resulta da cumplicidade na garantia das obrigações naturais que nos foram incumbidas. Viver com base nas raízes é viver a vida que é nossa como comunidade e não singularmente como pessoas. Somos pessoas por causa das outras pessoas e essa outras pessoas podem estar aqui ou em outra dimensão.
Participando no processo de tomada de decisões que exteriorizamos e assumimos autoria, toda a autoria com um egoísmo ignorante quando fomos, muitas vezes, apenas instrumentos de exteriorização. Coitado de quem pensar que eu é que criei o que acabo de escrever. Por exemplo: essa é uma crónica de Maio e só agora é que partilho, perguntem com base nisso sobre os porquês. Aliás, eu sei que alguém vai concordar comigo, chamem-lhe de A crónica de Maio. Porque assim eles quiseram.
Note-se que tal como a árvore o homem nasce preso a um determinado firmamento e enquanto vivo, deve honrá-lo com os seus frutos. E o meu firmamento é o meu país, a aminha vila. A minha tradição são as minhas raízes, sendo assim os meus frutos dependem da qualidade das raízes.
Mas prontos, cada árvore é uma árvore.
Por Aldemar Mangueze