Para lá das margens líquidas em que se escreve o sal dos dias, por Britos Baptista

Créditos da imagem: @daude.amade.7


1.

 

[...]

 

Sofre

língua do tempo

ajoelhada

nas mãos desta casa

feita de sal.

homens

tentam parar,

com rugas das unhas

o vôo das pedras.

suor deste poema

cambalhota

nas entrelinhas da luz.

silêncio é álcool

no alambique

do grito.

 

 

2.

 

[...]

 

Num

grão de sal

cabem todos olhos do mar.

nas

costas do sol

anda de rastos o azul do céu.

cega

a ave a carregar nos ombros

o ninho da água.

chove

um barco sem remo

das janelas

do rio.

 

 

3.

 

[...]

 

Pálidos

e tão reduzidos ao circo

os olhos deste vento

no fatigado céu

da água.

sombra

dum fino fio de búzios

abre todas janelas

dum silêncio

de sal.

 

 

4.

[...]

                                    Ao Leví

 

Um exército

de camaleões fabrica o abismo

lá no tecto da casa

a andar lenta.

choram todas veias

da estrada.

o tempo move os braços

da poeira.

sangram os pés do destino.

larga

a sombra

do sol

ajoelha-se

no chão das mãos.

o vento

ainda passa redondo

pela face

do pranto.

o presente – o alto passo

da nuca

dos abutres.

ainda

voa a vermelha ave

a cortar o nariz

do vento.

o passado – o barco de barro

de pernas

arqueadas

a nadar

nas fundas avenidas

da água.

nas ondas

deitadas sobre a alta maré

flutua breve

o mundo.

o futuro – a lua em qualquer rua

a cantar

os olhos das estrelas

na coxa voz

do sol.

na terra

as líquidas afiadas facas

escrevem o sal

dos dias

em que a luz fecha os olhos.

na lâmina

do relógio

gira o corpo

dos rios – a rude canção

do sangue

a erguer

os braços

da pedra.


Sobre o autor: Britos Baptista, moçambicano, nascido no distrito de Mocuba, na província da Zambézia, em 29 de Março de 1992. É professor. É tradutor e Intérprete Ajuramentado de Francês/Português e Vice-versa. É licenciado pela UEM (Universidade Eduardo Mondlane). É escritor e poeta. É membro da AMOJOF (Associação Moçambicana dos Jovens Francófonos) e da AEZA (Associação dos Escritores da Zambézia). É Coordenador do Clube do Livro de Quelimane. Foi um dos vencedores do concurso de Poesia Desenha-me A Tua Liberdade, em 2016. Participou na Antologia Poética Melhores Novos Poetas Africanos, em 2016 e na colectânea de poesia Desenha-me A Tua Liberdade, no mesmo ano. Foi segundo classificado, no concurso de Poesia Printemps Des Poètes, em 2019. Participou na Coletânea de Prosa 19 cartas para a covid-19, organizada pela Xitende, e publicada pela Oleba Editores, em 2020.


Enviar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem