Gramática para ninar o barco no mar das sensações, de Britos Baptista

 

Crédito da imagem: @daude.amade.7

 

1.

 

[...]

 

O céu

do lápis

perfuma o (m)ar

do tédio.

acordam

para as nuvens

as asas

de papel.

tem os olhos

ajoelhados

sobre o mar

da voz

o silêncio

da flor.

morta

a ira

dos espinhos

nas ruas

da rosa.

as águas

correm

nas mãos

da ausência

a tecer

com os pés

de sal

a teia

da angústia.

um sorriso

ergue os remos

da saudade

ao peito.

na viagem

choram

os barcos

amados rios.

as ondas

— líquidas obras

na tentação

da areia.

morre

a pele

da distância

nos ossos

do poema?

 

2.

 

[…]

 

Silêncio

sopra lábios

do fogo

ao rio.

tanta água

tonta

no beijo

da guerra.

nos vértices

da luz

ergue-se o dorso

da chama.

nas tricolores

janelas

dos coelhos

o abismo

canta os ombros

da casa.

vazios

estômagos

irmãos

tropeçam

na estrada

da fome.

 

3.

 

[...]

 

Mares

cantam janelas da angústia

batalhão de lombrigas

estende sua fome

no estômago

d’Atavio.

 

4.

 

[...]

 

Ondas dormem no colo das algas. Gestação do naufrágio no (des)atento (olh)ar dos crocodilos. Canção do vento nos ouvidos da vela. Acção de uma líquida porta a descansar nas barbatanas da solidão a voar ao fundo da madrugada. Queda dos peixes, na inversa sintaxe dos rios. Mãos sobre os ramos da casa a arder. Arde o norte da palavra pátria. Tiros na mecânica do ar em brusco movimento. Vejo o futuro a voar com os pés. Desce um cabo ao intestino delgado da cinza. Há gente a carregar o suor dos sonhos nas costas do fogo. Céu é uma cadeira sentada na redonda voz de sal. Cal nas paredes dum tempo a sagrar mortes nas veias da pátria. É dura a imagem de um sol a derreter no peito das lágrimas. Explosão das bocas é um embrião do (desas)sossego? Funerais de gritos na bicha do silêncio! Vôo do mar sobre tecto da areia. Orações acordam os barcos nos olhos dos remos.

 

5.

 

Ciclo

 

Vermelho

é azul é verde.

Mãos. Razão.

Traços.

 

verde

é vermelho é azul.

Pincéis. Alma.

Verbo.

 

azul

é verde é vermelho!

tako. Suicídios?

 

preto

é rosto da gravata?

línguas. Botas!

 

6.

 

Seven Red

 

Para Omar, Safira e Lino

 

Os olhos de Abril acordam na luz da metralhadora. A pólvora entoa o silêncio aos ouvidos das pessoas, que circulam bem longe dos seus pés sonhadores, fugitivas nas veias das matas que ainda sangram. As balas riem-se de tal acto. Atiram os dentes aos longos braços das sombras das vozes a rezar ao céu das pedras. Os joelhos sonham a queda do sangue a voar na pele de Afungi. Agora só cantam o sal das águas os búzios do Wimbe!


Sobre o autor: Britos Baptista, moçambicano, nascido no distrito de Mocuba, na província da Zambézia, em 29 de Março de 1992. É professor. É tradutor e Intérprete Ajuramentado de Francês/Português e Vice-versa. É licenciado pela UEM (Universidade Eduardo Mondlane). É escritor e poeta. É membro da AMOJOF (Associação Moçambicana dos Jovens Francófonos) e da AEZA (Associação dos Escritores da Zambézia). É Coordenador do Clube do Livro de Quelimane. Foi um dos vencedores do concurso de Poesia Desenha-me A Tua Liberdade, em 2016. Participou na Antologia Poética Melhores Novos Poetas Africanos, em 2016 e na colectânea de poesia Desenha-me A Tua Liberdade, no mesmo ano. Foi segundo classificado, no concurso de Poesia Printemps Des Poètes, em 2019. Participou na Coletânea de Prosa 19 cartas para a covid-19, organizada pela Xitende, e publicada pela Oleba Editores, em 2020.

 


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