Pautas para cadenciar o pulso do coração, de Roberto de Sotela

Créditos da imagem: Sidney Murade


1. 

[...]

 

Este lugar ermo erval

me lembra o seu riso esplêndido sobre as acácias

seus cabelos afros e soltos

onde os afagos se polarizam

Seus olhos símiles

na frialdade das manhãs em nossa casa

a me exorcizarem os demônios pueris

os dedos amputando o fumo dos cigarros

para dar sonhos aos beijos,

também os amo,

tal como perdidamente amo todo seu corpo angelical

me apedrejando o sangue

que costuma se gabar na minha boca.


2.

[...]


Teus cabelos de cróceos arvoredos

sobre minhas mãos a te vasculhar os afagos

estirada no meu peito, tão dulcíssima e belíssima,

fúlgida, prosaica e garbosa,

deixas encantar a mesopotâmica alma,

teus lábios de tinta roxa como pétalas colmadas

presos nos meus dentes e por eles mordidos,

nascem no entanto beijos húmidos espantando as aves

que tripulam por debaixo dos nossos umbigos

de vozes quase ignotas

com as quais acendem as sombras dentro dos olhos

tuas mãos, agora, molhadas sobre as bordas do meu cangote

buscando as minúcias do fogo laminante

E...

teus trevosos dedos galopando a sete pés

como corcéis em uma planície tingida de pedras e arbustos

chegam por fim ao êxtase do gomo e do fruto.


3.

MY SWEET DARLING


Desço por entre teus jucundos lábios

até aos precipícios resguardados dos teus mais profundos recintos,

aves de água que nos despem a pluma dos ombros,

cálidos gemidos de ossos,

ancas ao rebuliço dos impecáveis silêncios

umbigos em afoitos debruços

nada é para sempre my darling, nada!

nada deve ser doce quanto o sangue que te corre,

em tétricos revezos de sombras, eis-me aqui,

outra vez teu único homem e macho,

a morder-te os postiços sabores da tua boca,

e sem deixar vestígios de dor, a morrermos como pioneiros nessa arte.


4.

LABIRINTOS

                            (à minha esposa que também é minha amante)


Eu busco em ti a clemência dos aromas

com meus dedos de água perdidos na tua boca

e teu sorriso a disparar em sangue volátil

como um corpo em chamas

E... tu ao pé dos labirintos escuros e côncavos

a me sussurrar em dúlcida cavalgagem sobre teu corpo resoluto

(Não sei por que eu te amo, — tu dizes, a chorar de prazer...)

Na maresia das tortuosas palavras

pedes-me  o calvário, pedes-me  a fornalha ardente, pedes-me  amor

arrastas-me  pelos teus cantos enigmáticos como um biltre

sobre a planura de uma corja de sombras e saliências

ecoas ainda um gemido ensurdecedor pelos olhos corcovados

Eu...Ah! Com minha mão bandida, sem escrúpulos

a se deleitar em anexos umbrais na poça húmida

em que me basta o perfume da tua água oleosa.


5.

EU, O TEU AMANTE

 

Amor! abra-me a porta...

Sou eu. O teu esperado amante!

Este cavaleiro desprovido de espada e sem o fogoso corcel,

quero morrer no teu corpo abstrato

acender outra vez

os meus dedos sobre a tua fogueira líquida

e ver o fim do mundo

pela janela dos teus mimosos olhos

como quem espia

os crepúsculos mágicos de Chamissava

quero em ti me prender como brasa viva

a te executar os frívolos sabores...

Ainda navegar no teu pomar alvorecido

cuja poça de água refresca-me a boca

e em tuas cochas relutantes

buscar o meu trono absoluto.


6.

[...]

 

(Para minha esposa)

 

Cavo até ao fim o mar que se abisma no teu imo,

te desprendo todos os cansaços das pernas,

depois te desnudo os lábios como quem parte em seus próprios devaneios,

 

enlaço na tua boca uma borboleta a gritar de medo

enquanto no escuro eu costuro a tua alma despedaçada.

 

Finjo não saber o teu passado, (também não me interessa),

recolho com os dedos o sangue que dispara em volátil ressalto

para reescrever uma crônica de superação e de amor,

te deixo fluir como um gozo no auge do clímax

penduro nas minhas costas o fardo pesado das dores

e te faço outra vez seres mulher, —apenas a minha mulher.



Sobre o autor:
ROBERTO DE SOTELA - Nasceu no dia 02 de Março de 1992 no distrito de Jangamo, província de Inhambane, tendo concluído o ensino primário e a metade do ensino secundário na escola do mesmo distrito aos 16 anos de idade.

Foi o mesmo local onde se viu seu primeiro amor pela literatura a brotar, apoiado pelos professores Alex Manuel Pene e Arlindo João Nhampossa, este último já falecido. Anos posteriores tendo saído desta para a cidade de Inhambane com finalidade de terminar os estudos e continuar com seus sonhos de escrever. 

Participou em vários concursos de poesia e declamação no que culminou em vários prêmios “simbólicos” ganhos, sobretudo, uma viagem de férias para a cidade da Beira, num evento criado pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano com parceria de ONG’s.

Em 2011 formou-se como professor pelo Instituto de Formação de Professores de Chicuque, tarefa esta que desempenha até aos dias de hoje.

Começou a escrever muito mais novo como já tinha referido numa nota atrás, e continua escrevendo e espalhando seu perfume nas letras, sinal deste feito é o livro que ele editou com a Editora do Carmo (Brasil). Uma coletânea de poemas (O PSEUDÔNIMO), o primeiro de muitos que estão por vir. Oxalá que volte em breve resplandecer os olhos dos leitores por outros títulos que adormecem no íntimo do autor.

Ficará a dever como era o planejado publicar “MEMÓRIAS DO MEU PAI E OUTROS ESCRITOS DE RESPLANDECER A ALMA” uma obra que interioriza os leitores em homenagem ao pai do autor, Magaringane Tamba wa Bhele (Toninho como era tratado).


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