ENTRE LÁGRIMAS LUNÁTICAS E ÚTEROS DA CHUVA: sete poemas de Helio Zyld Guerra

 

ENTRE LÁGRIMAS LUNÁTICAS E ÚTEROS DA CHUVA: sete poemas de Helio Zyld Guerra
Lágrimas de Palma - João Timane

*Gritos de Palma*

O Zambeze nasce entre os olhos

A terra arde estéril ao baile das balas sem sonhos

Seu ventre se contorce na ganância dos homens

E mestrua mortes no discurso negro dos punhos.


           E agora, Palma?

Que pecados cometemos?-- O sol de Junho morre aos bocados

                       Os tambores não mais gritam de alegria e com olhos abençoados

        Talvez o tempo nos guarde e limpe as lágrimas da alma.


O coração dilacera-se, rios em crianças e mulheres nascem

Anunciando o evangelho do sofrimento

O que fazer para continuar? Vingaremos sua morte, mãe!


                           E agora, Palma?

Havemos de voltar a sonhar!

                   Pintar a terra e erguer a bandeira

Erguer a casa pintando  poesia

                  Banhando de vozes e preces de paz sem afazia.

E agora, Palma?  


*Rerum et philos*

À E. Jonas e as gêmeas

O relógio,

Entre as almas

Trabalha a paixão no ventre,

Segundos são sensualidades

Rios, mares a mergulhar

Tecendo os dias no brilho do olhar

No baile celestial pintando felicidades

Em suas vicissitudes e atitudes.


Talvez, o tempo, essa  moradia das palavras

Permaneça errecto entre as almas

No pacto entre os céus, borboletas,rios e savanas

No cheiro suave do orvalho entre as planincies dos sonhos

Tecendo sonhos no aconchego dos lábios soletrando o coração.


Luxúria líquida

Ao Jonas Frederico

No olhar, lágrimas cheiram à pureza da verdade

Tão virgens quanto a luxúria política

Cujo habita e corre neste corpo feito mar

Vestindo abraços, beijos e carícias da vaidade.


O amor, às vezes, não é só a dois

Que se enche e desenha arco-íris entre  a lua e o sol.

É como a arte de escrever, fiel a si e polissêmica

Porém, ciumenta aos olhos da terra.


É um risco, tão natural é habitual

Amar é como as borboletas, vaidosas

É um risco, tão cheio de vida e paixão

Viver, tecendo amores nas cores da luxúria do amor


Assim como o aroma da lua

Há no amor, borboletas ciumentas

Buscando abrigo na silêncio das palavras

Onde o poeta morre por seu único pecado [luxúria do amor]


SEGUNDOS NOSTÁLGICOS

      À Sumbi Wa Mbate Jonasse

Em  milhas de tempos

encostados no mar da nostalgia,

O coração descansa na dor

Construindo castelos aosolhos da solidão.


Nesse liquido instante, lua fétil de sonhos,

As rosas bailando à poesia

Guardando segredos como a velha palhota

Onde Deus escreveu um conto na primavera

Abortando a morte com os olhos sem quimera

Se esqueceu? -- é triste não lembrar, pensamentos engravidam seu nome.


Mãe,

no ciclo da água

A voz

que alimenta o amor

Brilhando ao sol sem temor

E escrevendo poesia líquida

Que teu abraço desconhece

Ao menos o vento reconhece.


Não te preocupes, mãe.

Como pássaro aparando Deus

Na varanda divina da lua

Onde espero-lhe todas as manhãs

Até que o sonho me lembre

Esquecer-me-ei destes segundos nostálgicos.


POESIA AFROCÊNTRICA

Nuvens laranjas e outras viúvas

A voz do mar pintando o horizonte,

Entre o véu e as ondas lê-se a paz da savana

Devagar me Entre lanço

Caminhando lado a lado com o sol e lanço anzóis ao mar

Alimentados pela esperança da poesia no sonho africano em um abraço

Eu não sou da África, sou africano.

África é cheia de incansáveis sonhos ancorados no sol nascente de um poeta

Como a esperança que habita no ventre do tempo longe dos deuses.

Amo essa gente cheia de amores de passarinhos

Temperada com beijo da terra floresbrotando sorrisos sem era

Na voz da afrocentricidade fixa no sonho milionário da liberdade.

Deve haver um segredo mas mãos dos deuses,

O sabor paradisíaco da afrocentricidade

Terra, Savana, Rio, Perfume e alma. Ahm, o sonho!

Se fazem no olho da poesia na tela do escritor

Afinal África nasce e morre, corre e voa em mim  

Antecede a experiência se harmonizando no corpo celeste da palavra.

— Que safadinha Minh ‘África! — Poesia se escondendo no ventre do tempo

Nela, caminho eternamente como na linguagem esculpindo almas na voz da passagem.


CONVERSANDO COM OS MORTOS


Que infortúnio, o peso que me ampara!

Às vezes, pensa-se que a morte é uma sorte,

Outras uma vírgula temporal ou indisciplina dos xikwembos.

Pois é, mãe! A terra avermelha-se e os nossos aplaudem

E os olhos se excitan orando em desdém.

— Há sentido algum em existir, ao menos nesta terra?

Sabe-se aqui ou lá! Talvez o mar, o tempo, quiçá as balas sem ética

Porém, seu sonho de avó desconhece minha métrica e estética.

Mãe, onde estiver. Diga-me sem pestanejar, vê a cor dos meus olhos?

Ou a chama que arde nesta alma tentado ser poesia, ao menos como água.

Mãe, sorria na glória, guardando versos e memórias

De um  sol nascido do teu ventre, ao menos de tantas mortes permanece erecto

Na cor universal de um só-neto sem teto caminhando entre os angulos das almas.

— Ó mãe, entre batuques e pincéis, olhares e luas, vingarei sua ausência.


DULCIS ODYSEA

           Ao irmão Gadinho, poeta dos passarinhos

Entre a voz e o mar

Constrói meu poema seu lar

Esperando a vingança da lua ao se casar

No suave beijo do sol e o mar

Para parir filopoetas e filopintores da alma

Ou terapeutas tecendo ninhos no altar.

— Que doce alma tem os lábios e os olhos do sol!

Cada verso que se compõe é um sonhar de África

Abraçando a humanidade no brilho da borboleta.

Minha alma mora num poema

Nasce e more na terra acolhendo almas

Como a África acolheu-me com minha imperfeição

Doando sua moradia aos devaneios de uma paixão.

Sobre o autor:

Hélio Zildo M. Guerra, cujo pseudónimo é Hélio Zyld Guerra nasceu em uma manhã de domingo, ao décimo quinto dia do oitavo mês de 1993 no Bairro da Matola G, Município da Cidade da Matola. É licenciado em Filosofia pela Universidade Eduardo Mondlane (2012-2016) com especial destaque para o tema do seu trabalho de fim de curso:“ Progresso do conhecimento científico segundo Gaston Bachelard”. É escritor, filosofo, poeta, pesquisador, professor, palestrante, académico representante da Academia Internacional União Cultural e muitíssimo apaixonado pelas belíssimas praias do nosso país. Prémio de 1º l lugar no 1º Concurso de Poesia Livre ARLACS 2021 na categoria de académico correspondente. Publicou artigos de opinião no jornal Zambeze, em seu blogue (www.heliozyldguerra.blogspot.com.), e em Tenacidade das Palavras sobre a humanidade e outros assuntos ligados a sociedade. É autor da obra “Poesia Líquida” publicada pela Editora Kulera; “Sensualidade 21” publicado pela Dahavea Editores; e coautor de “Activisionismo: um ensaio em volta da reconstrução social” publicação independente. Actualmente reside em Maputo onde continua produzindo e participando de grupos ligados a literatura. Contatos: Heliozildo@hotmail.com ou pelo www.facebook.com/heliozyldguerra. Em tempos livres, lê, medita, escreve, caminha pela natureza.

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