Vozes da Minha Terra - 5 poemas de Crimildo A. Matola

Vozes da Minha Terra - 5 poemas de Crimildo A. Matola
Crimildo Matola



A Imperfeição das Coisas

Estes tons de vermelho não combinam com a gente.

Fartei-me destes tempos,

Cansei-me desse estagnar de passos...

Estes tempos em que rio é bravo,

Em que pele é mocho a correr no vermelho…


Estes tempos em que a terra tem feridas de guerra

Nestes desgostos de gastar sal, saliva e temperos,

O esvoaçar de gentes que perde gostos,

Não se erudita nestas vozes que já não cheiram a vivências.


Nem sal, nem ervas nem temperos,

São coisas de comer à pressa a gastar salivas

E não ter gosto na panela, sem sal e tempero.

Estes tons de preto cheiram à carvão...

Os mulatos da zona dormem no colchão.

Não são como os pretos, nem aqueles *xijanas,

Não vivem nestes guetos, sem fumaça de alcatrão.


Nestes tempos desgostosos de viver,

O mundo anda faminto de paz e solidão

Vive escravo de fumaça,

Não sabe a cura para esse mal, nem tem esperança...


Este mundo desgostoso de viver,

Tem fome de paz carregado em cartuchos

Tem fome da solidão dos dias e das noites

Sem saber se é noite ou talvez dia,

Vive na incerteza de não saber das coisas

De não saber se um dia cobrará do mundo este silêncio,

Que parecerá solidão para os gentios,


Mas para as gentes,

Será o mundo gozando com gostos, orgasmos de vida,

Batendo de frente e se deixando friccionar no calor do carvão,

Que não via nada ser perfeito,

Até conhecer o mundo que se gasta,

Na eternidade e na imperfeição das coisas.


A Embriaguez do Silêncio

Os vultos de gente ecoam nestes paços de nobreza,

Há tanta gente que passa aqui,

Mas este tempo de nada se lembra,

A não ser de ouvir silêncio a cantar barulhos...


Deve ter bebido saudades,

Este silêncio que sapateia o granito.

Faz de si mesmo mármore para lapidar despedidas


Antes fosse outro mundo,

Não seria preciso lágrimas para o tempo aprender a fazer silêncios.

Nem pássaros voando para as folhas caírem ao chão...


Mas este mundo já não sabe fazer silêncios

Nem sabe sapatear no vazio,

Para não quebrar o ritmo dessa marrabenta,

Frenética e talvez autêntica.

Está marrabenta que o tempo dança

Mas que o silêncio nem vê, mas já se cansa...



Shiiii! – Ouvi a voz dos homens no escuro desse vazio

Shiiii! – Ouvi os passos de suas sandálias, oh! Belita

Shiiii! – Sua espalhafatosa que não sabe cantar silêncios.

Shiiii! – Desgruda daí, sua bêbada desmedida...

Shiiii! – Oh! Belita, amassou o tempo, a voz e a lembrança.


Antes fosse outro mundo,

Antes pudesse eu ser imundo...

Assim vivia em paz este silêncio


Não teria gente nem ruído,

Seria só eu e minha Belita,

A viver esta saudade

A correr nestas matas e cair bêbado...

Seria só eu e ela

Nestas tavernas que embriagam o silêncio,

Hoje, talvez aqui e porque não agora.


Casa de Madeira e Zinco

Naquela palhota eu conseguia sonhar,

*Vesvinha borboletas e sabia cantar...

Não havia nem silêncio nem tristeza

Não havia lembrança de saudade

Muito menos adulto tinha idade


Naquela palhota eu conseguia sonhar,

Dançava com meu pai que não me viu nascer

Chorava no colo da mamã,

E lá sempre tinha um favo de leite,

Tão doce quanto mel...


Naquela palhota eu conseguia sonhar,

Não tinha saudades de nada nem de ninguém

Não havia gente que não conhecesse alguém

Era tudo gente,

Vovó, titia e malume…


Todos iam a fogueira à noite

E não se apagava lume,

Nem vovó parava de contar nkaringanas…

Até que Manuelito, caísse no chão,

Como chifre de elefante quando beija o chão...

Naquela palhota eu conseguia sonhar,

Toda gente dormia no chão,

Até os makhondlos comiam do chão.

E toda gente dormia feliz e conseguia sonhar.


Mas esta casa de madeira e zinco,

Não tem concha nem aconchego,

Tem muito xipefo e candeeiro,

Mas não tem fogueira que guarda aconchego

Esta casa de madeira e zinco,

Tem perfume de ferrugem,

E aquele sabor de bicho quando pica madeira…

Tem esse chão gelado, que nós vare toda hora…

De manhã, de tarde e até a noite quando estica esteira,

E deixa manto cair devagar...


Tenho saudades daquela palhota,

Que não deixava ninguém de fora

Não sabia cuspir gente.

Foi nela que vovó contava anedota

Palhota que me viu nascer...

Aquela casa tinha cheiro de gente

Sabia guardar segredos e não contava mentiras.

Era casa de todos nós, aquela palhota,

Tão nossa, para sempre, doce anedota...

A Delicadeza de Cutucar o Vazio


E este vazio em mim sobre nós dois,

Será apenas fumaça, ou talvez coisa ilusória?

Algures por aí, um sonho descabido?

Vazio e vil, um atraso na memória?


Mariana dos sonhos de lá,

Quando me vens a memória,

A vida se desfaz num vazio.

O sonho se torna lembrança,

A distância de tudo que já vivemos...


E não podia mais haver em mim,

Tu já não eras minha,

Pouco se via de mim em você...

Um vazio em forma, no cantinho do olhar...


Quando o assunto é cavar uma lembrança de nós,

Sua memória se tornava um tanto inóspita,

Um vazio delicado de se tocar,

Um assunto para outras vidas...

Este vazio entre nós é delicado,

É assunto de gente crescida,

É coisa para pessoas vividas....


Essas coisas de amor e paixão,

Parecem vagos e vazios,

Talvez um leão sem rugido,

Um vazio de nós dois, pura solidão...


Mariana dos sonhos de lá,

Um amor que se perde no vazio,

Uma paixão que se vende  ao abismo...

Mariana menina, moça lindinha.


Cutucar o vazio é tudo que nos resta,

A lembrança de nós é sofrida na pele,

É ferida viva, sangrenta e descabida...

Naquele escuro em que nada nos resta,

Falta-nos até a ternura dos beijos da manhã...


Em minha memória sobre tudo em nós,

Os amassos se tornaram coisa de ferir a pele,

Seu beijo molhado, uma respiração às cegas,

Seu toque, um rasgo vulgar no pulmão de minha alma

Seu perfume, coisa gosmenta, de entupir a respiração...


Mariana dos sonhos de lá,

É delicado cutucar o tempo a pensar em você,

Tudo aqui se tornou vazio,

Razão de muita dor,

A Delicadeza de cutucar o vazio...


Ecos, nada Morre de Verdade, nada Morre para Sempre

As balas que transcendem o tempo reúnem saudades...

Nada morre de verdade por essas terras,

Onde o espectro do tempo já esqueceu vaidades,

Esqueceu das gentes e plantou saudades.

Onde a multidão de corpos mutila o chão sagrado

Este sangue que o povo derrama,

Vai regando desgraças no esgoto de nossas memórias.


Os pés das gentes não conhecem calçados,

Muito menos sandálias que suportem a dor e o calor

O amargo gingado deste deserto de ervas daninhas


Este povo não tem dono, é dono de si e de mais ninguém...

Este povo não aguenta fôlego nenhum,

Se quer consegue respirar para não sufocar a esperança,

Se quer consegue andar, sem partilhar dores que prenunciam a desgraça

Oh! Para eles, nada morre de verdade,

Nada suspende suspiros sem vociferar dores que enganam a desgraça

Nada morre de verdade, nada morre para sempre


As balas que transcendem a miragem da ilusão

Reavivam os mortos que a guerra nos deixou,

Encaixotam lembranças que não sabem habitar as profundezas do exílio

Catapultam sonhos que ecoam na indecência,

No embrião que não cria gentes, nem sementes nem grãos de inocência


Nesta morte que há gentes como eu e você,

Vivem deixando na desgraça da ilusão dos tempos.

Ah! Mas nada morre de verdade por essas terras,


Estas gentes enterram os seus nas mafurreiras dos quintais,

Onde as galinhas de quando em vez, vão caçar manjares,

Desfazem a folhagem e não respeitam o ritual dos altares

Onde os patriarcas da fé procuram sossegos para descansar as carnes...


Para estas gentes, nada por essas terras morre de verdade

Nada por essas terras morre para sempre,

A vida não deixa por aqui esquecimentos.

A saudade não aceita exílios nem frescuras de choros,

Muito menos convive com *madodas que não sabem habitar o mesmo espaço. Eles e o seu passado.


As balas que transcendem o tempo reúnem saudades...

Nada morre de verdade por essas terras,

Onde o espectro do tempo já esqueceu vaidades,

Esqueceu das gentes e plantou saudades.


Onde a multidão de corpos mutila o chão sagrado

Este sangue que o povo derrama,

Vai regando desgraças no esgoto de nossas memórias.


Não existe eco por aqui que não conheça o canto dos mortos...

Não há vivente que não coma com os do além.

Não existe viúva que não se adorne para o seu defunto

Não existe viúva que não deixe outro homem beber de suas águas...


Essas terras não habitam saudades,

Essas terras vivem do tempo que a vida concede.

Essas terras não aceitam esmolas,

Os ecos falam por si, falam dos vivos e lembram os mortos,

E por essas terras, nada nem ninguém morre de verdade.

^***

Crimildo A. Matola, nascido a  17 de Janeiro de 1998, é natural da província de Maputo, cidade da Matola. É licenciado em ensino da língua  portuguesa com habilitação em línguas bantu pela Universidade Pedagógica de Maputo. É também compositor e intérprete musical para além de "escritor".


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