Um mahindra na praça dos combatentes

 

Um mahindra na praça dos combatentes

– Já, o que o gajo disse? - C

– Nyusi e matola. – A

– Nyusi e matola? – D

– Ya, Nyusi e matola. – B

– Sobre matola eu faço alguma ideia. – D

– Eu não duvido! – C

– Pessoal, eu sinto fome, entremos no carro! – B

– Relaxa aí! – C – O que entendeste sobre matola, D?

– Eu também estou curioso! – B

– Eu explico no carro, também estou vazia. – D

– Boa, D! – A – Estômago vazio não combate o crime, vamos!

Os quatro agentes entraram no carro e aceleraram. A e D ocupavam a cabine de frente, enquanto B e C a parte traseira disposta ao sol. Este sol que envelhece, estressa e esfomeia. Na cabine, D apresentava a sua hipótese sobre o pronunciamento do chefe naquela manhã. Ela estava certa.

O chefe falara sobre a prorrogação presidencial e se exaltara sobre o caso indecoroso da matola. Um agente da polícia espancara um comerciante até a morte, porque violava as novas leis da nação: vendia alimentos depois das dezassete horas.

– Ai de vocês, um de vocês, cometer-me esta infame! – O chefe destacara, com voz de Salazar, feição de Hitler e corpo de Mayweather.– Nenhuma lei humana deve estar acima do próprio homem. – Continuou.

Enquanto A relatava a D as ordens superiores para a actividade do dia, B fazia o mesmo a C.

– Então, não acompanhaste o noticiário? – B


– Toma a gentileza de ser o jornalista e informa-me! – C

– A nossa excelência prorrogou. O nosso capim continua a esverdear! – B

– Glória! – C – Vamos para qual das machambas agora?

– Vamos para xikhelene, há lá umas mamanas teimozinhas!

– Vamos para a praça dos combatentes, queres dizer! – C

Xikhelene! – B

– Não importa! – C – Estão no mesmo espaço, não há diferença!

– Estão no mesmo espaço físico, não imaginário! – B

– O que quer dizer? – C

– A praça dos combatentes é para os que já combateram, xikhelene é para os que ainda combatem!

***

Antes que chegassem à praça dos combatentes, os agentes estacionaram a viatura numa berma próxima. De onde estavam, A conseguia observar a rotunda da praça, com o pavimento circular coberto de pequenos blocos de betão. No centro, erguia-se uma figura geométrica de alumínio acastanhado, com desenhos de mamanas e crianças e enxadas e espingardas, símbolos da grande victória para aquele povo.

B e C esticaram suas cabeças para as janelas da cabina.

– Chegamos! – A anunciou. – Quem somos nós?

– Agentes da lei e ordem! – B

– E o que viemos fazer aqui? – A

– Estabelecer a lei e a ordem! – C

– Excelente, vamos! – A

***

O assombroso carro atravessou a rotunda da praça. Do lado direito, a sudeste, milhares de nomes dos que combateram a grande guerra marchavam inscritos num longo muro revestido de mármore, enquanto do lado esquerdo marchavam centenas de plebeus que ainda combatiam as suas guerras civis e rotineiras.

O carro começou a reduzir seu movimento. De repente, B e C saltaram para a berma povoada de comerciantes. Estes dispersaram-se como água se dispersa quando um corpo cai nele.

B e C ignoram a mamana que vendia fiosses e doce de coco; o papá que vendia sapatos e chinelos e calcinhas; o rapaz que era agente M-pesa e vendia recargas telefónicas; o menino que vendia plásticos e água em copos metálicos e garrafas de meio litro.

– Estão cometendo dois crimes! – C gritou.

– Não respeitam o distanciamento social e estão a praticar comércio em lugar inapropriado. – B

B e C dirigiram-se velozmente à mamana que cambaleava para se distanciar dos agentes. Seus pés idosos não se suportavam. B apropriou-se da caixa de pães da mamana e voltou para o carro, enquanto C explicava os crimes que a mamana havia cometido.

– Amanhã não vai repetir! – C

Vayive! – Ouviu-se.

***

O carro da lei e ordem acelerou.

– Ali! – D – Estão ali.

– Já vi os fora-da-lei! – A

O carro travou. B e C saltaram de novo. Os comerciantes ágeis fugiram qual rato quando um gato dá as caras. Os restantes comerciantes vendiam produtos difíceis de arrumar às pressas para se retirarem em debandada.





Foi assim que o rapaz das hortaliças e óleo e caldo e tomates e cebolas foi flagrado. A e D também desceram do carro para oferecer reforço. A gritou no alto-falante.

– Mantenham-se afastados. Estamos a manter a ordem anunciada pelo chefe do estado. Respeitem o trabalho da polícia. Nossa missão é proteger-vos de perigos. E hoje, o perigo que vos ameaça é o coronavírus. Não vendam em lugares inapropriados e, acima de tudo, usem a máscara e mantenham o distanciamento social. Se não respeitarem estas medidas, acontecerá exactamente o que está a acontecer com aquele rapaz. Os vossos produtos serão apreendidos ou vocês poderão parar na cadeia. Tragam cá os produtos do rapaz, B e C!.

***

Os agentes distanciaram-se da população e ocultaram-se numa esquina.

– O que falta, rapazes? – A

– Falta o que poderá fazer tudo isso ir para dentro. – C

– O quê? – A

– Ele quer dizer que faltam refrigerantes! – D

– Bom, eu quis dizer ‘‘qualquer líquido’’! – C

– Não podemos guftar essa manhã! – B

– Eu sei, eu sei, mas essa noite com certeza! – C

– É claro, hoje é sexta!

***

– Pois bem, prestem atenção à missão! – A – D, você prepara a salada. B, você vigia as redondezas para impedir a espionagem. C, você vem comigo, o cota Madeira está com a licença vencida, vamos apreender uma caixa de refresco em sua barraca.



Gerson A. S. Pagarache

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