A voz humana dentro do abismo - 3 poemas de Jeremias Francisco

A voz humana dentro do abismo - 3 poemas de Jeremias Francisco
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1.


A velhice dos cedros virá como um fio de basalto.

E do penhasco, a ramagem ao se desaleitar do corpo

cairá na morada em que as rugas desfilam o luto.

Ainda se ouvirá o barulho da queda dos ossos

donde se desfia as asas do falcão

mas não haverá hora para segurar seu o voo. A voz humana

dentro do abismo da água que brota da rocha,

que sustém as raízes do rio,

que mesmo passando debaixo dos cedros

não se deixa absorver

porque o tempo deixará de existir.



2.

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Lá fora a escuridão veste o mundo

e o vento ensaia os sapatos do silêncio

enquanto abro a porta calmamente

para que a noite não me oiça,

escuto da casa onde a palavra mora,

a voz da lua que escorrega lentamente das montanhas

para dentro da língua. Do grito

que renuncia a febre da sombra

para curar a luz na boca da humanidade.

E mesmo que a virgindade da noite

desassossega a espádua que sustém a pedra

de onde curvas silenciosas dos abraços

acolham a ferida do universo

que nele se garimpa a paz que descabe na palavra,

tu continuas dormindo nessa marola

alada pelo luto como se conhecesse o ventre do tempo

para cortar o embrião da aurora,

afim de ser o dia e a idade

de todas as coisas sem dor

ou como se soubesse das cores do sonho

das quais deus costurou o azul dos céus

quando tudo era nada

e nada era nada do tudo,

e nós eramos o vazio infinitesimal

da inexistência…



3. IMAGENS QUEBRADAS

… à Wendila


Os vaga-lumes encolhem-se nos ângulos das folhas secas que se recusam aos arrastos do vento. No limiar da fossa imensa, é a tua voz que me segura da queda.

E o retrato da morte ganha a tonalidade em cada átomo da água. A luz se fecunda na ramagem das algas, o útero dos peixes se desfaz para dar lugar aos pequenos destroços da pele humana.

Já, agora desperto como tufão que soluça os oceanos […]. E, tu pegas-me de braço de regresso à minha casa. O teu peito.



Biografia

Jeremias Francisco Jeremias, natural de Manjacaze, província de Gaza, reside actualmente na Cidade da Maxixe/Inharrime (Inhambane), é licenciado em Organização e Gestão da Educação pela Faculdade de Educação da Universidadde Eduardo Mondlane; membro do Projecto Tindzila onde é presidente, docente do ensino secundário de disciplina de Língua Portuguesa, poeta e ensaísta. Venceu a primeira edição do concurso "Prémio de Poesia Gala-gala 2020". É membro do Movimento Cultural Xikomu.


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