Guerra e Mbalate |
A linguagem como discurso, segundo E. Lévinas, é o lugar privilegiado da identificação na consciência. Ela que não só conduz à singularização assim como outorga à consciência seu estatuto de hélice de sentido. Questionando esse discurso, ele asserta que “o pensamento por detrás do discurso – embora deva permanecer consciência, conserva a estrutura do discurso” (LEVINAS, 1999:272). Então, a própria linguagem, como discurso, faz parte da obra do Ser. Ela não só reconhece como é o lugar da manifestação do Ser, trazendo para o horizonte do mundo as possibilidades de apreensão da verdade do mesmo. Assim sendo, Lévinas baseou-se na ideia segundo a qual a presença do próximo já se fez contato, sem a mediação de nenhuma essência suprassensível ou de qualquer universalidade, longe de instituir a relação intercedida pelo conceito, a proximidade será aqui o termo/relação entre o Eu e o Próximo.
Analisando a poesia moçambicana contemporânea, em particular na obra “odisseia da Alma” ou A arte suave da palavra” de Morgado Mbalate, fragmentos de uma ética baseada na alteridade do Outro são encontradas. O espirito ubunto jaz em seus textos como oxigénio para a vida. Como se observa num dos versos do poema “minha terra, meu chão” dedicado a Antónia Lima, Mbalate afirma que “Tu és semente de alegria plantada no chão da poesia da minha alma”. Afirmando que o “outro”, ainda que de forma subentendida, é a razão da doçura, alegria e luz do seu sonho remete a ideia de que a humanidade é feliz e é propriamente humana a partir do momento em que o outro existe.
Como assim? A minha existência enquanto ser de relações é porque o Outro é que me torna um ser humano. Por isso “Tu és semente de alegria plantada no chão da poesia da minha alma” A poesia de Mbalate, a qual a alma faz “casa de palavras do coração onde gotas de sonho fazem moradia” somente existirá porque o Outro existe para que eu continue, através das palavras expressar meus sentimentos mais profundos como a palavra que escrevo. Este ponto, ainda que hipoteticamente, pode-se afirmar que se tirasse-mos “ a mulher” ou África” de seu eixo existencial poético, possivelmente nunca poderia ser poeta.
Entretanto, o quem é o Outro em relação à humanidade do sujeito poético? Benhamida sugere que Sartre vê o Outro como um limite especial à minha liberdade. Nisso, está absolutamente correto, como se pode observar no trecho do poeta moçambicano “Deus me disse que ninguém se torna poeta sem aprovação de um passarinho” Este passarinho é a inesquecível e incomparável “Marisa”, a mulher, África, o Outro que pode limitar a liberdade do próprio poeta. Sartre afirma que o Outro é um ser que de modo ativo sabota minhas livres escolhas. Além disso, vê o Outro como o ser pelo qual eu me torno objeto. O Outro atribui qualidades a mim do mesmo modo que atribuo qualidades a uma coisa. O Outro me dá um ser que é para-outro mais do que para-si ou para-mim. O Outro me dá um exterior do qual estou para sempre alienado e que fica em suas mãos. Isso constitui um limite genuíno para minha liberdade. Por essa razão foi preciso que, mas palavras de Noémia de Sousa, caso o sujeito queira conhecer uma cultura “Estuda com olhos de bem ver”(…) “vem debruçar-te sobre minha alma de Africa”.
Hélio Zyld Guerra |
Ademais, é preciso também compreender que o Outro metafisicamente desejado pode exactamente não ser "Outro" como pão que como, como o país que habito, como a paisagem que contemplo como por vezes eu para mim próprio, este "Eu" este "Outro". Porém, Lévinas (2008:19) sustenta que dessas realidades, posso alimentar-me e, em grande medida, satisfazer-me, como se elas simplesmente me tivessem faltado, por isso mesmo, a sua alteridade incorpora-se na minha identidade de pensante ou de possuidor. Conforme, Silva a ética nesta perspectiva, tende a ser um discurso ante a presença do Outro, para o outro, em função do Outro. Procura reconhecê-lo como tal, ou seja, separando, exterior, absoluto estranho irredutível. (…) Justamente por isso, repudia qualquer insinuação de ser confundida com a Teologia, muito menos intenta ser discurso dogmático ou religioso, a tal ponto que rejeita até a atribuição de configurar uma moral. Este pensamento clarifica as aspirações poéticas de Nomeia de Sousa afirmadas a cima. Entretanto, este constação ético-filosófica é vista como uma passagem para o Outro, uma descoberta da sua exterioridade onde o Outro se destaca da massa.