Entrevista a AUGUSTO DOS ANJOS - CONVERSAS D’ALÉM MUNDO

 

CONVERSAS D’ALÉM MUNDO - AUGUSTO DOS ANJOS
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“Como um fantasma que se refugia

Na solidão da natureza morta,

Por trás dos ermos túmulos, um dia,

Eu fui refugiar-me à tua porta


Fazia frio e o frio que fazia

Não era esse que a carne nos contorta...

Cortava assim como em carniçaria

O aço das facas incisivas corta!

 

Mas tu não vieste ver minha desgraça!

E eu saí, como quem tudo repele,

-- Velho caixão a carregar destroços –

 

Levando apenas na tumba carcaça

O pergaminho singular da pele

E o chocalho fatídico dos ossos!”

Por mais que queiramos fugir dessa terra nos é difícil, parece que este espaço geográfico tem uma força magnética que nos obriga a permanecer e navegar nas entranhas dos autores literários desta pátria. Brasil é sem sombra de dúvidas uma montra de artes repleta de um mosaico cultural valioso e que precisa ser explorado até à exaustão. Nosso maior desejo é ter um tempo suficiente que nos possibilite mergulhar profundamente nesta viagem de revelações e (re)encontros artísticos.

Nessa segunda volta pela terra do samba, Augusto dos Anjos nos abriu as portas da sua alma para podermos navegá-lo. Dos Anjos, carrega nos seus escritos um mistério embrenhado num fascínio abismal, tal como podemos notar no texto acima exposto intitulado “Solitário”.

Considerado um dos poetas mais importantes do Pré-Modernismo brasileiro, Dos Anjos influenciou esta corrente com a sua poesia antilírica e mórbida, preparando deste modo a terra para a renovação da corrente modernista. No seu CV (Curriculum Vitae), Dos Anjos possui vários poemas publicados em jornais, e tem as seguintes obras: Saudade, Eu e Outras Poesias, Psicologia de um vencido, Versos Íntimos, e Solitário. É deste modo que apresentamos o nosso interlocutor.

Sê bem-vindo ao nosso espaço de conversa interactiva, quem é Augusto dos Anjos?

AA: Sou uma sombra como um dorso de azêmola passiva… um tropismo ancestral para o infortúnio, ou seja, um cancro assíduo na consciência.

 Donde deriva essa mania dos poetas se apresentarem de forma peculiar?

AA: Dos quiosques ruins que urram nos bosques da Natureza Humana.

 Quando é que se deu o seu primeiro contacto com a literatura?

AA: No tempo de meu pai, quando todos os relógios de minha vida na ânsia de um nervosíssimo entusiasmo copiava a polidez de um inconsciente inquieto.

 O teu pai teria sido a influência?

AA: Não sei, por que não me vêm à lembrança, pois dentro de toda a alma existe a prova de que a dor como um dartro se renova, quando o prazer barbaramente a ataca...

 A “dor” foi tua mola impulsionadora?

AA: “Todo o fogo telúrico reduz a condição de uma planície alegre”, provo desta maneira ao mundo odiento que a mais alta expressão da dor estética consiste essencialmente na alegria das criaturas mais escuras.

 O que são “criaturas mais escuras”?

AA: São verdades de luz que os homens olham sem poder, no entretanto, compreendê-las.

São minhas crenças divinais, túmulos tristes, soturnais, silentes, propulsão consciente!

 Alguma vez pensou que seria um ícone da literatura brasileira?

AA: Talvez de forma inconsciente, às vezes com tanta felicidade os infelizes mostram ser felizes para o “mundo superior”.

 Mundo superior?

AA: O mundo é um sepulcro de tristeza, alma viúva das paixões da vida”. Mundo superior é o orgulho humano, pensamento que sofre a súbita ruptura, a convulsão meteórica do vento!

 Segundo alguns críticos literários, a sua escrita é muito complexa. Concorda com o pensar deles?

AA: A subconsciência sempre se transfigura em volição conflagradora quando a consciência se inferna”, a alma aflita é como um fantasma que se refugia na solidão da natureza morta, por trás dos ermos túmulos!

 Quer dizer que não ti preocupas com os críticos?

AA: O aço das facas incisivas corta alguns archotes, mas destroços das outras formas da alma do homem lascivo absorvem a luz de fora, palavras de lascívia!

 “Quando o homem, resgatado da cegueira vir Deus num simples grão de argila errante, terá nascido nesse mesmo instante a mineralogia derradeira!” Primeira estrofe do poema “Ultima Visão”; Acredita em Deus?

AA: “Desci um dia ao tenebroso abismo, onde a dúvida ergueu altar profano… cansado de lutar no mundo insano… de joelhos aos pés do Nazareno baixo rezei em fundo misticismo: Oh! Deus, eu creio em ti”, Deus é meu anjo.

 Alguma vez já pensou aventurar-se na poesia cristã?

AA: “Sabes que é Deus? Esse infinito e santo

Ser que preside e rege os outros seres,

Que os encantos e a força dos poderes

Reúne tudo em si, num só encanto?

 

Esse mistério eterno e sacrossanto,

Essa sublime adoração do crente,

Esse manto de amor doce e clemente

Que lava as dores e que enxuga o pranto?

 

Ah! Se queres saber a sua grandeza

Estente o teu olhar à Natureza,

Fita a cúp’la do Céu santa e infinita!

 

Deus é o Templo do Bem. Na altura imensa,

O amor é a hóstia que bendiz a crença,

Ama, pois, crê em Deus e... sê bendita!”

 

Nunca pensei, pois Deus sempre esteve comigo.

 Há quem diga que o artista nasce, e há que diga que faz-se; Dos Anjos nasceu ou fez-se poeta?

AA: Nasci, feito um coração que vagueia no silêncio do mar. Nasci poeta como Jesus que apagou a morte das desgraças humanas!

 Se não fosse poeta, o que gostaria de ter sido?

AA: Poeta da guitarra, como o pólipo que se agarra ao lodo e a ostra que às rochas eternais se agarra. Uma vez um poeta, sempre profeta (risos).

 Há algum/a artista com quem gostaria de ter colaborado?

AA: Não. A arte é ingrata, desalento que tarda ideias buscando exteriorizar o pensamento que em suas fronetais células guarda o desespero do último momento.

 Últimas considerações.

AA: “Pode o homem bruto, adstrito à ciência grave,

Arrancar, num triunfo surpreendente,

Das profundezas do Subconsciente

O milagre estupendo da aeronave!

 

Rasgue os broncos basaltos negros, cave,

Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente

De perscrutar o íntimo do orbe, invente

A lâmpada aflogística de Davy!

 

Em vão! Contra o poder criador do Sonho

O Fim das Coisas mostra-se medonho

Como o desaguadouro atro de um rio...

 

E quando, ao cabo do último milênio,

A humanidade vai pesar seu gênio

Encontra o mundo, que ela encheu , vazio!”

 

O Fim das coisas, dedico este poema ao auditório da Tenacidade das Palavras.

 

Elaborado por: Síul Leumas

 Referência bibliográfica

ANJOS, Augusto dos. (1998), Eu e Outras Poesias, 42a Ed, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, http://bibvirt.futuro.usp.br;

https://ebiografia.com/augusto_dos_anjos/

https://pensador.oul.com.br


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