5 poemas de António Quimisse

 


LÁGRIMAS DA MINHA PÁTRIA


Eu sou a lágrima da minha pátria

desde a cor da minha pele negra

à poesia que cura a dor que me rega,

com o verde que na bandeira ondulando

reza esperança à raça negra.


Esperança aos homens que a cada Sol

saiem para pescar,

enquanto as mulheres com a enxada

abrem o ventre da terra a plantar

e para nos deliciar de saborosas iguarias azambezianas,

outrora frutos das lágrimas da minha pátria


Mas as cicatrizes em volta do corpo

não são simples manchas,

são as queixas dos cansados ossos

que de dentro espreitam nossas dores,

e transformam-se em lágrimas

que choram a minha pátria!


Minha pátria por homens violada,

sem querer, feita mulher

submissa aos comandos de quem governa as dores,

tiram-na as vestes e a pedem pudores.


E não foram homens quaisquer,

foram os donos da nobreza!

Instavam explorá-la até que suas forças se esvaíssem!

Queriam deixá-la virgem,

viúva de suas próprias riquezas,

sem nada, queriam desposar essa feita mulher.

são essas as lágrimas da minha pátria!


Essas histórias contadas à luz da fogueira,

enquanto os mochos cantam

o magro silêncio nos galhos dos embondeiros

que outrora davam-nos sombras,

e agora assombração.

São também lágrimas da minha pátria!


Eu tenho saudades

das danças que me iam Mapikando

e me picando a alma,

saudade

do mussiro que ia embalando as mamanas

e as cocuanas que preparavam suas vozes kulunguanas,

para festarem-se no entoar da Moçambicanidade

e vestirem a capulana da liberdade.

Mas agora, só há lágrimas na minha pátria!


RECOMEÇO

Existem momentos

que nada parece fazer sentido,

tudo fica perdido

para além do ressentido.


Que o mundo dá voltas

é a mais impossível verdade,

transformados em poeiras além do tempo,

vivemos esta monótona

dor constante de sentimentos repetidos.


Não falta o terror

que nos brote a cada caída,

a esperança converte-se em esquecimento,

e vê a mente à sombra da despedida


Quero ir-me embora,

do mundo jamais tornar a ser vivente,

pois da ausência ser parente

revela-se mais significante

que essa pobre existência persistente.


Quando já no fim,

com a corda bem envolta ao pescoço

para homicidar a dor,

sinto o tacto de um vulto me abraçar,

que com um pudor, cobre-me do poder

de seu bálsamo avassalador.

Então foge o sono

que me perde dos sonhos,

a luz em mim se reedifica

e quando o sol perfura a cortina,

no despontar da matina

Recomeço.


TUDO É NOSSO ATÉ CABO DELGADO


Quem com as suas experiências nos

poderá inspirar

se são os nossos velhos travados

de respirar,

O sangue enxugado pela terra,

no leito da guerra,

cobre a todos que clamam por auxílio em devotada espera.


Não se cala a arma

do assassino insurgente

que com a sua raiva

tira a vida de gente inocente,

gente que mais do que um

kilo de ouro ou prata,

clama por um kilo de farinha

para fermentar a mukapata.

Para onde vamos? Para onde iremos?

Pois tudo é nosso, até o cabo delgado.


Mas eu oiço gritos de socorro

e vejo ninguém a socorrer,

o que resta àquela inconsolável mãe é só correr,

correr sem destino se calhar para o morte.


Desesperada, busca por um esconderijo

para o filho proteger das barrulhentas armas

que não poupam almas,

sem pena perfuram-lhe o peito

e coitado perdeu seu leito

onde corria-lhe o maná e o leite.


Sua mãe estatelada no grito do último adeus

é o horizonte que olham aqueles insontes olhos

Mãe! Grita também o filho,

antes de eternamente se juntar a Deus.


Será que não há quem sonhe pela paz

diante de tanta morte fugaz?

Pois os sonhos já não dormem

querem recantar a nossa paz

aquela paz, do povo

que ninguém mais faz.



Senão para ocultar,

a insustentável vergonha de ostentar

o metical conseguido ao preço

das vidas que em matas esquivam-se de balas,

lutando para sobreviver ao enredo

de quem viu ruir suas casas.


Pudesse eu não ouvir os choros do meu cocuana

acompanhado de acabrunhados coros:

“Hitaya kuine hosi yanga”

dizeres únicos daquele centenário,

velho que mesmo cansado deste calvário

luta ainda para obter um minuto de sossego

para contar histórias aos seus bisnetos

e poder em paz despir-se da sua idade.

Pois a morte para morrer demanda também de paz



AMOR RETRATADO


Queria que fossem as eternidades

o nosso lar,

e o teu olhar o meu morar,

para nele acordar e respirar

e com tantos perigos no mundo do amar,

em ti me arriscar.


Perder-me na ilusão do teu corpo

perfeito,

que me enche de sem jeito,

jeito

de olhar, este sem defeito,

feito

visto, só por meus olhos.


E pensei,

Deus fez-te rainha, para que eu fosse teu Rei,

de escuro me inventei, e te deixei me clarear,

subtraí-me do mundo, para de ti me somar.

Amor, este amor que mora em mim

morre apenas em ti.


Pois cego me tornei,

como se ao ventre tivesse voltado,

e voltei a viver,

na inocência de, além de ti, o mundo desconhecer.


Não fosses tu essa lua

a me iluminar,

criaria um planeta só com teus olhos

a brilhar,

meu eterno pensamento,

meu tão nunca esquecimento.


Não fosse eu este verso

que de te se inspira,

permutar-me-ia do universo

para morar em teu colo,

minha pátria,

minha escola, meu habitar.

Em teus braços me aprendo,

me prendo e me rendo

para me libertar.



E se teu nome for apontamento,

és tu tudo que escrevo.


Intento,

e então tento desenhar teu jeito,

mas tuas curvas incendeiam meu lápis,

e me apago em teus carnudos lábios,

os quais só em pensamentos

beijei e quase me toquei, surreal.


Pois sonhava antes levar-te ao altar

e ao padre rogar em ti permissão

alguma de te ter sem cessar,

daí serias para mim o remédio de Deus

que jamais se iria esgotar.


Tentei desenhar-te,

mas fugi do mundo

para em meus pensamentos reencontrar-te,

pena houvesse tamanha distância

que de ti, faziam-me em lembranças

viver à rasca.


Aquela rua, nossa história

aparecias e o mundo desaparecia,

e quando me dei conta,

era um amor retratado

o qual era imóvel de me amar,

como a estátua da serpente, imóvel das

almas roubar,

era apenas um amor retratado.


FUTUROS HOMENS


Amanhã seremos,

seremos as praias enchentes do verão

e das iguarias feitas no carvão,

doces sabores que jamais se esquecerão,


Seremos a grande multidão

dos autocarros que de novo se alegrarão

pelo pão que faltava,

aos amados filhos na manhã anterior,


Seremos

os pés cálidos das estradas,

e as ruas da nossa cidade

fazendo o ziguezague entre os

pensamentos que jamais se descobrirão,


Nós seremos,

os clientes dos miseráveis

filhos das ruas,

estendendo o braço da solidão

para garantir vida às noites que cairão,


Seremos a nova cidade

sorrindo o novo sol nascente

cantando a tristeza dos que faltarão

entre o tudo que nos restará

do dilúvio que passara.

Seremos o pássaro salvo pela mão de Cristo,

e o futuro do galho da vida que hoje se verga.

***

António Quimisse, moçambicano, nascido na província da Maputo, em 21 de Fevereiro de 1998. É Químico Industrial pelo Instituto Industrial de Maputo. É escritor, Poeta e Declamador. Foi finalista da primeira edição do concurso de Poesia falada Mozlam em 2018. Foi um dos vencedores da primeira edição do concurso de Declamação EVA (EU VOU ACONTECER) em 2021.

Enviar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem