LÁGRIMAS DA MINHA PÁTRIA
Eu sou a lágrima da minha pátria
desde a cor da minha pele negra
à poesia que cura a dor que me rega,
com o verde que na bandeira ondulando
reza esperança à raça negra.
Esperança aos homens que a cada Sol
saiem para pescar,
enquanto as mulheres com a enxada
abrem o ventre da terra a plantar
e para nos deliciar de saborosas iguarias azambezianas,
outrora frutos das lágrimas da minha pátria
Mas as cicatrizes em volta do corpo
não são simples manchas,
são as queixas dos cansados ossos
que de dentro espreitam nossas dores,
e transformam-se em lágrimas
que choram a minha pátria!
Minha pátria por homens violada,
sem querer, feita mulher
submissa aos comandos de quem governa as dores,
tiram-na as vestes e a pedem pudores.
E não foram homens quaisquer,
foram os donos da nobreza!
Instavam explorá-la até que suas forças se esvaíssem!
Queriam deixá-la virgem,
viúva de suas próprias riquezas,
sem nada, queriam desposar essa feita mulher.
são essas as lágrimas da minha pátria!
Essas histórias contadas à luz da fogueira,
enquanto os mochos cantam
o magro silêncio nos galhos dos embondeiros
que outrora davam-nos sombras,
e agora assombração.
São também lágrimas da minha pátria!
Eu tenho saudades
das danças que me iam Mapikando
e me picando a alma,
saudade
do mussiro que ia embalando as mamanas
e as cocuanas que preparavam suas vozes kulunguanas,
para festarem-se no entoar da Moçambicanidade
e vestirem a capulana da liberdade.
Mas agora, só há lágrimas na minha pátria!
RECOMEÇO
Existem momentos
que nada parece fazer sentido,
tudo fica perdido
para além do ressentido.
Que o mundo dá voltas
é a mais impossível verdade,
transformados em poeiras além do tempo,
vivemos esta monótona
dor constante de sentimentos repetidos.
Não falta o terror
que nos brote a cada caída,
a esperança converte-se em esquecimento,
e vê a mente à sombra da despedida
Quero ir-me embora,
do mundo jamais tornar a ser vivente,
pois da ausência ser parente
revela-se mais significante
que essa pobre existência persistente.
Quando já no fim,
com a corda bem envolta ao pescoço
para homicidar a dor,
sinto o tacto de um vulto me abraçar,
que com um pudor, cobre-me do poder
de seu bálsamo avassalador.
Então foge o sono
que me perde dos sonhos,
a luz em mim se reedifica
e quando o sol perfura a cortina,
no despontar da matina
Recomeço.
TUDO É NOSSO ATÉ CABO DELGADO
Quem com as suas experiências nos
poderá inspirar
se são os nossos velhos travados
de respirar,
O sangue enxugado pela terra,
no leito da guerra,
cobre a todos que clamam por auxílio em devotada espera.
Não se cala a arma
do assassino insurgente
que com a sua raiva
tira a vida de gente inocente,
gente que mais do que um
kilo de ouro ou prata,
clama por um kilo de farinha
para fermentar a mukapata.
Para onde vamos? Para onde iremos?
Pois tudo é nosso, até o cabo delgado.
Mas eu oiço gritos de socorro
e vejo ninguém a socorrer,
o que resta àquela inconsolável mãe é só correr,
correr sem destino se calhar para o morte.
Desesperada, busca por um esconderijo
para o filho proteger das barrulhentas armas
que não poupam almas,
sem pena perfuram-lhe o peito
e coitado perdeu seu leito
onde corria-lhe o maná e o leite.
Sua mãe estatelada no grito do último adeus
é o horizonte que olham aqueles insontes olhos
Mãe! Grita também o filho,
antes de eternamente se juntar a Deus.
Será que não há quem sonhe pela paz
diante de tanta morte fugaz?
Pois os sonhos já não dormem
querem recantar a nossa paz
aquela paz, do povo
que ninguém mais faz.
Senão para ocultar,
a insustentável vergonha de ostentar
o metical conseguido ao preço
das vidas que em matas esquivam-se de balas,
lutando para sobreviver ao enredo
de quem viu ruir suas casas.
Pudesse eu não ouvir os choros do meu cocuana
acompanhado de acabrunhados coros:
“Hitaya kuine hosi yanga”
dizeres únicos daquele centenário,
velho que mesmo cansado deste calvário
luta ainda para obter um minuto de sossego
para contar histórias aos seus bisnetos
e poder em paz despir-se da sua idade.
Pois a morte para morrer demanda também de paz
AMOR RETRATADO
Queria que fossem as eternidades
o nosso lar,
e o teu olhar o meu morar,
para nele acordar e respirar
e com tantos perigos no mundo do amar,
em ti me arriscar.
Perder-me na ilusão do teu corpo
perfeito,
que me enche de sem jeito,
jeito
de olhar, este sem defeito,
feito
visto, só por meus olhos.
E pensei,
Deus fez-te rainha, para que eu fosse teu Rei,
de escuro me inventei, e te deixei me clarear,
subtraí-me do mundo, para de ti me somar.
Amor, este amor que mora em mim
morre apenas em ti.
Pois cego me tornei,
como se ao ventre tivesse voltado,
e voltei a viver,
na inocência de, além de ti, o mundo desconhecer.
Não fosses tu essa lua
a me iluminar,
criaria um planeta só com teus olhos
a brilhar,
meu eterno pensamento,
meu tão nunca esquecimento.
Não fosse eu este verso
que de te se inspira,
permutar-me-ia do universo
para morar em teu colo,
minha pátria,
minha escola, meu habitar.
Em teus braços me aprendo,
me prendo e me rendo
para me libertar.
E se teu nome for apontamento,
és tu tudo que escrevo.
Intento,
e então tento desenhar teu jeito,
mas tuas curvas incendeiam meu lápis,
e me apago em teus carnudos lábios,
os quais só em pensamentos
beijei e quase me toquei, surreal.
Pois sonhava antes levar-te ao altar
e ao padre rogar em ti permissão
alguma de te ter sem cessar,
daí serias para mim o remédio de Deus
que jamais se iria esgotar.
Tentei desenhar-te,
mas fugi do mundo
para em meus pensamentos reencontrar-te,
pena houvesse tamanha distância
que de ti, faziam-me em lembranças
viver à rasca.
Aquela rua, nossa história
aparecias e o mundo desaparecia,
e quando me dei conta,
era um amor retratado
o qual era imóvel de me amar,
como a estátua da serpente, imóvel das
almas roubar,
era apenas um amor retratado.
FUTUROS HOMENS
Amanhã seremos,
seremos as praias enchentes do verão
e das iguarias feitas no carvão,
doces sabores que jamais se esquecerão,
Seremos a grande multidão
dos autocarros que de novo se alegrarão
pelo pão que faltava,
aos amados filhos na manhã anterior,
Seremos
os pés cálidos das estradas,
e as ruas da nossa cidade
fazendo o ziguezague entre os
pensamentos que jamais se descobrirão,
Nós seremos,
os clientes dos miseráveis
filhos das ruas,
estendendo o braço da solidão
para garantir vida às noites que cairão,
Seremos a nova cidade
sorrindo o novo sol nascente
cantando a tristeza dos que faltarão
entre o tudo que nos restará
do dilúvio que passara.
Seremos o pássaro salvo pela mão de Cristo,
e o futuro do galho da vida que hoje se verga.
***
António Quimisse, moçambicano, nascido na província da Maputo, em 21 de Fevereiro de 1998. É Químico Industrial pelo Instituto Industrial de Maputo. É escritor, Poeta e Declamador. Foi finalista da primeira edição do concurso de Poesia falada Mozlam em 2018. Foi um dos vencedores da primeira edição do concurso de Declamação EVA (EU VOU ACONTECER) em 2021.