33 Poemas de Morgado Mbalate

 

33 Poemas de Morgado Mbalate


1. Particularidades do Meu Ser

Minha mãe é a lua.

Sou irmão de todas as estrelas.

Filho primogénito do sol.

Sobrinho do vento.

Enteado da terra.

Sei que pareço ser estranho, mas isso pouco importa, pois não?

Porque apesar de tudo.

Eu sou poeta de coração


2. Não sou de cor, Sou Negra

Não sou de cor, sou negra cor de luto.

Não sou de cor, sou negra e contra o preconceito eu luto.

Não sou de cor, sou negra porque é que sou oprimida com o desnível social e racial?

Não sou de cor, sou negra com direitos humanos como no geral.

Não sou de cor, sou negra com coraҫão sem rancor.

Não sou de cor, sou negra com coraҫão que brota amor.

Todas as raças têm valor.

3. Morada

Teve um dia que tinha um rio correndo na palma da minha mão.

Peguei nesse rio pensando que de um lápis se tratasse.

E tentei escrever um poema na pele de um beija-flor encostado ao chão.

Tentei também fotografar a voz de uma borboleta.

Entretanto, só consegui beijar o corpo de uma luz.

Fiquei feliz por ter tentado construir uma casa com poesia na imaginação.

Nesse dia o pôr-do-sol se fez dentro de mim.

A partir desse dia minha alma passou a ser a morada do ciclo do vento.


4. O Sonho Africano

Um sonho se guarda em volta dos meus passos.

África sonha quando escrevo.

Escrevo para incentivar o povo africano a sonhar.

Todos os meus escritos são tentativas de renascer-me África.

Ser africano é ser invadido pelo sonho de liberdade.

Sou um pouco da África que nasce.

Sou um pouco da África que morre.

Sou muito da África que sonha.


5.Ode ao Ninho

Tudo em mim já foi escrito.

O que escrevo é um riacho da aurora.

Meus lábios gorjeiam.

Meus olhos adejam.

Meu corpo já morreu.

Minha alma sonha os mesmos sonhos com o coração de um passarinho.

No ninho é onde os passarinhos escondem com desvelo a infância das cores.

6. Ritual

Eu caminho rãs e árvores.

Meus passos são poemas que eu escrevo no canto do olho da terra.

O lugar de onde venho o olhar das crianças aplaina as cores do amanhecer.

Minha alma preza o alaranjar do crepúsculo.

Tenho em mim todas as dores e todos os medos do mundo.

Meu ângulo de visão precede a eternidade e o tempo.

A cor dos passarinhos me plagia.

Deus me benzeu perante a lua.


7. Odisseia da Alma

A alma é pássaro.

Multicolor e multiforme.

Ora assume a forma da terra e a cor do mar.

Ora assume ao mesmo tempo a cor e a forma do vento.

Em verdade, em verdade, o corpo é ramo no qual a alma decola.

Toda alma é pássaro terno e eterno.


8. Movimento Verbal

Dou um passo passarinho.

Ponho minha alma na boca do mundo.

Passo a passo vou me tornar poesia.

Minha alma acompanha o passo do sol.

Atravesso o olho do rio pelo meio.

Ando com um rio na palma da mão.

Estou em comunhão com Deus.


9. Minha Terra, Meu Chão

Minha terra é borboleta furtiva fonte inesgotável de afecto e carinho.

Meu chão é pássaro vestido de amor que adeja alto desejoso em regressar ao ninho.

Tu és meu sonho suspenso ao redor do olho do sol.

Minha terra é gaivota fragmentada em fatias no leito do tempo.

Meu chão é sapo dourado de ternura com alma infinita de sonhos.

Tu és semente de alegria plantada no chão da poesia da minha alma.

Minha terra é garça esbelta e esguia perfumada de rio que plagia o azul do céu.

Meu chão é andorinha nascendo e crescendo no coração do vento.


10. Amor Pássaro

Te amo com amor de passarinho.

Sujo de lírios e acácias.

Enamorado por rosas e violetas.

E enfeitado de girassóis.

Te amo com amor de passarinho.

Perfumado de arco-íris e magnólias

Que levanta voo do meu corpo.

E viaja no tempo.

11. O Guardador de Formigas

Tudo me formiga.

Minha única função é guardar formigas dentro da barriga da terra.

Eis que tenho esse compromisso com Deus.

Vi uma formiga carregando Deus nas costas.

E fiz vénia à formiga.


12.Conversa com Deus

Estávamos Deus e eu conversando sentados no chão do vento.

Deus me disse que o amor habita no ser com coração do tamanho de um continente.

Deus me disse que ninguém se torna poeta sem aprovação de um passarinho.

Deus me disse que o beijo é o casamento entre as almas dos lábios.

Deus me disse que os grãos de areia são as estrelas do chão.

Deus me disse que há sempre nada na poesia e há sempre poesia no nada.

Deus me disse que todo aquele que ama seu próximo acende uma fogueira no coraҫão.

Deus me disse para sorrir e sonhar porque cada alma no mundo se alimenta daquilo que sonha.


13. Metáfora Andante

Estou sentado no chão de um verbo.

Meu olho direito é a infância da cor de um rio.

Meu olho esquerdo está envolto de auroras.

Em todo mundo há caminhos e passarinhos cheios de mim.

Meu mundo tem cheiro de chuva e cabe dentro de uma borboleta.

Meu poema é o meu recital.

Sempre que escrevo estou me recitando.

Minha escrita está voando.

14. O Sem-Abrigo

Sou menino pobre de rua que caiu do céu.

Sem família e nome.

Que deambula nas calçadas imundas de Maputo.

Com roupas rasgadas pelas mãos da chuva.

Vendo outros meninos limpos e bem vestidos.

Quem me dera se eu tivesse uma casa no planeta Júpiter.

Quem me dera se você não me desprezasse Moçambique.

Sou menino de rua que a miséria e a fome apagam todos os sonhos no coração.


15. Irracionalidade Poética

Tudo o que escrevo está inclinado.

Escrevendo atravesso rios e oceanos.

Quando escrevo sou muitas aves e muitas pedras.

Minha escrita humilde rasteja o chão das coisas.

Renasҫo sempre que escrevo um poema.

Falo um carangueijo sentado na mão destra de Deus.

Escuto anémonas e flores falando de mim.

Todas as paisagens do mundo são comigo.


16. Manoel de Barros

Nasci falando avencas e violetas.

Uma parte de mim é rio e a outra parte é um passarinho.

Estou sempre enamorado de sol e águas.

Escrevo sempre com o lápis dos musgos e a letra dos sapos.

Meus versos sujos são passados a limpo pelas árvores e pelos caracóis.

Meu céu é o mundo silencioso das coisas.

Cada alfazema no mundo é uma imagem de mim.

Tenho vocação para ser poesia.


17. O Anunciador de Prodígios

Um passarinho me deu jeito de ser.

Minha fala tem formato de lua e pássaro.

Corre a infância de um rio em mim.

Descanso do poema fazendo poesia.

Minha fé é riacho de luz.

Hoje o dia comeҫou de mim.

Tenho medo de alturas.

Voar para mim só dentro poema.


18. Poema que me Escrevo

Ser poeta é tomar conta de passarinhos.

Meus poemas são passarinhos que fogem de mim.

Minha voz já viu o chão do sol abarrotado de jacintos.

No chão do outono meu olho é peixe verde morando na copa de uma árvore.

Minha alma é borboleta que cata as cores do amanhecer.

Meu exílio é sabiá laranjeira.

Quando eu morrer serei sepultado na testa de um caramujo.

Não sou poeta, procuro ser poesia.


19. Ave, Poesia

Num rompante uma ave me inaugura para o mundo.

Vivo e ajo como a aurora.

Não há ave que não vou ser.

Pertenҫo ao rio que canta.

Não existe meu ser sem poesia.

A poesia me faz comungar com Deus e com a essência das coisas.

Quero o crepúsculo do mais perto de Deus.

Procuro a essência desse meu jeito.


20. O menino de passarinho

Hoje acordei poesia.

O que me salva de mim mesmo é toda poesia do mundo que me visita.

Minha fonte de inspiraҫão é a natureza primordial e as coisas simples do quotidiano.

Minha escrita não tem fronteiras porque minha poesia já engravidou o mundo.

Só a poesia eterniza as coisas e os seres.

Em algum lugar do mundo há um passarinho procurando por mim.

Até morrer serei poesia.

Tenho o dom das aves.

Só escrevo para voar.


21. O Dador de Memórias

Passo as horas a brincar dentro das memórias da minha infância.

Sou ser que vive uma infância permanente.

Pela escrita visito álamos e jacintos.

Preciso de um sonho para me amanhecer.

Acredito que vou morrer árvore.

Talvez um dia renasҫa poeta.

A poesia é rio que corre fora e dentro de mim.

Dou memórias de ave para minha infância.

22. Marisa


Teus olhos são jóias raras da cor da chuva.

Teus cabelos são rios correndo no leito do vento.

Teu beijo bom é mel puro da colmeia que se estende ao alto mar.

Teus seios são pêssegos deliciosos tombados no chão da lua.

Tua alma é árvore plantada para além do chão do horizonte.

Minha sina está nos teus lábios suaves semelhantes aos anjos serenos dos céus.

Teu corpo é fruto amadurecido pela utopia divina.

No chão da tua boca correm todos os rios do mundo.


23. Incomparável

Vi a lua fazendo amor com as estrelas.

Vi a neve caindo durante o verão.

Vi a mentira se apaixonando pela verdade.

Já vi Deus dançando marrabenta com os anjos dourados no céu.

Já vi tudo neste mundo.

Mas ainda não vi nada que me impressiona como tu.

Já amei tudo nesta vida, cheguei até a amar o imensurável.

Mas o amor que sinto por ti é incomparável.


24. Deus

Tenho em mim um menino.

Um menino cor de orvalho.

O menino em mim tem cheiro de amor e sonhos.

É um menino que brinca no quintal da minha alma com brinquedos, pipas e livros.

O menino tem asas de flamingo e lábios da cor do sangue das libélulas.

Esse menino é a poesia da minha alma.

Esse menino é Deus.


25. Domingo

O sol nasce no rio do horizonte.

Transbordando amor infinito e suave.

Sobre o córrego do meu olhar.

O sol nasce no coração do domingo.

Despejando amor que cabe na mão de uma flor.

Amor que roça e torna delicada a pele da humanidade.

O sol do domingo é cego, surdo e mudo.

O sol do domingo é Deus brilhando com rigor.

E tornando o meu âmago um coliseu de amor.


26. Milionário do sonho

Meu sonho que não tenho.

Meu sonho que sonho.

Todo sonho bom deve ser bem-vindo.

Todo sonho meu jamais se apaga.

Existe sempre um mundo novo por criar, um mundo para amar e declamar.

Eu sonho com verdade e bondade.

Sonho com igualdade e paz.

Meu sonho é liberdade.


27. Pintando Poesia

João me pintou com todas as raças e cores.

João me pintou em todos os lugares dos mundos que me cercam.

João me pintou a imagem e semelhança das águas sagradas do índico.

João Timane é poeta me pintou poesia.


28. África dos Meus Sonhos

Prefiro acreditar na poesia a crer nos políticos.

Entro dentro do tempo e abro uma janela no chão da memória.

O que me dói nesta minha África é ver uma parte dela que vai deixando de ser África.

O inimigo pode roubar todas as grandezas e riquezas da África.

Mas o inimigo jamais poderá roubar a beleza do meu sonho africano.


29. Conhecendo à Escrita das coisas

Chove um sonho em mim.

Nas asas do meu poema meu sonho voa.

Meu poema é apenas um passarinho em que vou voando.

Conheço apenas a primeira letra do âmago secreto das coisas.

Conheço apenas o que escrevo.

O que escrevo voa.


31. Africanizando I

Amo essa gente cheia de África.

Na África todos os caminhos nos levam às fontes da terra e às origens do mundo.

É no rio da África onde escrevo o meu nome.

Nunca me separo da África porque a trago dentro de mim.

África é dentro de mim.


32. Vivendo da Palavra

Corre um rio de palavras na minha mente.

Deito-me no corpo de uma palavra.

A palavra que não devora me poema.

Vivo em poesia.

Viver em poesia é dançar com palavras e sonhos.

A palavra amor passou a mão em mim.

33. Assim Disse o Poeta

Só entendo de malvas e orvalhos.

A lógica abstracta dos meus sonhos norteia meu mundo.

Meus sonhos têm todas as cores.

Todas as coisas têm poesia.

Recrio minha vida usando álamos e jacintos.

O mar é o céu deitado de barriga ao chão.

A noite é uma estrada.

Dormir é viajar.

Minha maior vaidade é ser poeta.

Poeta serei, mas talvez no futuro.

Eu sofro de passarinhos.

Tudo em mim quer voar.

***

Morgado Henrique Mbalate, nasceu em Maputo, Moçambique, a 06 de Setembro de 1993. Foi distinguido com a menção honrosa pela obra
Ode ao Ninho no Prêmio Mundial de Poesia Nosside edição 2014. Foi distinguido com a menção honrosa pela obra Moçambicanizando no Prêmio Fernanda de Castro na categoria de Poesia no IV Concurso Internacional de Poesia & Prosa edição 2017. Foi distinguido com um certificado de mérito pela marca e empresa criativa Morgado Mbalate no programa de empreendedorismo Starting Your Creative Enterprise (Começando O Seu Negócio Criativo) edição 2020. Foi distinguido com um certificado de mérito pela obra Morada no SOLAR DE POETAS edição 2014. É escritor, empreendedor, palestrante e poeta moçambicano. Licenciado em Filosofia pela Universidade São Tomás de Moçambique (USTM, 2018), especialista em Recursos Humanos e Ética. Estudou Electrónica e Telecomunicações na Escola Nacional de Aeronáutica (ENA, 2012). Pela Editora Edições Esgotadas, publicou: Odisseia da Alma (Poesia, 2016). Pela Comunidade do Tambor publicou em co-autoria: O que nos a Bala (CD de Literatura Negra, 2018). Pelo Portal Karingana – Portal Académico de Moçambique publicou: Covid-19 Palavras para Aliviar o Isolamento Social (Crónica, 2020). Pela Chiado Books publicou: A Arte Suave da Palavra (Poesia, 2020). Participa de antologias diversas. É embaixador da Campanha ESCOLA SEM COVID na KUFUNDZA. É membro da Academia Internacional da União Cultural. É fundador da marca Morgado Mbalate (Vestuário & Agência de Publicidade). É colaborador do Portal Por dentro da África.

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