Desliguem essa música... por favor!!!



As batidas da música que infesta o automóvel lembram o som de uma lata velha cambaleando na barriga de um mar de pedregulhos. O compasso é, em algumas partes, descompassado e o ritmo desritmado como se o produtor os tivesse manufacturado inerte numa camisa de forças. Pergunta-se: não terá esta música resultado de uma "alucinação visual e acústica do diabo"?
"...buluku... buluku... buluku..."
Enfim, alguém dirá que são as novas tendências, as vibes do momento. Nlta! "Ai da passividade animal"!
"... buluku ... buluku... buluku..."
Whatever! O que se quer aqui dizer é  que esta música tem um sabor cáustico aos ouvidos cultos e exigentes dos que veneram a moral e a ética social. Porém, talvez para provar o contrário, o cobrador, enquanto monitora a porta e com palmadas à caixa do carro comunica ao motorista as paragens e os avanços rodoviários, abana a cabeça e os ombros demonstrando a sua admiração e encanto pela música que é cuspida pelas invisíveis colunas do veículo.
"...buluku... buluku... buluku"
O volume é altíssimo. Esfaqueia os tímpanos. As desafinadas vozes dos destalentados "vocalistas" misturadas com os gordos graus de calor entorpecem a consciência e a paciência de todos passageiros. Mas, como é sabido por todos, poucos moçambicanos têm coragem de reclamar os seus direitos ou exigir respeito. Sendo assim, nenhum dos passageiros se pronuncia. Todos limitam-se a duplicar os invisíveis zips nos lábios.
- Este é o beat de Dezembro..., diz o cobrador dirigindo-se ao motorista.
- Yah! É uma cena terrível, remata o motorista. E questiona:
- Afinal esta música é qual estilo...?
- É mapiano, é o estilo do momemto...
O motorista aumenta um pouco o volume e continua a discutir com o guiador e a dialogar com os pedais.
O cobrador começa a gritar a letra da música:
"... buluku ... buluku... buluku..."
Daí que uma senhora  pronuncia-se:
- Cobrador e motorista acham que é correcto o que estão a fazer?
Os dois trocam um curto olhar, riem-se. A senhora volta à carga:
- Desliguem essa música insultuosa, por favor,  nos respeitem... custa isso?
- Senhora, se você queres descer é dizer logo, responde o cobrador.
-  Ainda não cheguei na minha paragem; só estou a vos chamar à atenção... não toquem essa música aqui no chapa. Vejam só, aqui há pessoas mais velhas que vocês e muitas crianças também.
-  Senhora, não nos chateia! Toda música é para ser escutada. Você não está a perceber as vibes... és uma antiquada, diz o motorista.
Todos os passageiros começam a murmurar. O clima ganha indescritível acidez. A senhora volta a palavrear:
- Escuta aqui senhor cobrador, música que não auxilia na formação íntegra dos cidadãos de um país tão empobrecido como o nosso e apenas vem atrapalhar a sua formação não deve ser escutada. Essa vossa música só serve para aumentar a imoralidade, a prostituição... 
- Motorista, encosta, paragem, paragem babo...!!!
O motorista obedece a ordem do cobrador. Encosta o autocarro. O cobrador abre a porta abruptamente. Diz:
- Você Senhora que estás a falar muito, pode descer...
- Não há problema, vou apanhar um outro chapa. É melhor do que escutar essa vossa música podre.
A senhora desce, mas é seguida pelo resto dos passageiros. O cobrador tenta impedir que todos desçam, mas é imediatamente  empurrado para fora do carro. Já na berma, os passageiros gritam:
- Fiquem com o vosso carro e a vossa música de insultos...
O cobrador e o motorista entreolham-se, espantados. Não esperavam que algo do género acontecesse.
- Bro, havias cobrado o dinheiro?, pergunta o motorista.
O cobrador parqueia  as mãos no cimo da cabeça, dos seus olhos vê-se um riacho de lágrimas a nascer...

Por Fernando Absalão Chaúque

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