O Sangue de Cabo Delgado

O Sangue de Cabo Delgado


O sangue que jora em Cabo Delgado é negro como a pólvora que o destila das veias de toda criança massacrada nos calcanhares da noite; negro como a fanática mão que empunha a esfomeada baioneta nas axilas da madrugada e silencia grilos depois de ter apagado a luz dos vaga-lumes que sonhavam ser luas; negro como a língua dos corvos que falam de Deus enquanto pregam o terrorismo em plena luz do dia.

- Salvem Muidumbe...!!! Salvem Quissanga das garras dos abutres...

Nunca ninguém pensara que isto aconteceria. Nunca ninguém imaginara que a ilha do Ibo (cercada por águas límpidas e coqueiros de seda) seria transformada em um pulmão vampírico que rega a garganta da terra com sangue e gritos de dor. E quem disse que o chão de Cabo Delgado tinha sede de sangue? Os antepassados (principalmente os que escorraçaram o colono) pediram um pingo de vinho e algumas migalhas de rapé, mas há estes satanyokos  desvairados a embebedá-los com sangue e granadas. Musunduyas de uma figa!!

- Irmãos, salvemos Mocimboa da Praia!!

Salvemos Macomia... Pois, está a virar um deserto. As casas foram engolidas pela fúria das chamas que ninguém nunca saberá a sua exacta proveniência nem o rosto que as ateou. Os hospitais estão doentes, acamados. Têm tido intermitentes ataques de febre só de pensar que a qualquer momento podem ser vandalizados. As praias estão tristes. Ninguém mais as visita. Choram penosas dos que nelas não se podem mais mergulhar esquivando o metalúrgico verão que se faz agora sentir.

-  Oremos por Meluco e Moeda!!

Nas machambas já não se planta milho nem mandioca; plantam-se emboscadas, balas, metralhadoras e, de lá, só germina o que nunca matará a fome além de multiplicá-la: medo, martírio e lágrimas. O povo, com os estômagos empantorados de vácuos põe-se à distância e vai garripando incertezas com os calcanhares do pensamento.

- Que faremos por  Mecúfi e Metuge?

As matas estão traumatizadas. Já viram todo tipo de degraça. O capim está farto de ser adubado com corpos degolados, tripas e sangue.

Aliás,  o sangue que jora em Cabo Delgado é meu, é teu, é nosso. É negro. É miscelânea de todas as cores e raças. É o sangue  de toda humanidade.

- Até quando esta lástima toda?


Por Fernando Absalão Chaúque

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